A composição coreográfica: estratégias de fabulação | La composición coreográfica: estrategias de fabulación

Texto originalmente escrito para a Red Sudamericana de Danza e publicado em www.movimiento.org.

Para materializar-se como espetáculo, a dança precisa se apoiar em princípios de composição. Processo unificador que procura ressaltar todas as partes da obra coreográfica. O percurso coreográfico deve legitimar todas estas partes a partir de um sistema de relações significativas, diga-se, comunicadora de sentidos. Entretanto, a uniformidade deste sentido está longe de constituir uma regra de composição, como já sabemos diante de tantas maneiras distintas de imaginar uma cena coreográfica.

Uma teoria da composição coreográfica é possível apenas sob a condição de que os princípios do sistema sejam descritivos e não normativos, e que também sejam suficientemente gerais e específicos para dar conta de todas as dramaturgias imagináveis. Por muito tempo, a dança se apoiou na metodología da composição musical ou pictórica e, se bem é certo que estas metodologias são possíveis e operantes, já é tempo de se legitimar uma metodología que nasça da própria autonomia da dança.

Se as questões de composição foram inspiradas nas noções vindas da pintura e da arquitetura: distribuição de massas, superfícies e cores; então, na coreografia, a massa, a posição e a ordenação são correspondentes a distribuição dos fatos representados e a organização sequencial das ações. Os fenômenos de delimitação da fábula, de clausura ou abertura da representação, de mudanças de perspectivas e de focalização, encontrarão lugar num estúdio de dança.

Na coreografia contemporânea, a estrutura da obra está fundamentada em sua dinâmica, isto é, no sentido da circulação de energias, aquelas que os dançarinos canalizam, orquestradas pela coreografia. Desta maneira, a dança, como toda obra de arte, é, ao mesmo tempo, projeto e produto. O coreógrafo, maestro da composição, o fabulador, buscará os ritmos concordantes entre os dançarinos, e conjugará os espaços, o conhecimento das formas e o emprego da técnica.

Um dispositivo energético transformado em dispositivo formal que abre as posibilidades de uma ação, de uma narração: a estrutura da composição não é outra coisa que não uma combinação de ritmos e movimentos num tempo e num espaço acordados e precisos.

Ao contrário do ballet acadêmico mais ortodoxo e de muitas danças folclóricas fechadas a “subversão”, onde os passos e suas combinações obedecem a uma regra pré-fabricada, a coreografia contemporânea parece experimentar em cada obra um novo modelo de criação, uma nova aventura por uma viagem inédita. Cada espetáculo é a ocasião para se fazer perguntas profundas: Que obra fazer? Com quem? Como construí-la?

Por consequência, a composição é o momento de criação onde o coreógrafo também deixará surgir a evidência, a necessidade interior, o espaço, o equilibrio que o criador encontrou em si mesmo. Pode ser que trabalhe a partir da intuição, ou com a articulação de diferentes forças que se entrecruzam e se interpenetram, fora das zonas narrativas, do sentido comum e da dicotomía forma-conteúdo, investigando em cima da sequência “justa” e do ato “puro”.

Ao falar de possíveis estratégias, quero fazer referência a atitude e forma de proceder do coreógrafo ante a matéria de trabalho ou ante a proposta cênica a se realizar e, em última instância, ante a ação simbólica a se exercer sobre o espectador. Neste sentido, distinguem-se várias estratégias: a do autor, a do texto, a da mise-en-scène e a da recepção. Não nos esqueçamos que no transcorrer do processo comunicacional, ou seja, no trajeto que vai desde o emissor ao receptor, está o propósito ulterior (em geral explícito) da representação de influir na consciência do leitor-espectador, e de preservar essa influência inclusive quando tudo pareça ter terminado.

