A Escrita da Dança: pequeno histórico sobre a notação do movimento

A palavra “coreografia”: sua história e sua origem

O termo “coreografia” tem um contexto histórico variado, ele é derivado da palavra coreia (??????), uma dança grega dançada em círculos e acompanhada por canto. Derivados da palavra coreia são usados para descrever danças de círculo em alguns lugares: Khorovod (Rússia), Hora (Romênia, Moldova, Israel), Horo (Bulgária). Paracelsus usou o termo “coréia” para descrever os movimentos físicos rápidos, dos viajantes medievais.

Raoul Feuillet e Pierre Beauchamp usaram uma adaptação da palavra coreia para descrever a notação da dança. Chorégraphie de Feuillet (1700) ajustou o termo para um método da notação da dança e estabeleceu-se o termo chorégraphie (coreografia) para a escrita, ou notação das danças. Assim, uma pessoa que escrevesse para danças era um choreographer (coreógrafo), mas o criador das danças era conhecido como um “mestre da dança (Le maître un danser) ou, em uns anos antes, um “mestre do ballet”.

Desta forma, o termo “coreografia” surge na dança em 1700, na corte de Luiz XIV, para nomear um sistema de signos gráficos, notação da dança, capaz de transpor para o papel o repertório de movimentos do balé daquela época. Seu criador, Raoul Auger Feuillet, mestre de balé, introduziu seu neologismo que literalmente quer dizer a grafia do coro. Vem do grego choreia (dança), e graphein, (escrita), significando a arte de criar e compor uma dança.

A rejeição do vocabulário e dos termos do ballet pela dança moderna resultou no termo “coeógrafo” que substitui o “mestre do ballet” e conseqüentemente a “coreografia” veio significar a arte de fazer danças.

A partir do século XIX, a técnica de “escrever o movimento” recebeu um nome: “notação coreográfica”. O termo coreografia passou a significar a arte na composição da dança, e o coreógrafo, o profissional que coordena essa composição.

Não se sabe ao certo como aconteceu a mudança no emprego do termo coreografia como sistema de notação para estrutura de organização dos movimentos do corpo no tempo e no espaço, a hipótese provável é de que, como em outros casos, a marca coreografia tenha assumido tamanha popularidade que substituiu o produto dança. Sabe-se, no entanto, que foi Serge Lifar quem publicou o Manifesto Coreográfico 1935, onde coreografia aparecia em sua nova acepção. Este manifesto seguiu a lógica de outros manifestos da época em diferentes áreas da arte, não trazia uma sistemática de abordagem prática, e sim, apresentava linhas gerais nas quais a arte da dança deveria se pautar.

Notação coreográfica: tipos de formulários existentes

A notação coreográfica foi criada com o objetivo de registrar os movimentos de uma dança através de símbolos, uma espécie de partitura da coreografia. Exemplos históricos podem ser dados, entre os quais a notação criada por Raoul-Auger Feuillet (1660-1710). Feuillet realizou a primeira tentativa de notação de dança com sua Coreografia ou Arte de Escrever a Dança.

O sistema de Feuillet foi um instrumento de reprodução em larga escala das danças criadas pela burguesia francesa (SANATANA, 2000). O leitor ciente do mecanismo de “leitura” (tradução dos signos gráficos em movimentos), era capaz de reconstituir as danças realizadas por corpos da nobreza e por ilustres bailarinos da Academia Real de Balé. Como uma máquina de fazer cópias de danças, a coreografia espalhou-se pela Europa sendo traduzida para o inglês, alemão, espanhol, italiano e português. Durante vinte e dois anos, Feuillet e seu aluno Dezais publicaram cerca de trinta coleções de danças onde, em cada uma, figuravam até cinco danças, estas, somadas a publicações feitas por diversos outros autores, elevam em muito esse número.

No século XVI, foi iniciado o ballet de cour, pelos mestres da dança da corte francesa, que fixaram padrões para o palco e para o salão.

Finalmente, Fauillet distingue quatro eixos perpendiculares para a execução do movimento: frontal, dorsal, lateral e girando. As diagonais só foram acrescentadas mais tarde: o balé de ópera era marcado pelo balé de corte, que concebia as figuras de forma que fossem vistas da melhor maneira possível pelo rei, colocado no eixo mediano da sala.

