A dança oficialmente na escola: batalhas ainda necessárias

Apesar de não ser propositalmente o tema central do III Seminário Nacional de Dança e Educação, realizado em junho, em Porto Alegre, a questão dos concursos públicos para professores de dança no currículo escolar acabou dando a tônica de muitas discussões. Talvez porque algo que já parecesse dado, ainda encontra entraves e parece exigir que mais uma vez algumas batalhas sejam travadas, tanto para informar como para garantir o que parece óbvio. O fato é que, com a inexistência de qualquer entidade ou órgão que regule ou a quem se tenha fácil acesso para esclarecimentos e devida orientação, torna-se preocupante o andamento deste processo num Brasil do tamanho do nosso.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9493/96 (LDB) tornou o ensino da arte componente curricular obrigatório e os Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs, de 1997, passaram a incluir a dança como disciplina curricular. Mas daí, até termos professores licenciados em dança, atuando na escola, tem-se um largo passo a ser dado ainda. E percebe-se isso, de maneira aguda, quando mais de dez anos depois tem-se um reduzido número de concursos públicos para professores de dança no currículo da rede de ensino, seja municipal, estadual ou privada em nosso país. Aliás, não conheço nenhum levantamento, passado todo este tempo, com tais dados. Mesmo sem eles não é difícil de se constatar a pouca efetivação da prática de contratações para a dança no currículo da rede de ensino fundamental e médio. Basta uma razoável circulação pelo país, algumas conversas, e um mínimo interesse pela questão para verificar tal quadro. Ficaria feliz se informações que eu desconheço me obrigassem a rever isso (aliás, se você sabe da realização de concurso no seu município, mande seu comentário e quem sabe possamos formar um quadro provisório mais bem desenhado). Enfim, estamos diante de uma potencial realidade que não se realiza.

No Rio Grande do Sul, já tivemos a realização de concurso em pelos menos três municípios: Montenegro, São Leopoldo e Bagé. E diversos licenciados em dança já foram nomeados e atuam no currículo – e nesta fase surgem novos desafios e batalhas: a dificuldade de preparar uma aula em espaços inadequados e turmas heterogêneas, a falta de entendimento da direção da escola muitas vezes tem da atuação deste novo professor, a falta de tradição da dança em relação a outras disciplinas, e muitas outras a que não me deterei aqui, mas que merecem também uma profunda e delicada atenção. Ainda tem-se a promessa da capital, Porto Alegre, de também realizar, ainda em 2008, seu primeiro concurso para professor de dança. Contudo, isto é exceção e não regra, e ainda é irrisório o número de professores de dança atuando no currículo, seja no Rio Grande do Sul ou no resto do Brasil. Isso para não falar em alguns casos, no centro do país, onde candidatos só conseguiram tomar posse em seus cargos recorrendo à Justiça.

Ainda estamos diante de uma batalha, que vem contando com esforços pessoais de educadoras como Ângela Ferreira, Isabel Marques e Márcia Strazzacappa, entre outras, sempre atentas, vigilantes e dispostas a reverter o quadro desfavorável. Uma batalha que conta eventualmente com o trabalho de universidades que tentam garantir que seus alunos possam atuar no campo de trabalho em que foram formados. Mas ainda é uma movimentação importante, porém diminuta, e que não dá conta do universo de milhares de escolas e estabelecimentos de ensinos e secretarias de educação que precisariam ser mobilizadas nesta direção.

Muitas Secretarias municipais e estaduais de Educação não sabem ou preferem não saber que temos um grande contingente de profissionais licenciados em dança no nosso país. Só no Rio Grande do Sul, uma boa centena de formados têm o reconhecimento oficial para desempenhar tal função (e isso porque as primeiras licenciaturas em dança são bem recentes – o curso da UNICRUZ, em Cruz Alta, foi criado em 1998 e o da Fundarte/UERGS, de Montenegro, em 2001). Atualmente, além destes cursos que logo estarão graduando novas turmas, o Estado já conta também com o curso da  Universidade Luterana do Brasil (Ulbra-RS) e a promessa de abertura do curso na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Estes números tornam-se ainda mais significativos se lembrarmos que temos cursos de graduação em dança no Brasil que vêm formando profissionais desde a década de 50, como o curso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e de maneira mais ampla no país, desde a década de 80, em São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. Mesmo sem dados sistematizados é possível perceber o significativo número de educadores de dança aptos a assumir o cargo de professor de dança na escola. E pelo Brasil, novas licenciaturas em dança foram abertas recentemente ou estão em processo de criação, como em Belém (PA), Aracaju (SE) e Goiânia (GO), entre outras. Ou seja, não se sustenta mais o discurso de que não há demanda para tais concursos, ou de que é preciso abrir concursos para outras habilitações que não a licenciatura em dança.

Tem certas coisas que, infelizmente, precisam ser repetidas e enfatizadas. A mudança deste contexto depende disso e não é uma batalha em benefício apenas dos licenciados em dança. É uma mudança fundamental para todos os profissionais de dança, gestores públicos, coreógrafos, bailarinas, produtores. Não é apenas uma questão de mercado para os professores de dança, o que por si só já seria suficiente. No dia em que tivermos um significativo contingente de crianças e jovens que se eduquem fazendo dança, assistindo dança, discutindo dança, será aberta a possibilidade de termos profissionais e platéias com maior intimidade e sensibilidade em relação à dança e, para isso, sua efetivação no currículo é umas das ações determinantes e necessárias.