A falsa inclusão | The false inclusion

Este artigo, em sua versão original, foi publicado no Jornal do Commércio (PE) do dia 6 de julho.

A terceira Mostra Brasileira de Dança, que aconteceu há algumas semanas nos teatros Santa Isabel e Parque, vende sua imagem sob o signo da diversidade e da inclusão de diferentes artistas, atendendo também aos mais variados gostos do público. Mas isso não foi suficiente para evitar as fundas alfinetadas que recebeu das jornalistas responsáveis pelo setor de dança deste e de outro jornal da cidade.

Muita dança e pouca curadoria e Mostra de qualidade irregular foram os títulos das duas matérias que apontaram baixa qualidade dos espetáculos, exaustão da programação, perfil de torcida histérica do público-alvo, não preocupação com formação qualitativa de platéia, entre outros defeitos.

Louvável e necessária é a iniciativa de alertar o público e dar parâmetros para que ele perceba as fragilidades estéticas e estruturais dessa mostra. No entanto e infelizmente, esses ainda são os motivos menos sérios por que tal evento deve, sim, ser questionado.

Mais do que a concepção pão e circo de sua programação, grave é, por exemplo, o fato de a mostra ter sido um projeto de R$ 68.231,00 aprovado no Funcultura (fundo de cultura do Estado), ter tido apoio direto da Prefeitura do Recife, além de vários patrocínios, e, mesmo assim, cobrar R$ 15 ou R$ 10 (preços de entradas inteiras) em teatros públicos da cidade.

Que critérios obscuros são usados, nos processos avaliativos do Funcultura, de forma que o dinheiro público deixe de ir para projetos com claras qualidade e contrapartida social e vá para resultados como os dessa mostra, em que nem as próprias obras são contrapartida para a sociedade, uma vez que são exibidas em condições nada adequadas de apreciação?
Além da exibição, há cursos de apenas três dias (o que nem sequer pode ser chamado de reciclagem) oferecidos a R$ 30. Mais uma vez, onde está a contrapartida que é o suposto critério de aprovação do Funcultura?

O evento surgiu há três anos e tinha entre seus objetivos incluir os grupos não contemplados pelo pensamento do Festival de Dança do Recife, que se reformulou a fim de priorizar uma programação de espetáculos inteiros, espalhar-se por vários teatros da cidade com preços populares e formar platéia em termos não só quantitativos como qualitativos.

A Mostra Brasileira de Dança, porém, trabalha com uma falsa idéia de inclusão, porque sua extensa maratona tem como pressuposto péssimas condições de acomodação aos grupos participantes (não há camarins em número suficiente para comportá-los), cachês igualmente insatisfatórios e desnivelados a depender dos grupos, e, creiam!, cobrança de ingresso (mesmo que promocional) para os próprios bailarinos ou coreógrafos participantes do evento. Como pensar em diversidade e inclusão quando os artistas não são tratados com condições igualmente dignas e ingressos a 15 reais, num país cujo salário mínimo são 300 reais, estão longe de incluir uma diversidade também de público?

Nada contra a diversidade e contra a possibilidade de os mais diferentes trabalhos serem amontoados em noites extensas de dança como entretenimento, mas o dinheiro público é do público, dos artistas, etc., e não pode ser usado à nossa revelia e em troca de falsos signos de diversidade e inclusão.

* Roberta Ramos é doutoranda em Letras pela UFPE, cordenadora do Projeto Recordança e membro do Movimento Dança Recife. This article was originally published at Jornal do Commércio (PE) at July 6th

The Third Mostra Brasileira de Dança, that happened some weeks ago in Santa Isabel Theater and Park Theater, promotes the image of diversity and inclusion of different artists, also taking care of a more varied audience taste. But this was not enough to prevent the deep pinpricks it received from the journalists in dance sector and of periodicals of the city of Recife. “Much dance and little curatorship” and “Sample of irregular quality” had been the headings of the two articles that had pointed low quality performances, exhaustive programming, a hysteria profile in the audience, none concern to qualitative audience development, among others problems.

Praiseworthy and necessary is the initiative to alert the public and give parameters so that it perceives the aesthetic and structural fragilities of this project. However and unhappyly, these still are the less serious reasons why such event must indeed be questioned. More serious than the bread and circus concept of its programming, is, for example, the fact that the project has received R$ 68,231.00 from Funcultura (dep of culture of the State of Pernambuco), had direct support from the City of Recife, apart from some sponsorships, and, yet, charges R$ 15 or R$ 10 (full entrances) in public theaters of the city.

What obscure criteria are used, in the evaluation processes in Funcultura, where public money is denied to projects with clear quality and social counterpart and goes for projects like this, where not even the works are counterparts for society, since they are shown in improper conditions?
Apart from the performances, the project has only three day courses (that cannot even be called professional update) offered at R$ 30. One more time, where it is the counterpart that is supposed to be the criteria of approval in Funcultura?

The event appeared three years ago and allegedly objectives to include the groups not contemplated in the thought of the Dance Festival of Recife, that reformulated itself in order to prioritize a programming of full lengh works and to spread itself into different theaters of the city with popular prices and working for a qualitative and not only quantitative audience development.
The Mostra de Dança, however, works with a false idea of inclusion, because its extensive maratona has as awful conditions for the participant groups (it does not have dressing-rooms in number enough to hold them), fees equally unsatisfactory and unlevelled to the groups, and, believe it or not, ticket charging (even though promotional) for the dancers or participants themselves.

How to think about diversity and inclusion when the artists are not dealt with equally worthy conditions and tickets that cost R$ 15, in a country where minimum wage is R$ 300, are far from including a diverse audience? Nothing against the diversity and the possibility of different works to be accumulated in extensive nights of dance as entertainment, but the public money is for the public, the artists, etc., and it cannot in be used despite of us in exchange for false signs of diversity and inclusion.

* Roberta Ramos is completing her doctorate in Literature at UFPE, and is coordinator of the Recordança Project and member of the Dança Recife Mouvement.