Nesse período, Thoinot Arbeau divulgou sua proposta de notação musical, chamada Orchésographie. Com uma notação diferente, Rameau expõe os mesmos princípios e dá exemplos abundantes.

Nos séculos XVII e XVIII, a dança de salão e a teatral distanciaram-se ainda mais, e no século XIX, a dança teatral finalmente conquistou sua linguagem independente. Ao propor notações específicas para as características rítmicas e musicais de cada dança, Arbeau descrevia as posições dos pés e do corpo, na perspectiva vertical e horizontal, utilizando diagramas.

Nenhum sistema específico prevaleceu durante o século XIX até surgir, na Rússia, em 1892, Vladimir Ivanovich Stepanov (1866-1896, bailarino do Ballet Imperial, em Saint Petersburg) que trouxe o L’álphabet des movements du corps humain, onde notas anatômicas complementavam a notação musical. Essa obra possibilitou a reconstituição de grande parte do repertório do século XIX. Este “alfabeto dos movimentos do corpo humano” é uma notação que codifica os movimentos da dança com notas musicais e não com símbolos abstratos como recentemente inventados. Stepanov separa os movimentos complexos dos movimentos elementares que o corpo pode executar. Estes movimentos básicos são registrados então como sinais musicais. Era com este método de notação da dança, com aperfeiçoamento de Alexander Gorsky, que muitos ballets, como os do coreógrafo Marius Petipa, eram anotados. Hoje, este método é preservado na coleção da Biblioteca do Teatro da Universidade de Harvard e é conhecido como a coleção Sergeyev.

Outro estudante da Escola Imperial em quem a notação de Stepanov despertava interesse era o legendário bailarino russo Vaslav Nijinsky, cujo interesse o conduziu a sua própria modificação do sistema, melhorando significativamente as idéias de Stepanov, especialmente na indicação dos sentidos e dos níveis. Durante um período de inatividade, quando foi separado dos ballets russos, Nijinsky trabalhou em suas idéias de notação e gravou cada movimento de seu primeiro ballet, L’après-midi d’un faune (“Tarde de um Fauno”) em 1912. Quando, em 1988, o código do seu sistema foi desvendado, este ballet pôde ser remontado em sua versão autêntica. Nijinski anota inteiramente sua coreografia sobre a partitura da música de Debussy de acordo com um sistema próximo da notação Stepanov.

Na primeira metade do século XX foram criadas outras formas de escritura da dança: Labanotation, Benesh e Sutton. O livro Choreo-graphics: A Comparison of Dance Notation Systems from the Fifteenth Century to the Present, de Ann Hutchinson Guest (1989), compara 13 históricos e os sistemas existentes da notação da dança (com exemplos visuais) e com comparações que ilustram as vantagens e desvantagens de cada sistema.

Em 1955, Rudolf e Joan Benesh inventaram o termo “coreologia” para descrever o estudo estético e científico de todos os formulários do movimento humano pela notação do movimento (CABRAL, 2005). Coreologia é hoje uma especialização da dança que registra, através de sinais gráficos colocados nas partituras musicais, todos os detalhes de uma criação coreográfica.

Os sistemas mais utilizados atualmente são, sem dúvidas, o Labanotation, Benesh Movement Notation e o Sutton Movement Shorthand.

Formulários de notação mais utilizados

As notações de coreografia de maior destaque são os Labanotation, Benesh Movement Notation e Sutton Movement Shorthand. Estes métodos são usados por várias companhias de dança.

Rudolf von Laban (1879-1958) foi uma figura importante na dança moderna européia. Publicou sua notação em 1928 como Kinetographie na primeira introdução de Schrifttanz. Em Labanotation, é possível gravar cada tipo do movimento humano. Labanotation não é conectado a um estilo singular, específico da dança (ao contrário de outras notações da dança, por exemplo, a notação de Benesh que é baseada no balé clássico inglês). Consiste em três linhas dispostas verticalmente. A contagem é lida de baixo para cima na página (em vez da esquerda para direita, como na notação da música).