O mise-en-scène terá que inserir o espectador num diálogo que fale das táticas e estratégias propostas pelo fabulador, obrigando-o a descobrir progressivamente as regras do corpo em jogo.
A Sequência

Na enunciação da frase coreográfica, a construção não repercute de maneira concreta, como nos atos das peças teatrais ou nas “partes” das novelas, e sim através das sequências, termo que os coreógrafos contemporâneos adoram. Expressão empregada em diferentes campos. Quando estas sequências têm um referencial temático determinado, a composição da coreografia se organiza em “quadros”, sendo mais comum, cada um ter seu título. Assim, Mujeres, primeiro espetáculo de Isabel Bustos com a então companhia debutante Danza Retazos, era uma proposta composta por treze partes, vinhetas, fragmentos, peças independentes entre si e caracterizadas cada uma por seu título (Oración”, “Encuentro I”, “Camino”, “Agua”, “Impulso”, etc). Aqui, a construção da coreografia é categórica, passa por uma determinação lingüística, seqüencial, que evoca um desenvolvimento narrativo. Não obstante, parece que na maioría dos casos, a sequência coreográfica tem pontos em comum com a sequência cinematográfica, que desenha uma ilação de planos constitutivos de um todo.

Ao final, a sequência coreográfica parece ser a articulação do espaço e do tempo invertido por cada dançarino, a partir de uma trama, de um libreto ou de um roteiro. “O que é a dramaturgia, o que é o roteiro?”, perguntam alguns. Cada um tem uma definição que atende a suas próprias referências. Segundo François Verret:

“o que eu trato de determinar, é uma evolução dramática precisa entre diferentes personagens que atravessam situações precisas, e cada situação define a intenção de cada personagem, possuindo eles sua própria dinâmica, que se determina realmente durante o processo de investigação e montagem coreográfica. Mas não escrevo nada com antecedência, nem o roteiro. Por ele, a “evolução dramática” é somente uma forma possível dentro de outras. A trama do espetáculo que estou preparando, por exemplo, é composta de uma cadeia de sequências que não constituem necessariamente uma história linear, já que umas não resultam das outras. Cada sequência existe individualmente, tem começo e fim próprios, mas é certo que uma idéia, um clímax, um superobjetivo as une.” [1]

Para o coreógrafo francês, o termo “roteiro” parece ser equivalente ao de “evolução dramática”, “cadeia de sequências”, no sentido do conjunto de “situações” precisas. Cada situação define as intenções do personagem, ou seja, dos dançarinos, aqueles que lidam com suas possibilidades dinâmicas, com sua própria autonomia, mas sempre a partir de um corpo em jogo, crível, pronto.

São muitos os termos onde se interpenetram os universos do teatro e do cinema. São muitos os coreógrafos em todo o mundo que trabalham o contato entre a dança e o teatro: Pina Bausch, Jean-Claude Gallota, Marianela Boán, etc., mas o interesante é ver o que há de comum entre a dança e o teatro nas suas investigações e criações, antes que se definam como gente de teatro ou de dança.

Dentro dos elementos significantes da estrutura coreográfica, encontramos outra palavra técnica: “clímax”. Também aparece no léxico cinematográfico, precisamente no cinema alemão. O que designaria seu emprego na composição coreográfica contemporânea? O “clímax”, a natureza do que se desenvolve, do que se vê e se entende, está ligado visceralmente a estas presenças precisas (os dançarinos) que constituem a obra. Implicação visceral dos corpos em jogo que precipita a evolução das sequências e levará a coreografia para tal ou qual densidade particular.

O clímax, o roteiro, as sequências sobre as quais repousa a composição de uma obra coreográfica, nascem da riqueza humana dos intérpretes, da relação coreógrafo-dançarino, do processo de investigação, da acaso, da simultaneidade e do estudo.

