7 x 7 – Armazenamento de energia para quem… | 7×7 Energy storage for who…

Segue um olhar sobre o trabalho da artista Tamara Cubas, no quarto texto da série 7X7, na qual convido jovens artistas a escreverem suas visões sobre os trabalhos de outros artistas – neste caso, os programados na segunda edição do Festival Contemporâneo de Dança (novembro 2009, São Paulo). O intuito é o de criar uma ação sinérgica instigando a análise crítica e sensível sobre a arte da dança por novos artistas que crescem dentro dela. Convido todos os leitores a comentarem, refletirem, participarem… Isso ajuda a  alimentar este projetinho que quer falar e escrever sobre a dança. Sheila Ribeiro.

Tamara Cubas por Arthur Moreau

A peça ATP, da uruguaia Tamara Cubas, que é uma das artistas a se apresentar no 2º Festival de Dança Contemporânea de São Paulo, investiga motivos e posições assumidas ao estar em cena. Essas são suas moedas de energias poéticas, numa analogia à ATP, que é um nucleotídeo responsável pelo armazenamento de energia em suas ligações químicas dos seres com atividade metabólica. Metabolismo é o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. Assim, os três dançarinos, Mariana Marchesano, Miguel Jaime e Santiago Turenne, transportam suas energias aos vários eventos laboratoriais pré-estabelecidos, como se estabelecer parados em pontos diferentes do palco; ser manipulado, em rodízio, pelos outros dois colegas da peça; fazer diferentes sobreposições dos corpos; arrastar os microfones pelo chão; encostar os microfones de modos e locais diversos nos corpos. O quanto cada um está vestido com a composição do seu figurino em cada ação, em cada cena, é outra variante. Cubas demonstra aqui um projeto de metapesquisa: uma apresentação concluída de uma pesquisa com o tema pesquisa.

Tudo o que se é experenciado comunica. Isso é, todo corpo sofre os contatos com os signos do mundo. Muitos desses sofreres causam diferenças insignificantes. A arte, ainda mais a contemporânea, se propõe a causar diferenças que façam a diferença.

Em ATP, os corpos são eficientes nas suas movimentações desinteressadas, no sentido de serem realizados sem finalidade proposital, mais ou menos assim como fazem os fenômenos da natureza. Sofrer as investigações das propostas genéricas por Cubas pode instaurar questões amplas. Isso comunga com o visual do cenário, que é composto por paredes e piso brancos. É uma estética que voltou a ser reconstruída com frequência nos últimos anos na dança, como nas peças (Not) A Love Song (2007), do francês Alain Buffard, e Desvio para o Vermelho (2009), da brasileira Carmen Gomide. Faz alusão ao conceito, que foi configurado no meio da museologia e das artes plásticas, do cubo branco, cujo conceito foi inaugurado em 1929, na criação do edifício atual do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), projetado pelos arquitetos Philip Goodwin e Edwarda Stone, e se intensificou na década de 50. É o pensamento ideológico de que um dado objeto dentro de um espaço branco estaria muito mais propício a ser observado porque estaria neutro em relação a outros fatores. Sob outro aspecto, isso causa um contraste se se considerar as possibilidades instigantes de deslocar nexos de sentidos, de modo vertiginoso, da peça para outras dramaturgias do corpo. Tradução essa movida com a curiosidade e o interesse como os de um arqueólogo ao encontrar um artefato antiguíssimo, já sem nenhuma utilidade cultural original e sem valor financeiro claro.

As pessoas em cena têm que construir energias provenientes da construção dos seus próprios movimentos. Essa é uma regra sugerida por ATP ao fazer/dizer de uma dança. Ou seja, mesmo que a ela faça recortes e/ou diálogos com outras formas de conhecimento, ela deve se renovar com as suas especificidades, e que também são transitórias, porque são elas suas principais forças. E essa renovação acontece de modo ativo. Assim, ela é uma usina dela mesma: gera energia a partir da qual ela mesma utilizou.