O sistema Benesh para notação coreográfica foi desenvolvido pelo inglês Rudolf Benesh (1916-1975), com a colaboração de sua esposa, Joan. O Benesh Movement Notation foi patenteado em 1955. Esta escrita da dança, ou coreologia, representa graficamente o corpo do bailarino ou bailarina dentro de uma pauta de cinco linhas, lida da esquerda para a direita e do alto da página para baixo, passando pelo topo da cabeça, pelos ombros, pela cintura, pelos joelhos e ao nível do chão. Nesta pauta, anota-se com sinais e traços a posição e o movimento da cabeça, dos braços e mãos, e das pernas e pés do dançarino.

Valerie Sutton, bailarina americana, elaborou o Sutton Movement Shorthand em 1951, a partir de suas pesquisas sobre o coreógrafo dinamarquês Auguste Bournonville. Os dois principais sistemas de representação de movimentos que ela desenvolveu são o DanceWriting (um sistema para representação de coreografias, aplicado ao ballet e à dança em geral) e o SignWriting (um sistema para representação de gestos, aplicado às línguas de sinais). DanceWriting foi inventado primeiramente e ensinado ao Ballet dinamarquês real em 1974.  A figura do bailarino se apresenta distribuído em cinco linhas. Cada linha representa um nível específico.

Importante lembrar que não é apenas a área da dança que utiliza estas notações. A Labanotation, por exemplo, tem grande valor na área médica. Ann Hutchinson Guest diz que o trabalho de Julia McGuinness é gravar para registros clínicos na notação de Laban, as posturas de exame e os testes padrões do movimento antes ou depois de um tratamento. Este tipo de trabalho emergiu e se desenvolveu nos EUA com Irmgard Bartenieff, fundadora do Instituto Laban-Bartenieff de estudos do movimento. Combinando seus conhecimentos de Laban e experiência médica, Bartenieff desenvolveu uma série de movimentos arranjados em seqüências, originalmente chamadas “corretivas” e fundamentos que incorporaram seus ensinos e com os quais, todos os bailarinos, atletas etc. podem ganhar coordenação e eficiência melhoradas de movimentos. Os fisioterapeutas usam-no para manter registros clínicos – para gravar a marcha (modo de andar) e a postura, para ajudá-los na análise das posturas e das funções, e para transmitir a manipulação de procedimentos em técnicas terapêuticas.

Já o formulário de notação criado por Valerie Sutton em 1974, o SignWriting utiliza símbolos visuais para representar os sinais manuais, os movimentos, e as expressões faciais de línguas de sinais utilizados pelos deficientes auditivos. O SignWriting é baseado em Sutton DanceWriting. SignWriting é um “alfabeto-movimento-escrita”, que pode ser usado para escrever todo o tipo de linguagem de sinais, como a  língua americana do sinal (ASL), a língua britânica do sinal (BSL) ou toda variedade da língua do sinal.


Ana Lígia Trindade é bibliotecária formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuando na Biblioteca Martinho Lutero da Universidade Luterana do Brasil (Canoas-RS). Pós-graduada do Curso de Especialização em Dança da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bailarina, coreógrafa e professora de Dança Clássica na cidade de Canoas (Grupo ArtMóbile), Cachoeirinha (Alegretto Grupo de Dança) e Gravataí (Escola ComPasso).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

The Benesh Institute. Academia Real da Dança. Inglaterra, 2006. Acesso em: 29 nov. 2006.

CABRAL, Cristina.   Coreologia a escrita do movimento na dançaJornal da Dança, Rio de Janeiro, v. 16, n. 90, 2005.  Acesso em: 28  set.  2006.

GUEST, Ann Hutchinson  Choreo-Graphic: A comparison of Dance Notation Systems from the Fifteenth Century to the Present. New York: Gordon & Breach, 1989.

______. Dance Notation: The process of recording movement on paper, London: Dance Books, 1984.

INTITUTO DE LABAN/BARTENIEFF DE ESTUDOS DO MOVIMENTO Lins Online New York, 2000. Acesso em: 29 nov. 2006.

SANTANA, Ivani Lúcia Oliveira de. Corpo aberto: mídia de silício, mídia de carbono: a dança em integração com as novas tecnologias.  Mestrado em Comunicação e semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2000.

SUTTON, Valerie O Centro para a Escrita do Movimento de Sutton: DanceWriting. Califórnia, 2004.  Acesso em: 29 nov. 2006.