Necessidobra / Foto: Javier Vaquero Ollero

7 X 7 – Kneeding, de Jefta van Dinther

O 7×7 é um projeto de diálogos entre artistas sobre trabalhos artísticos. Este projeto nasceu na segunda edição do Festival Contemporâneo de Dança (SP/2009) e em 2011, além do festival de SP, cobriu os Festival Panorama (RJ), Olhares sobre o Corpo (Uberlândia), FID (BH), Panorama Sesi (SP) e Festival Contemporâneo de Dança (SP), dialogando com cinco eventos de dança do Brasil e produzindo em torno de 100 críticas artísticas. Cada um desses eventos é encabeçado por um crítico-artista do 7×7: Sheila Ribeiro (conceitualizadora), Arthur Moreau, Sidney Padilha, Rodrigo Monteiro dos Santos e Bruno Freire, respectivamente e tem como designer colaboradora Caroline Moraes. O idança, nosso parceiro desde sempre, publica sete de nossas críticas. Para ver todas as críticas: http://projeto7x7.wordpress.com.

No quinto texto desta edição da série, Bruno Freire escreve sobre Kneeding, trabalho de Jefta van Dinther, apresentado no Festival Panorama, FID e Festival Contemporâneo de Dança, em novembro de 2011.

Necessidobra

Você vai torcer o bico ou Cara feia prá mim é fome.

A partir da coreografia de Jefta van Dinther em Kneeding, o espetáculo aqui em questão, que nos revela uma ideia preponderante de um amassar dos corpos de Jefta van Dinther, Frederic Gies e Thiago Granato, propus me a pensar como seria um amassar de palavras/ideias em um texto.

Conforme os corpos dos dançarinos em cena se dobram e redobram, percebi que nesse percurso existe um jogo empático capaz de literalmente provocar, incomodar, modificar e alterar algo no corpo de quem assiste. Não obstante observamos que nós e outros espectadores da sala começamos a fazer caras de dúvidas, incertezas, caretas de irritação e incomodo como as que estão sendo realizadas pelos performers. Os observadores se contaminam pelo jogo proposto. Em um simples levantar de sobrancelhas no rosto do espectador, a dança se propaga como um vírus. Conforme eles dançam, eu danço.

Descomeço

eu começo meço meu começo assim amasso meu corpo em um massagear de ideias, que me lanço sem saber ao certo onde começa isso tudo através de perguntas, dúvidas, frases soltas, apresento uma forma de amassar ideias, o trabalho de Jefta van Dinther amassa e inunda meu corpo de dúvidas incertas. Não sei ao certo se tudo isso começou nele ou em mim, se seu trabalho me provoca me aflige ou me ilumina uma outra possibilidade naquilo que eu achava já saber, fico então sem saber o limite do corpo que dança, de onde vem a empatia, essa ação que é movimento de ligação entre observador e objeto observado, qual o lugar da dança nele ou em mim. Toda dança pode ser reflexiva dúvida flex flexiona braços, conceitos, pernas, ideias, dobra corpos, amassa ossos, ouço por aí que ainda se separam o lugar da reflexão da criação, como se fossem coisas distintas, pergunto se é possível parar de pensar enquanto dançamos. Um festival internacional europeu de dança divulgou uma frase de Beckett, a de que um dos seus personagens idiotas de, Esperando Godot diz, dance primeiro pense depois, essa é a ordem natural das coisas e por algum tempo essa frase amassa na minha cabeça, porque paro e penso que é impossível dançar sem pensar, mas então qual é a mentira? A mentira é que, tem sempre que ser ou uma coisa ou outra e como é raro e precioso encontrar quem pense assim, porque, ainda hoje muitos que dançam e criam falam em desligar o racional. A frase de Beckett ecoa para (eles) ainda hoje, e para (eles), mover o corpo não seria um controle íntimo entre músculos e comandos do cérebro, uma habilidade de saber pensar, agir rapidamente, uma técnica para (eles) não seria um acordo íntimo entre fazer pensar entre cérebro, mão, perna, órgãos. Pensar nesse caso resume-se a um julgamento, a um juízo de valor, portanto, ter uma opinião sobre algo significa para (eles) pensar, se partirmos do pressuposto de que corpo e mente estão interligados, como seria possível falar em desligar a mente em uma sala de ensaio, seria este um ato suicida? Observe que ser espectador de Jefta van Dinther é assistir algo sem pensar pensando, sem dançar dançando, nesse caso, a obra detona qualquer possibilidade de dançar primeiro e pensar depois, pois ali pensamos sobre o que se trata essa peça, enquanto dançamos juntos e torcemos o bico.