É importante revelar que a composição da coreografia não deve ser jamais preestabelecida; é mais prudente partir de uma espécie de protofábula que promova o desenvolvimento da ordem das coisas, de um roteiro que se desenrole, que se reescreva através da relação inter.-individual que acontece em um corpo dançante. O diretor francês Jean-Claude Gallota expressa bem este último ponto:

“No aïkido, cada um se serve da energia do outro. Na dança, precisamos de mais tempo para chegar a este ponto, para que as diversas proposições sejam recebidas pela outra parte. Não acontece até que busquemos um elo condutor, e somente quando o dançarino vê, o princípio e o fim se materializam”. [2]

A composição, o princípio e o fim da coreografia são resultados de um trabalho coletivo, de um intercâmbio de energias, todas em função de uma flexibilidade, de uma abertura para convergência, reflexo da dilatação do corpo e da mente criativa. Nos processos de pesquisa e composição, os coreógrafos têm a função de instigar os dançarinos, convidá-los ao jogo, orquestrando as energias.

Durante a improvisação e busca de materias novos para possível obra, Marianela Boán interessa-se pela conjunção de práticas diferentes, onde cada um dos intérpretes investigue separadamente a construção de seu padrão expressivo, concebendo um código e escolhendo dele suas direções, suas próprias invenções, seus próprios meios físicos para entrar no jogo de uma corporalidade dançante. Respeitando o coreógrafo a autonomia do dançarino, o valor de sua personalidade singular é legitimado.

Sem dúvidas, o trabalho de composição é o verdadeiro lugar de jogo do corpo que dança; jogo de sociedade, jogo estratégico, jogo de azar cujas regras são determinadas pela própria vida e pela expressividade do ser.
Noções de fabulação

O coreógrafo cisma, procura encontrar o jogo ideal para o corpo, explora ao máximo suas possibilidades, joga a partir da contradição, da cumplicidade, da obstrução, da expansão, da fuga, da permanência, etcétera e, progressivamente, vai selecionando, escolhendo as pistas que mais lhes dão.

A partir deste momento, ele apagará, conservará, dará outras pautas de trabalho, mas sempre a partir da relação inter-individual que existe. Este trabalho igualmente se inscreve dentro da perdurabilidade e, antes do florescimento e da maturidade, germinará uma energia que se lançará às outras, no sentido de uma livre e fértil circulação destas energias.

Karine Saporta resume o caminho que representa a elaboração de uma coreografia, da explicação do material de trabalho aos primeiros passos corporais, da construção final, passando pela revelação de um tema profundo:

“Um dos problemas mais difíceis que encontro é algo que está relacionado ao pudor. É dizer, tenho temas que são muito fortes, essenciais para mim, e uma das maiores dificuldades é a hora de expor aos dançarinos essa matéria sobre a qual quero trabalhar. Começam eles a busca mas, apreciar quem não vai sair derrotado, desanimado, e a quem devo dizer algo, não somente no plano dos movimentos, mas também sobre o plano temático, é complexo. No começo é maravilhoso, porque o bailarino não sabe ao que se apegar, ele não sabe o que se passa, pois é surpreendido. Sua reação inicial é de se desconectar com as outras realidades.” [3]

Segundo a teoria de Gilles Deleuze, “não sou eu, é o próximo como estrutura quem tem a possível percepção” (Lógica do Sentido), “próximo como centro de evolução, de desenvolvimento, de implicação”, (Diferença e Repetição). O comportamento da dança evocado por Karine Saporta, na relação coreógrafo-dançarino, é analisável nestes termos.

Esse encontro com os dançarinos é o lugar de produção de material, de um trabalho escondido de fabricação. A coreógrafa explica que os encontros são muito ricos, inclusive quando se deparam com “maus” materiais. Como parte da pauta, no ínicio do ensaio, ela propõe uma série de movimentos e logo pede aos dançarinos que anotem num caderno. É como um ritual, o caderno deve estar bem cuidado e sem risco de se perder.