Cubas presenteou à dança paulista sua pesquisa mobilizável. Nela, as ações cujo capital inicial, que são suas intenções e sua argumentação, e suas decorrentes transformações carregam seu próprio impulso e estímulos. Se a classe tem muito a pleitear, deve pesar muito valor em cada uma das etapas das dramaturgias políticas de modo coreografado. Por esse modo, as suas individualidades devem se submeter a favor do interesse que a arte tem para elas e que pode ter melhor a várias mais.

::

Desligamentos e ligações na dança

A realização concomitante de dois eventos importantes da dança paulista foi um dado sintomático no meio. A 3º Bienal de Dança realizada pelo SESC Santos, com apresentações tanto na própria unidade quanto em outros pontos da cidade, aconteceu do dia 3 a 10 de novembro. E, a 82 km de distância, entre os dias 5 e 15 de novembro, também ocorreu o 2º Festival de Dança Contemporânea de São Paulo, na Galeria Olido. Ambos os eventos amadureceram em relação às suas edições anteriores. O de Santos, na amplitude de possibilidades de palcos, na visibilidade da programação e na quantidade de opções de peças. O da Galeria Olido, na concepção geral e na coerência e qualidade dos artistas convidados.

Tomando como referência a capital paulista desde o começo da década de 2000, houve um salto do lastro cultural da dança, com a intensificação dos encontros dos seus profissionais entre si, do aumento ano a ano de seu número, com o surgimento de faculdades, de mais escolas e de eventos. Entretanto, ao mesmo tempo, essa maior movimentação ainda não se transformou numa convergência para uma agenda emancipadora de tarefas. Alguns problemas urgentes em comum já foram identificados por uma parte daqueles. É precisar continuar nisso e desenvolver ações de mobilização. Principalmente frente à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que trata a dança paulista de modo autoritário, impondo projetos sem diálogo com representantes da área, e cuja prioridade, a Cia. de Dança de São Paulo é, em muitos sentidos, assaz equivocada e deslocada. Ora, a movimentação da dança paulista, na sua evolução histórica, é fortemente inclinada e propícia a tipos de danças diferentes da praticada por aquela. Contudo, o ponto mais intrigante é que a cia. oficial do Estado tem um suporte financeiro anual de mais de R$ 13 milhões, enquanto todos os outros grupos ou artistas da dança que fazem carreira solo só podem pleitear, ou seja, disputar nos editais, juntos, ao governo do Estado, menos da metade desse valor. E ela ainda deve ganhar, de acordo com um projeto recentemente contestado por uma ação pública, uma cede luxuosa no bairro paulistano da Luz. Região essa que está sofrendo uma revitalização para tornar-se um local que receba a classe alta.

A política cultural vigente é uma não política cultural. Tratar e conduzir as manifestações e ações artísticas como mercadorias industriais de consumo fragilizam, de modo gigantesco, o vigor das suas funções sociais. As pessoas da dança são parceiras do Estado nessa incongruente dialética que caminha com incômoda tranquilidade.

O 2º Festival de Dança Contemporânea se manifestou, principalmente, na modéstia. Vislumbrou para um único pequeno lugar o pequeno e cativo público desse coletivo de gênero. Aquele trouxe para suas peças, encontros e workshops, artistas e/ou pesquisadores com significativas experiências de carreiras, oriundos da Américas Latina ou Europa e de Marraquexe (Marrocos), o pioneiro Taoufiq Izeddiou. Essa legitimação é uma assinatura. Marcelo Evelin e Adriana Grecchi labutam, há anos, por algumas funções dentro da dança. É de grande importância, assim como no exemplo deles com o festival, que a direção artística de um evento artístico seja de responsabilidade de pessoas íntimas da arte em questão. Tal política e o seu hábito estão, na capital paulista ao menos, começando a fundamentar essa sua obviedade.

No mesmo modo, uma ação com muita aparência de hábito. Contudo, esse caso é devido também a outras condições do que só pela postura curadora. Por exemplo, as regiões ou nações que costumam não ter representantes em festivais de arte em São Paulo continuam dadas como se fossem quase que totalmente heterogêneas. A complexidade cultural pode se desenvolver em qualquer país seja ele pobre ou não, distante ou não, pouco conhecido ou não. E isso inclui estados do próprio Brasil. Essa política com teor pós-colonialista é encontrada aqui no país numa outra, porém parecida, proporção na maioria dos contemplados dos editais estatais e dos favorecidos pelas renúncias fiscais (cinicamente nomeadas como “patrocínios”) das empresas. Todavia, também são poucos os lugares em que se estruturou um conhecimento e campo de pesquisa das questões e incômodos contemporâneos na dança. Os corpos dela constroem, com suas energias armazenadas e ligações químicas, seus locais pensando de modo crítico e político.