Perguntas em Série

Por quê não encaramos um texto como o amassar dos dançarinos Por quê escrever não pode ser um modo de pensar coreograficamente Perguntar pode ser um exercício de estilo capaz de produzir um estímulo no corpo de quem escreve parecido com o amassar dos dançarinos Perguntar é um modo de vincular o leitor e o escritor Perguntas podem fazer com que os seus leitores suspendam sobrancelhas O leitor enquanto lê uma pergunta se pergunta O leitor pode encontrar soluções melhores para as perguntas propostas pelo texto O leitor é autônomo suficiente para re-inventar e julgar as perguntas propostas no texto Perguntas implicam respostas Perguntas implicam incertezas Como avançar para além das inoportunas negações e afirmações Como ir além do isso é dança ou isso não é dança Quem tem o poder de dizer isso é ou não é dança Por quê continuamos a aceitar que a cobertura da imprensa cultural paulistana esteja reduzida a um ou dois grandes jornais enquanto a dança se expande A dança se expande mesmo Para qual lado De que lado você dança É possível falar de mercado da dança contemporânea Qual é o seu preço Nesse mundo tudo tem um preço Vamos falar de dinheiro Por quê dinheiro público é sinônimo de grátis para o espectador em São Paulo Por quê seria diferente Dinheiro público significa dinheiro de imposto pago por cidadãos cobrar ingressos seria uma maneira de cobrar duas vezes pela mesma coisa Por quê deixar com que grandes empresas decidam o que deve ou não se fazer em arte Quem arca com os custos de uma bilheteria free Quem subsidia o rombo no orçamento causado pela meia entrada nas casas de espetáculos Como aquele poema de Leminski Por que essa cara feia (se) na vida ninguém paga meia?

Empatia

A dúvida pode incomodar. O outro que questiona é sempre estranho, estrangeiro, que vem-de-fora. Um outro que questiona tudo é inoportuno, maçante e aborrecedor. Suas perguntas se tornam ladainhas monocórdias. Deixemo-nos ele de lado. Não me parece estimulante escutar alguém que está toda hora duvidando. Esse sujeito estranho que está-de-fora, muitas vezes, incomodando aqui-dentro. A ficcionalidade dos artistas afetam seus espectadores. Se eles amassam, eu amasso, conjuntamente. O amassar pode incomodar e molestar alguns. Durante 1h o que assistimos em Kneeding é um amassar/dobrar do corpo, cada milímetro. Intensidades variam, mas o amassar permanece. Dinâmicas se alternam, mas o amassar permanece. Eles estão amassando meu tempo. O desejo de permanecer observando até o final é uma escolha pessoal.

Kneeding

O título desta peça de dança junta e dobra mais de uma palavra, criando a junção de knee (joelho), to need (precisar), needing (necessidade/entrelaçamento) e kneading (amassando/massageando). Só percebemos o quanto precisamos de um joelho quando perdemos a capacidade de dobrá-lo. Podemos supor que a ideia de massagear/amassar, proposto por essa dança, surge tanto de uma necessidade do corpo, que se movimenta para viver, mas também de uma necessidade de se unir/articular com o outro. Um desejo de criar desdobramentos para se comunicar e viver, articulando-se em coletivo. O corpo flexiona articulações por necessidade de mover-se, mas também flexibiliza suas relações sociais criando vínculos com outros corpos. A flexibilidade é uma estratégia evolutiva. Uma habilidade básica do corpo de criar vínculos enquanto desdobramentos para colaborações e trocas.

A empatia é um modo de corpos se vincularem àquilo que lhes interessam, que saltam aos olhos. Ela acontece no trânsito entre dentro e fora do corpo. Esse processo acontece menos por conta da simpatia dos “atores” ou “dançarinos” e mais por um esforço do espectador em se engajar com a coisa observada, para perceber sua composição e detalhes. A percepção é “algo que nós fazemos” (Alva Noë), não da ordem da passividade, do inexplicável ou do divino. Empatia é ação do observador. Pode parecer uma afirmação simples, mas isso muda muita coisa.

Diga-me que dance.

Dancei.

Bruno Freire é artista que vive e trabalha na cidade São Paulo. Está interessado em pesquisa teórica e coreográfica. Atua como intérprete desde 2004.