Do rito que acontece na sala de ensaio, atelier ou estúdio, vai nascendo a obra, sobre o conjunto de energias. O último problema, para Saporta: a notação coreográfica. Assim como para muitos coreógrafos contemporâneos, é difícil apoiar-se em alguns sistemas conhecidos. Cada coreógrafo possui uma maneira própria de anotar suas obras: na memória, em cadernos, em esquemas, em cartões; para isso, servem-se de sistemas de escritura (Labanotação, Benesch, etc.), ou hieroglífos diversos.

Assim mesmo, a intermedialidade é um dos meios (talvez o mais teorizado e praticado ultimamente) de se anotar e analisar um espetáculo. Refere-se a participação da tecnología na captura e registro do material, improvisações, pesquisa de trabalho dos bailarinos durante (inclusive já concluido) o processo de montagem coreográfica.

É oportuno assinalar que não faltam instrumentos de investigação, “mas nenhum é universal, e nada se faz automaticamente, sejam quais forem os instrumentos utilizados: portanto, evitaremos cair na ilusão tecnológica que nos faria acreditar que a máquina acabaria por anotar e explicar tudo”. [4]

A abertura durante o processo criativo é fonte de estados de tensão entre coreógrafo e bailarino. Para o primeiro, o trabalho de composição é o mais difícil, o mais árduo. Para os bailarinos é terrível, sobretudo quando têm que selecionar o material, pois, com frequência, sentem-se apegados a certas sequências que nem sempre seduzem o coreógrafo. Às vezes, as sequências são interessantes, fortes, expressivas, mas durante a composição e montagem da obra, há que haver uma sábia desconfiança para se escolher o material efetivo. O trabalho de seleção começa então sobre a memória e os ensaios.

Refere-se ao coreógrafo estruturar o processo, eliminar o superfluo do material para se chegar a uma espécie de pureza, de nitidez, da presença que seu espetáculo requer, a fim de que a coreografia se torne um fato criativo e crível para o leitor-espectador.

Credibilidade assegurada pelo comportamento da corporalidade que dança. É visível quando o bailarino deixa transparecer a impulsão ao estado “brutal”, original, arquétipico e, as flutuações do circuito energético (corpo em jogo, crível, dilatado) se despregam e orquestram organicamente seu ritmo, sua expansão, sua contração, etc.

Se estamos de acordo que para materializar-se enquanto espetáculo a dança precisa se apoiar em princípios de composição, igualmente devemos prestar atenção ao papel determinante que, na história da práxis teatral e da dança contemporânea, vêm ganhando as noções de imagen, ritmo ou texto. Volto a essas noções em outras análises pois, sem discussão, a composição coreográfica se explica, se desenha como um jogo dialético, dinâmico, progressivo; como uma circulação pulsional que escapa e se sobrepõe às palavras, incluindo o próprio corpo que dança, uma vez que precisa desta realidade que avança sem cessar, abrindo-se às convergências, às circunstâncias que condicionam a vida, o pensamento, o comportamento, as visões, por maiores que elas sejam. De nada vale um corpo pronto se não há uma vontade consciente de fazê-lo evoluir e dialogar com o espaço e suas significações, em meio a uma estrutura espetacular organizada graças ao manejo preciso das estratégias de fabulação, onde, a imagem, o ritmo ou o texto também participam.
Notas:

[1] Entrevista realizada pelo autor ao coreógrafo François Verret, a respeito da estréia do espetáculo Chantier Musil, em novembro de 2003, no Théâtre de la Ville, Paris, França.

[2] Jean Claude Gallota acerca das fontes de sua criação, em La signature de la danse contemporaine, Sylvie Crémézi. Ed. Chiron, París, 1997, p.80-81.

[3] Anotações realizadas pelo autor a partir de oficina e entrevista a Karine Saporta, Centro Nacional Coreográfico de Caen Baja-Normandia, França, novembro de 2002.

[4] Patrice Pavis, El análisis de los espectáculos. PAIDOS, 2000. p. 63.

Texto originalmente escrito para a Red Sudamericana de Danza e publicado em www.movimiento.org.