::

A expressão “cubo branco” (White Cube) foi criada por Brian O’Doherty e usada para definir o museu moderno. Para saber mais consultar o livro dele sobre o assunto: No Interior do Cubo Branco; a ideologia do espaço da arte, publicado pela Martins Fontes (2002).

Arthur Moreau é bacharel em Comunicação das Artes do Corpo (PUC-SP) e pós-graduando em Yôga (UGF-SP). Integrante da Cia. Depois do Incêndio.

Leia também: 7×7 – Quando se desprendem as partes?

7×7 – Uma discussão das frestas entre realidade e arte

7×7 – Corpo em resignação

7×7 – Dançando para além da porta

7×7 – A bandeira que não é branca

7×7 – Tudo o que você sempre quis saber


Here is a reflection about the work of Tamara Cubas,the fourth text of the series 7X7, in which I invite young artists to write their reflections about the work of other artists – in this case, those programmed at the second edition of Festival Contemporâneo de Dança, held in November in São Paulo. The idea is to create a synergetic action instigating sensitive a critical analysis of the art of dance by young artists that are growing within it. I invite all readers to comment, reflect, participate… This helps to feed this little project intending to speak and write about dance. Sheila Ribeiro.

Tamara Cubas bt Arthur Moreau

The piece ATP, created by Uruguayan Tamara Cubas, one of the artists who participated in the 2º Festival de Dança Contemporânea de São Paulo, investigates motives and positions that are assumed on stage. These are her coins of poetic energy, in an analogy with ATP, a nucleotide responsible for energy storage in chemical connections in creatures with metabolic activity. Metabolism is the set of transformations chemical compounds undergo inside living organisms. Thus, the three dancers, Mariana Marchesano, Miguel Jaime and Santiago Turenne, transport their energy to several pre-established laboratorial events, such as remaining still in different points of the stage; taking turns being handled by the other two castmates; making different juxtapositions of the bodies; dragging the microphone through the floor; placing the microphone against in different places of the bodies, in different ways. How much each one is dressed with their costumes in each action, in each scene, is another variant. Here, Cubas demonstrates a metaresearch project: a presentation concluded from a research with research as its subject.

Everything that is experienced communicates. That means that every body is affected by the signs of the world. Many of these affections cause insignificant differences. Art, contemporary above all, proposes to cause differences that make a difference.
In ATP, the bodies are efficient in their uninterested movements, in the sense of being carried out without a deliberate purpose, more or less like natural phenomena. Being affected by the investigations of Cubas’ generic proposals can establish broad questions. This communes with the stage settings appearance, which is composed by white walls and floor. It´s an aesthetic that has been often reconstructed in the last years, such as in Alain Buffard’s (Not) A Love Song (2007), and Carmen Gomide’s Desvio para o Vermelho (2009). It alludes to the idea, configured in the fields of museology and plastic art, of the white cube, whose concept was debuted in 1929, during the construction of MoMA’s current building, designed by architects Philip Goodwin and Edwarda Stone and intensified in the 50’s. It is the ideological thinking that a given object inside a white space would be much more suitable to be observed because it would be neutral regarding other factors. From another angle, this causes a contrast if the instigating possibilities of vertiginously shifting meaning nexus are considered, from the play to other dramaturgies of the body. This translation is moved by the curiosity and interest like that of an archeologist finding a very old artifact, already without any original cultural purpose and without financial value.

The people on stage must build energies coming from the construction of their own movement. This is the rule suggested by ATP in making and speaking about a dance. It means that even if she makes cuts and/or dialogues with other kinds of knowledge, she must renew herself with her specificities, which are also fleeting because they are her main strength. And this renewal takes place in an active way. Thus, it is a power plant of herself: she generates energies from that which she used herself.

