A arte de fazer acontecer

A vontade de escrever um texto que pudesse contribuir com meus alunos na hora de fazer um projeto vinha me rondando há um certo tempo, dados os resultados abaixo do esperado em sala de aula. Quando terminou a minha participação na seleção de propostas do edital 2006 da Caravana Funarte Petrobrás de Circulação Nacional da Dança, decidi levar a disposição adiante, por motivos parecidos. Justificativas frágeis ou desconectadas, desordem, falta de clareza e propostas pouco pensadas estão entre os problemas mais comuns. De um modo geral, a escrita de um projeto não envolve muitos mistérios mas requer, basicamente, muita objetividade e organização, além da argumentação e encadeamento de idéias. Porém, na prática, nem sempre os esforços dedicados à árdua tarefa alcançam expectativas mínimas.

Projetos têm propósitos diversos e funcionam como ferramentas de transporte entre uma quimera e sua execução. No dicionário Houaiss, projeto significa idéia, desejo, intenção de fazer ou realizar algo no futuro. Etimologicamente, a palavra vem do latim projectus e significa ação de lançar para a frente. Projetar, portanto, exige antecipação, planejamento e implica em se estender no tempo. Projeto tem começo, meio e fim, objetivos a serem conquistados, coordenador (ou equivalente) responsável, previsão de resultados e recursos (físicos, materiais, humanos e/ou financeiros) alocados à sua consecução. É a concretização de idéia(s) de maneira planejada, com o intento de efetuar uma inovação ou uma alteração em um ambiente.

Quer dizer também o esboço de um texto, um esquema ou a descrição escrita e detalhada de um empreendimento, como um projeto de pesquisa, um projeto gráfico ou um projeto de governo. Pode ser ainda um plano para a construção de qualquer obra, com plantas, cálculos, orçamentos etc. Os esboços de helicópteros, submarinos, pára-quedas, teares, máquinas voadoras, pontes etc do genial artista-cientista italiano Leonardo da Vinci são exemplos interessantíssimos.

Embora possamos pensar em aspectos indispensáveis para integrar qualquer projeto, cada edital fornece o roteiro de informações que julga necessário. Sem a pretensão de esgotar um assunto com tantas variações em tão poucas linhas, busquei comentar os componentes habituais na direção de colaborar com aqueles que têm diante de si o trabalho de alinhavar uma proposta.

Cartão de apresentação

A introdução de um projeto, qualquer que seja a sua meta ou assunto, precisa dar conta de dizer ao leitor do que se trata o seu conteúdo, contextualizando-o e provendo dados que possam facilitar o entendimento de sua importância e sua razão de ser. Por isso, é crucial e serve mais ou menos como um cartão de apresentação.

Especificidades à parte, apresente sua idéia, como pretende realizá-la, com que objetivo, quando, onde, com quem, em quanto tempo e com quais recursos. Quatro ou cinco parágrafos são suficientes para introduzir sua instituição/grupo/artista/pesquisa, descrever o projeto e registrar o seu valor.

Se fosse um projeto de pesquisa acadêmico, o estudante deveria explicar os fatos que o levaram a criar uma hipótese de trabalho. Algo, aliás, que exige dele conhecimento sobre o tema que aborda. Um procedimento que costuma ser eficiente é deixar a introdução para ser feita ao final, no momento em que o projeto estiver pronto e você conseguir olhar o todo e chegar numa síntese.
Justiça seja feita

Junto com a introdução, um dos itens mais problemáticos e precários na grande maioria dos projetos que leio é a tal da justificativa. O papel dela é tratar com justiça o seu objeto. Quer dizer, deve demonstrar que o projeto é justo e necessário (se o for). Do ponto de vista de um avaliador, uma boa justificativa é aquela que mostra o quanto a proposta (ou objeto de estudo) tem pertinência, tem ‘cabimento’. Para tanto, dê fundamentos. Explique. Forneça argumentos a favor e encontre causas válidas para legitimar a importância de sua idéia.

Como exercício, encontrar respostas para as perguntas que seguem, pode ser uma boa estratégia: Por que seu projeto merece ser premiado? Que lacunas preenche? Quais benefícios promove? Que demanda pretende atender? Por quais motivos um investidor (seja governo e/ou iniciativa privada) apostaria recursos financeiros (ou de outro tipo) nele?
Focando o alvo

Originada do latim escolástico objectívus, objetivo significa ação de colocar adiante. Em outras palavras, um propósito ou aquilo que se deseja alcançar por meio de um procedimento. Objetivos se dividem em gerais ou específicos e a pergunta-chave aqui é: o que se pretende (ou pretendo) atingir com esse projeto?