Para materializarse espectacularmente la danza necesita apoyarse en principios de composición. Proceso unificador que apunta a ensalzar todas las partes de la obra coreográfica. Sólo que, el entramado coreográfico, debe legitimar todas estas partes a partir de un sistema de relaciones significativas, dígase, comunicadora de sentidos. No obstante, la uniformidad de este sentido está lejos de constituir una regla de composición, ya lo sabemos ante tantas maneras distintas de imaginar una escena coreográfica.

Una teoría de la composición coreográfica es posible a condición de que los principios del sistema sean descriptivos y no normativos, y de que sean lo suficientemente generales y específicos para dar cuenta de todas las dramaturgias imaginables. La danza se ha apoyado por mucho tiempo en la metodología de la composición musical o pictórica y, si bien es cierto que estas metodologías son permisibles y operantes, es tiempo de “certificar” una metodología que nazca de la propia autonomía de la danza.
Si las cuestiones de composición se han inspirado en las nociones venidas de la pintura y de la arquitectura: distribución de masas, superficies y colores; entonces la masa, la posición y ordenación corresponderá en la coreografía a la distribución de los hechos representados y a la organización secuencial de las acciones. Los fenómenos de delimitación de la fábula, de clausura o apertura de la representación, de cambios de perspectiva y de focalización, encontrarán su lugar en el estudio de la composición.
En la coreografía contemporánea, la estructura de la obra está fundamenta en su dinámica, en el sentido de circulación de energías, aquellas que los danzantes canalizan, orquestadas por la coreografía. La danza, de esta manera, como toda obra de arte es a la vez proyecto y fabricación. El maestro de composición, el coreógrafo, el fabulador, buscará los ritmos concordantes entre los danzantes, conjugará los espacios, el conocimiento de las formas y el empleo de la técnica.

Un dispositivo energético transformado en dispositivo formal que abre las posibilidades de una acción, de una narración: la estructura composicional no es otra cosa que una combinación de ritmos y de movimientos en un tiempo y en un espacio acordado y preciso.

Contrario al ballet académico más ortodoxo y a muchas danzas folclóricas cerradas a la “subversión”, donde los pasos y sus combinaciones obedecen a una regla prefabricada, la coreografía contemporánea parece experimentar en cada obra un nuevo modelo de creación, una nueva aventura por un viaje inédito. Cada espectáculo es la ocasión para hacerse preguntas de fondo: ¿qué obra hacer?, ¿con quién?, ¿cómo construirla?

La composición, por consiguiente, es un momento de la creación donde el coreógrafo también dejará surgir la evidencia, la necesidad interior, un espacio, un equilibrio que el creador encontró en sí mismo. Puede ser que trabaje a partir de la intuición o con la articulación de diferentes fuerzas que se entrecruzan y se interpenetran, fuera de las zonas narrativas, del sentido común y de la dicotomía forma-contenido, investigando con la secuencia “justa” y el acto “puro”.

Al hablar de posibles estrategias, quiero referirme a la actitud y forma de proceder del coreógrafo ante la materia a tratar o ante la puesta en escena a realizar y, en última instancia, ante la acción simbólica a ejercer sobre el espectador. En este sentido se distinguen varias estrategias: la del autor, la del texto, la de la puesta en escena y la de recepción. No olvidemos que en el transcurso del proceso comunicacional, o sea, en el trayecto que va desde el emisor al receptor, está el propósito ulterior (por lo general explícito) de la representación de influir en la conciencia del lector-espectador y de preservar esa influencia incluso cuando todo parezca haber terminado.
La puesta en escena coreográfica, tendrá que implicar al espectador en un diálogo que hablará de las tácticas y las estrategias seguidas por el fabulador, obligándolo a descubrir progresivamente las reglas del cuerpo en juego.

