Projeto Dar carne à memória / Foto: Sofia Schul

A dança em Porto Alegre vai…

Durante a semana de Porto Alegre, um crítico teatral da cidade revelou um saudosismo de tempos melhores para a dança, relembrando o tempo no qual academias e as escolas realizavam grandes produções e tinham público garantido. Além disso, anunciava as grandes expectativas que o teatro local prometia, avaliando que a área teatral estava bem, mas a dança nem tanto. O parâmetro final usado para tal constatação era finalizado pela pouca participação de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul no noticiário da revista Dança. O engraçado é que as duas páginas do jornal em que a crítica foi publicada apareciam inúmeras (e bacanas!) ações de dança que se multiplicavam só naquele final de semana na cidade.

Tal ponto de vista me levou a fazer uma reflexão e lançar um olhar para os últimos 12 meses da dança em nossa cidade, para ver se também sentiria saudade do passado ou se realmente, como me parecia, as coisas não andam tão mal assim. Mesmo que possam – e mereçam – estar melhores, acredito que a dança está fazendo sua vez e os últimos meses (só para não nos estendermos pelos últimos anos) reforçam isso.

Sim, as escolas e academias não dominam mais a produção de dança. Aliás, a dança se multifacetou, pluralizou e se descentralizou em muitos sentidos. Para isso, há de se querer enxergar os quase 70 grupos que atuam hoje em Porto Alegre. Não apenas os vinculados a escolas de balé, como já foi a hegemonia de um passado não muito distante. Somam-se aí, para além de gostos pessoais, grupos folclóricos, de dança de salão, de dança do ventre, de dança de rua, de dança contemporânea, que passaram a estabelecer um outro cenário ao lado de tradicionais grupos e companhias que ainda se preservam  e lutam para manter seus trabalhos.

Ok. Grupos temos, mas isso não implica necessariamente em produção, nem em qualidade de produção. Mas então vamos avançar. Em 2010 fomos presenteados com o projeto Dar carne à memória (foto), coordenado pela professora e bailarina Mônica Dantas, que colocou em cena o repertório de trabalhos da coreógrafa Eva Schul, desde o Berro Gaúcho, da década de 70, até criações memoráveis como os solos, que incluíam Cibele Sastre, Eduardo Severino, Luciana Paludo e Tati Rosa.

Tivemos Ivan Motta revisitando Fernando Pessoa e Heloísa Bertoli visitando Florbela Espanca. Tivemos a primeira produção de Alexandre Rittman, financiada pelo Fumproarte, permitindo se arriscar como criador para além dos balés de repertório. Tivemos duas exitosas produções do Grupo Experimental de Dança: Faz de conta que, com dança contemporânea para crianças e Pulp dances, mergulhando no universo do cineasta Quentin Tarantino. Até butô inspirado em Mario Quintana tivemos. Ainda mais recentemente, tivemos a estreia de Cem metros de valsa e um grama, vencedor do Prêmio Klauss Vianna, da Funarte.

Isso pra não falar de todo um circuito que não precisa mais de teatros e casas de espetáculos para sua produção e que vem criando novos formatos e modos de mostrar sua produção e processos. E só pra não alongar, tivemos a Muovere pelas ruas e vitrines e nos finais de semana pelos night clubs. Tivemos o Edu Severino, Lu Paludo e Luciano Tavares pelos parques da capital. Tivemos um bocado de belos encontros de contato improvisação que se espalharam pela cidade.

Então o buraco estaria onde? Menor reconhecimento? Daí, vimos o Eduardo Severino, mesmo concorrendo com qualificados e renomados atores da cena local, receber o Prêmio Braskem do festival de artes cênicas POA em Cena. E mais, o Prêmio do Júri Popular também não ficou com o teatro, mas com a dança: com o espetáculo My house, de Marco Rodrigues, reafirmando a qualidade da produção da dança de rua.

Tivemos, inclusive, um marco histórico, o primeiro edital da Lei de Fomento, onde mais uma vez, a dança afirmou sua qualidade, com a Terpsí sendo a primeira companhia a ser contemplada, entre grupos de teatro e dança. Um financiamento não para produção, mas para (finalmente) manutenção de grupos e companhias. Um impulso para a continuidade do Centro Coreográfico que a Carlota Albuquerque e sua turma vêm mantendo no Museu do Trabalho.

Poderíamos pensar que a dança perdeu eventos? Sim, o Conesul Dança. Mas e o Movimento e Palavra? O dança em foco – festival internacional de videodança? O Festival Internacional Dança.com? A Mostra de Dança Verão? A Mostra de Dança de Rua de Porto Alegre? O anúncio da segunda edição do Mesa Verde? O Vem Dançar – Festival Nacional de Dança? O III Encontro Meme de Arte Experimental? Isso sem falar das gurias da Cia. de Flamenco Del Puerto, nas noites da Cidade Baixa. E ainda tem mais: o coletivo da sala 209 da Usina do Gasômetro mantendo uma intensa programação e um profícuo intercâmbio de parcerias. E os Encontros da dança, promovidos pelo Centro de Dança que vêm mobilizando importantes discussões e diálogo permanente.

Tudo isso centralizado demais? E que tal pensarmos então no belo trabalho dos oficineiros de dança dentro da Descentralização da Cultura/SMC, como Bia Diamante, Maria Albers, Aline Karpinsky, entre outros.

Faltaria então inserção da dança na escola? Falta, mas também 2010 marcou história. As primeiras contratações de professores para atuarem no currículo da rede municipal de ensino!!! Pela primeira vez passamos a ter professores graduados EM DANÇA atuando em sala de aula e ganhando um salário digno. E ainda tivemos o curso de Graduação em Dança, na UFRGS, engrenando e recebendo sua terceira turma de vestibulandos.

De lambuja, na virada de 2010 para 2011, conquistamos novamente o respeito e valorização da dança na Casa de Cultura Mario Quintana e no Ieacen-RS (Instituto Estadual de Artes Cênicas), com a atuação de Marcelo Restori, Marco Filipin e Marcos Barreto, dispostos a parcerias, escutas e iniciativas.

Sim, se precisa de mais recursos para a área, seja nas esferas municipal, estadual ou federal, as temporadas oferecidas em teatros ainda são minguadas, o espaço de divulgação limitado e, muitas vezes, formadores de opinião incapazes de perceber as mudanças e suas novas solicitações. Isso que devo ter esquecido um bocado de coisas que nessas horas de “balanço” acabam fugindo. Sim, tenho um olhar comprometido de quem está à frente do Centro Municipal de Dança da Prefeitura de Porto Alegre. E com alegria, comprometido, pois afinal, acredito que se possa fazer e continuar mudando o cenário da dança em minha cidade. O fato é que me parece que a dança em Porto Alegre vai, quem quiser e puder que acompanhe esse movimento.

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