Um objetivo geral pode ser, por exemplo, publicar um livro, circular um espetáculo, consolidar uma rede de contatos entre pesquisadores e artistas, mostrar a importância do cultivo de camarões para evitar a pesca predatória numa dada comunidade, criar uma obra coreográfica, desenvolver uma residência artística e assim por diante.

Já o objetivo específico diz respeito a uma particularidade complementar ao geral tipo: realizar pesquisa iconográfica em arquivos públicos e pessoais, contribuir com o aumento de público para espetáculos de dança, coordenar um grupo de discussão virtual, ensinar a técnica do cultivo de camarões para pescadores e seus filhos, investigar a sintaxe de movimentos através da improvisação, capacitar jovens profissionais e por aí vai.

Como assim?

Para colocar em prática um projeto é preciso pensar COMO o ditocujo será desdobrado no decorrer dos acontecimentos. A parte da metodologia (ciência que estuda os métodos) e ‘materiais e métodos’ (como aparece freqüentemente em projetos científicos) é responsável por mostrar que o proponente tem plenas condições de executar o que submete e que sua estimativa está coerente com o tempo determinado e com os recursos disponíveis. Somado, o cronograma organiza visualmente essas atividades, normalmente usando tabelas.

A palavra método tem origem grega, descende de méthodos, onde metá significa atrás, em seguida, através e hodós quer dizer caminho. Nessa etapa, então, cabe imaginar as atividades que envolvem o acontecer da proposta. Quais caminhos e que atitudes traçar para implementá-la? Quanto tempo é necessário para cada atividade?

Alguns financiadores, dependendo do tipo de projeto, além de documentos, podem solicitar itens como plano de mídia (comunicação e visibilidade associadas à marca do patrocinador), público-alvo (previsão do alcance do ‘produto’ em números, faixa etária, cidades/regiões), referências bibliográficas (e/ou outras, como videográfica, cibergráfica etc), orçamento (tabelas com todas as necessidades do projeto, com suas quantidades, valores, impostos etc), entre outros.

Sobrevivendo a editais

Edital é uma espécie capaz de provocar a felicidade em alguns poucos e a frustração em muitos tantos. Eu mesma já fui vítima várias vezes. Com isso, aprendi que são muitos participantes para uma verba insuficiente e que se trata, portanto, de uma concorrência, de uma competição. Para dar uma noção, no edital da Funarte acima citado, 193 propostas de todo o Brasil concorreram para ganhar 30 prêmios em dinheiro, ou seja, 15,54% do total.

Para o Rumos Dança 2005/2006, bolsa de estímulo à criação e produção da dança contemporânea brasileira, a porcentagem de agraciados foi proporcionalmente menor. De 514 inscritos, 53 foram pré-selecionados (10,31%) e 25 premiados (4,86%). Diante da atual demanda, a carência de oferta compatível acirra ainda mais a disputa, na medida em que o número de concorrentes aumenta e se concentra.

Outro aspecto a considerar é a formação das equipes julgadoras, que nem sempre são compostas de especialistas nas áreas e nem sempre também encontram um bom nível de entrosamento, o que reverte muitas vezes em resultados desbalanceados. Vale citar como exemplo o Programa Petrobrás Cultural para Memória das Artes que, lamentavelmente, não inclui nenhum profissional de dança em suas equipes de seleção.

Assim sendo, como você não está lá para se defender, precisa caprichar no que vai enviar. Não mande seu projeto em folhas soltas, sem uma ordenação mínima, como dezenas que recebi. Comece a trabalhar com antecedência e quanto mais claro e organizado estiver, mais chance seu sonho terá de estar entre os finalistas.

Mãos à obra e boa sorte!
*Caros leitores, ao longo de 2007 publicarei textos sobre jovens criadores de qualquer parte do mundo. Se você tem até 30 anos, já desenvolveu pelo menos 2 projetos em dança contemporânea, videodança (ou arte contemporânea com foco no corpo) e gostaria de ver seu trabalho comentado aqui, envie um email para mairasp@uol.com.br com a palavra “novos criadores” no campo assunto. Participe!