La secuencia

En la enunciación de la frase coreográfica, la construcción no repercute de manera concreta, como en los “actos” de las piezas teatrales o en las “partes” de las novelas, sino a través de las “secuencias”, término que adoran los coreógrafos contemporáneos. Expresión empleada en diferentes campos. Cuando estas secuencias tienen un referente temático determinado, la composición de la coreografía se organiza en “cuadros” y cada uno, es lo más común, con su título. Así, Mujeres, aquel primer espectáculo de Isabel Bustos con la entonces debutante compañía Danza Retazos, era una propuesta compuesta por trece estampas, viñetas, fragmentos, retazos independientes entre sí y caracterizados cada uno por su título (“Oración”, “Encuentro I”, “Camino”, “Agua”, “Impulso”, etcétera. La construcción de la coreografía, aquí, es categórica, pasa por una determinación lingüística, secuencial que evocan un desarrollo narrativo. Sin embargo, parece que en la mayoría de los casos, la secuencia coreográfica tiene puntos comunes con la secuencia cinematográfica que diseña una ilación de planos constituyentes de un todo.

La secuencia coreográfica parece ser, al final, la articulación del espacio y del tiempo invertido por cada danzante, a partir de una trama, de un libreto o guión. “¿Qué es la dramaturgia, qué es el guión?”, preguntan algunos. Cada uno tiene una definición atendiendo a sus propias referencias. Según François Verret:

“lo que yo trato de determinar, es una evolución dramática precisa entre diferentes personajes que atraviesan situaciones precisas, y cada situación define la intención de cada personaje, portan ellos su propia dinámica que se determina realmente durante el proceso de investigación y montaje coreográfico. Pero no escribo nada con anterioridad, incluso, ni el guión. Por ello, la “evolución dramática” es solo una forma posible dentro de otras. La “trama” del espectáculo que preparo, por ejemplo, se compone de una cadena de secuencias que no constituyen necesariamente una “historia” lineal, pues entre ellas unas no resultan de las otras. Cada secuencia existe individualmente, tienen comienzo y fin propios, pero es cierto que los une una idea, un clímax, un superobjetivo” [1].

Para el coreógrafo francés, el término de “guión” parece ser equivalente al de “evolución dramática”, “cadena de secuencia”, en el sentido de conjunto de “situaciones” precisas, cada situación define las intenciones del “personaje”, o sea de los danzantes, quienes operan bajo sus posibilidades dinámicas, bajo su propia autonomía, pero siempre a partir de un cuerpo en juego, creíble, listo.

Son muchos los términos donde se interpenetran los universos del teatro y del cine. Son muchos los coreógrafos en todo el mundo que trabajan el contacto entre la danza y el teatro: Pina Bausch, Jean-Claude Gallota, Marianela Boán, etc., pero lo interesante es ver qué hay en sus investigaciones, en sus creaciones de común entre la danza y el teatro, antes de que se definan como gente de teatro o de danza.
Dentro de los elementos significantes en la estructura coreográfica, nos encontramos con otra palabra técnica: “clímax”. También aparece en el léxico cinematográfico, precisamente en el cine alemán. ¿Qué designaría su empleo en la composición coreográfica contemporánea? El “clímax”, la naturaleza de lo que se desarrolla, de lo que se ve y se entiende, está ligado viseralmente a esas presencias precisas (los danzantes) que constituyen la obra. Implicación viseral de los cuerpos en juego que precipita la evolución de las secuencias y llevará a la coreografía hacia tal o más cual densidad particular.

El “clímax”, el “guión”, las “secuencias” sobre las cuales reposa la composición de una obra coreográfica, nacen de la riqueza humana de los intérpretes, de la relación coreógrafo-danzante, del proceso de investigación, del azar, de la concurrencia y del estudio.