Cubas gifted the dance of São Paulo with her mobilizable research. The initial capital of the research’s actions, which is her intentions and her argumentation, and the resulting transformations carry their own impulses and stimulus. If the category has much to demand, it must place a lot of value on each of the steps of the choreographed political dramaturgy. Thus, their individualities must submit in favor of the interest art has for them and that can better have many more.

::

Disconnections and connections in dance

The concomitant occurrence of two important events for dance in São Paulo was a symptomatic fact. The 3º Bienal de Dança produced by SESC Santos, with performances both in the unit and in others spots around the city, took place from December 3 to 10. And, 82km away, between November 5 and 15, the 2º Festival de Dança Contemporânea de São Paulo, also took place at Galeria Olido. Both events matured in comparison to their previous editions. The one in Santos, in the amplitude of stage possibilities, in the program’s visibility and in the amount of options of pieces. The one at Galeria Olido, in the general conception and in the coherence and quality of the invited artists.

Taking the capital of São Paulo since the beginning of the 2000’s as reference, there has been an increase in dance’s cultural basis, with intensification of meetings among professionals, the increase of its number year by year, with the establishment of colleges, of more schools and events. However, at the same time, this bigger movement still hasn´t transformed into convergence towards an emancipatory agenda of tasks. Some urgent common problems have already been identified by some of them. It is necessary to keep this up and to develop mobilization actions. Mainly against the State of São Paulo Culture Office, which deals with dance in an authoritarian way, imposing projects without dialogue with representatives of the community and whose main priority, Cia. de Dança de São Paulo is, in many ways, rather misguided and misplaced. The dance movement in São Paulo, in its historical evolution, is strongly inclined and favorable to kinds of dances that are different from that. However, the most intriguing point is that the State’s official company has an annual financial support that amounts to more than R$ 13.000.000,00, while the other groups or artists that have solo careers in dance can only plead, or compete for a grant from the government of less than half that amount, altogether. And it will also probably get, according to a project recently opposed by public action, a luxurious building in the Luz district. This region is undergoing revitalization to become a place suitable to receive the upper class.

The current cultural policy is not a cultural policy. Dealing with and conducting artistic manifestations and actions as if they were industrial commodities hugely weakens the power of their social role. Dance people are partners of the state in this contradictory dialectic that goes on with disturbing tranquility.

The 2º Festival de Dança Contemporânea expressed itself mainly through modesty. It glimpsed in one little place the small and loyal audience for this gender. It brought to its pieces, meeting and workshops, artists and/or researchers with significant career experiences, coming from Latin America or Europe and from Marrakesh, Marrocco, came pioneer Taoufiq Izeddiou. This legitimation is a signature. Marcelo Evelin and Adriana Grecchi have been struggling for years for some issues within dance. It is very important, just like in their example in the Festival, that the artistic direction of an artistic event is under the responsibility of people intimate to the art concerned. Such policy and its habits are, at least in the city of São Paulo, starting to ground this obviousness.

Likewise, an action with the appearance of habit. However, this case is also due to conditions other than the curatorial attitude. For example, the regions or nations that are not usually represented in São Paulo’s art festivals are still regarded as being almost completely heterogeneous. The cultural complexity can develop in any country, be it poor or not, distant or not, well-known or not. And that includes states in Brazil itself. This policy with post-colonialist overtones can be found in the country in another, but similar, proportion of projects awarded by the state’s funding programs and those favored by tax rebates (cynically called “sponsorships”) of companies. Nevertheless, there are also few places in which knowledge and research fields about dance’s contemporary issues and problems. Its bodies construct, with its stored energies and chemical connections, their places thinking in a critical and political way.

::

The expression “White Cube” was created by Brian O´Doherty and is used to define the modern museum. To learn more, consult his book about the subject: Inside the White Cube: The Ideology of the Gallery Space.

Arthur Moreau has a degree in Communication of the Arts of the Body from PUC-SP, is a post-graduate student in Yoga at UGF-SP and member of Cia. Depois do Incêndio.

Read also: 7×7 – Dancing beyond the door

7×7 – The flag is not white

7×7 – Everything you always wanted to know