Es importante revelar que la composición de la coreografía “no debería” estar “jamás” preestablecida; prudente es partir de una suerte de protofábula que promueva el desarrollo del orden de las cosas, de un “guión” que se despliegue, que se rescriba a través de esa relación inter-individual que se juega en el cuerpo danzante. El maestro francés Jean-Claude Gallota expresa bien este último punto:

“En el aïkido, cada uno se sirve de la energía del otro. Necesitamos más tiempo para llegar a ese punto en la danza, para que las diversas proposiciones sean recibidas de la otra parte. No es hasta que buscamos un hilo conductor, y solamente cuando el bailarín ve, el principio y el fin se materializan”. [2]

La composición, el principio y el fin de la coreografía son resultados de una labor colectiva, de un intercambio de energías, todas en función de una flexibilidad, de una apertura hacia las convergencias, reflejo de la dilatación del cuerpo y la mente creativos. En los procesos de investigación y composición, los coreógrafos frente a los danzantes tienen la función de insuflar, convidar el juego, de orquestar las energías.
A Marianela Boán le interesa durante la improvisación y la búsqueda de materiales para la posible obra, la conjunción de prácticas diferentes donde cada uno de los intérpretes investiga por separado la construcción de su modelo expresivo ideando un código y escogiendo de él sus direcciones, sus propias invenciones, sus propios medios físicos para entrar en escena desde el juego de una corporalidad danzante. Respetando el coreógrafo la autonomía de su danzante, legitima el valor de su personalidad singular.
Sin dudas, el trabajo de composición es la verdadera puesta en juego del cuerpo danzante, juego de sociedad, juego estratégico, juego de azar cuyas reglas son determinadas por la vida misma y la expresividad del ser.

Nociones de fabulación

El coreógrafo, el maestro se devana los sesos, procura encontrar el juego ideal para el cuerpo, va explorar el máximo de sus posibilidades, jugar a partir de la contradicción, la complicidad, la obstrucción, la amplificación, la fuga, la permanencia, etcétera, y progresivamente va a seleccionar, escoger las pistas que más le dirán. A partir de ese momento, él borrará, conservará, dará otras pautas de trabajo, pero siempre a partir de la relación inter-individual que existe. Este trabajo se inscribe igualmente dentro de la perdurabilidad, antes del florecimiento y la madurez, germinará una energía que se injertará a otras, en el sentido de una libre y fértil circulación de esas energías.
Karine Saporta resume el recorrido que representa le elaboración de una coreografía, de la explicación del material a los primeros pasos corporales, de la construcción final, pasando por la revelación de un tema profundo:

“Uno de los problemas más difíciles que encuentro es algo que está relacionado al pudor. Es decir, tengo temas que son muy fuertes, esenciales para mí, y una de las mayores dificultades es a la hora de exponerles a los danzantes esa materia sobre la que quiero trabajar. Comienzan ellos la búsqueda, pero apreciar quien no va a ser derrotado, desanimado, a quién le va a decir algo, no sólo sobre el plano de movimientos sino sobre el plano temático, es complejo. Al comienzo es maravilloso, porque el bailarín no sabe a qué atenerse, él no sabe lo qué pasa, pues está sorprendido. Su reacción inicial es de desconectarse con las otras realidades. “ [3]

Según la teoría de Gilles Deleuze, “no soy yo, es el prójimo como estructura quien tiene la posible percepción” (Lógica de los sentidos), “prójimo como centro de evolución, de desarrollo, de implicación”, (Diferencia y repetición). El comportamiento de la danza evocado por Karine Saporta, en la relación coreógrafo-danzante, es analizable en estos términos.

Ese encuentro con los danzantes es el lugar de una producción de materiales, de un trabajo soterrado de fabricación. La coreógrafa explica que las secciones son muy ricas, incluso con los “malos” materiales encontrados. Como parte de la pauta, al inicio de la sección, ella da una serie de movimientos, luego les pide a los danzantes que los anoten en un cuaderno. Es como un ritual, el cuaderno debe estar bien cuidado y sin riego de perderse.

De tal ceremonia en el salón de ensayo, atelier o laboratorio, va naciendo la obra, sobre el conjunto de energías. El último problema para Saporta: la notación coreográfica. Al igual que muchos coreógrafos contemporáneos, es difícil apoyarse en algunos de los sistemas conocidos. Cada coreógrafo posee una manera propia de anotar sus obras: en la memoria, en cuadernos, en esquemas, en tarjetas; para ello se sirven de sistemas de escrituras (Labanotación, Benesch, etc.), o jeroglíficos diversos.
Asimismo, la intermedialidad es uno de los medios (tal vez el más teorizado y practicado últimamente) de anotar y analizar un espectáculo. Se refiere a la participación de la tecnología en la recogida y testimonio de materiales, improvisaciones, investigaciones del trabajo de los danzantes durante (e incluso ya concluido) el proceso de montaje coreográfico. Es oportuno señalar que no faltan instrumentos de investigación, “pero ninguno de ellos es universal y nada se hace automáticamente, sean cuales fueren los instrumentos utilizados: evitaremos, por tanto, caer en la ilusión tecnologista que nos haría creer que la máquina terminará por anotarlo y explicarlo todo” [4].

La abertura durante el proceso creativo es fuente de los estados de tensión entre el coreógrafo y los danzantes. Para el primero, el trabajo de composición es lo más difícil, lo más arduo. Para los bailarines, es terrible, sobretodo cuando tienen que seleccionar el material pues, con frecuencia, se sienten atrapados por ciertas secuencias que no siempre seducen al coreógrafo. A veces, las secuencias son interesantes, fuertes, expresivas, pero durante la composición y el montaje de la obra hay que tener la sabia suspicacia para elegir el material efectivo. El trabajo de selección preciso comienza entonces sobre la memoria y los ensayos.

Le corresponde al coreógrafo estructurar el proceso, eliminar lo superfluo del material para llegar a una especie de “pureza”, de nitidez, de la presencia que requiere su espectáculo, a fin de que la coreografía se torne un hecho creativo creíble para el lector-espectador.

Credibilidad vehiculada por el comportamiento de la corporalidad danzante. Visible cuando el bailarín deja transparentar la impulsión al estado “brutal”, original, arquetípico y, las fluctuaciones del circuito energético (cuerpo en juego, creíble, dilatado) despliega y orquesta orgánicamente su ritmo, su expansión, su contracción, etc.

Si estamos de acuerdo que para materializarse espectacularmente, la danza necesita apoyarse en principios de composición, igualmente debemos prestarle atención al papel determinante que viene teniendo en la historia de la praxis teatral y danzaria contemporánea, las nociones de imagen, ritmo o texto. A ellas regresaré en otras aproximaciones pues, sin discusión, la composición coreográfica se explica, se diseña como un juego dialéctico, dinámico, progresivo; como una circulación pulsional que escapa y sobrepasa las palabras, incluso, el propio cuerpo danzante, ya que necesita de esa realidad que evoluciona sin cesar, asiéndose a las convergencias, las circunstancias que condicionan la vida misma, el pensamiento, el comportamiento, las visiones por tremendas que estas sean. De nada vale un cuerpo listo si no hay una voluntad consciente de hacerlo evolucionar y dialogar con el espacio y sus significaciones en medio de un entramado espectacular que ha sido organizado gracias al certero manejo de las estrategias de fabulación donde, la imagen, el ritmo o el texto, también participan.
Notas:

[1] Entrevista realizada por el autor al coreógrafo François Verret, a propósito del estreno del espectáculo Chantier Musil, noviembre de 2003, Théâtre de la Ville, París, Francia.

[2] Jean-Claude Gallota acerca de las fuentes de su creación, en La signature de la danse contemporaine, Sylvie Crémézi. Ed. Chiron, París, 1997, p.80-81.

[3] Anotaciones realizadas por el autor a partir de un taller y entrevista a Karine Saporta, Centro Nacional Coreográfico de Caen Baja-Normandia, Francia, noviembre de 2002.

[4] Patrice Pavis, El análisis de los espectáculos. PAIDOS, 2000. p. 63.