A história do frevo em mais dois capítulos | New chapters in the history of frevo

O compositor pernambucano Capiba escreveu, em 1972, a música “De chapéu de sol aberto”, em que dizia “se um dia o frevo acabar, juro que vou chorar”. Mais de 30 anos se passaram desde que a canção foi escrita, o frevo está longe de ter fim, pelo contrário, convive muito bem hoje com outras formas de linguagem, como a dança contemporânea. E para que esses cruzamentos continuem acontecendo, uma ação é imprescindível: a documentação. A partir do que já foi produzido, é possível conhecer o passado e reinventar o futuro do frevo.

Contribuindo para enriquecer a história do frevo – e da dança em geral – Ana Catarina Vieira e Ângelo Madureira estão colocando em prática uma vontade antiga: disponibilizar imagens do Balé Popular do Recife ao público em geral. Filho de André Madureira, fundador do Balé, Ângelo levou várias fitas VHS quando se mudou para São Paulo, em 1997, e fundou a Escola Brasílica Música e Dança – onde ensinava a técnica criada por seu pai. Quando começou a flertar com a dança contemporânea, Ângelo usou esses vídeos em sua pesquisa de linguagem. “Durante muito tempo, as imagens serviram apenas como referências para nós da companhia. Mas como as pessoas sempre pediam, veio a ideia de publicar de alguma forma e resolvemos digitalizar o material. É uma forma de legitimar tudo o que o Balé Popular foi durante todos esses anos”, diz Ângelo. Esta iniciativa ganha importância extra depois do incêndio que destruiu a sede do Balé no início de 2009.

Ele pediu autorização ao pai – que adorou a ideia – e atualmente já existem 42 vídeos cadastrados em um canal no youtube. A ideia é colocar pelo menos uma entrada nova por dia no acervo digital até completar os mais de 300 registros que estão com Ângelo. São raridades como entrevistas e documentários dos anos 70, trechos de apresentações do Balé e de processos criativos de Ana Catarina e Ângelo tendo o frevo como base. Num dos vídeos, por exemplo, ele mostra como é possível identificar alguns traços dos passos na coreografia clássica de Gene Kelly em “Cantando na chuva”.

“É importante expor o que já foi feito, vira fonte de consulta para quem estuda a dança, acredito que é uma posição política mesmo. Estamos trocando informações, gerando novas conexões, novas redes. Em um dos vídeos, meu pai explica como conseguiu remontar o galante (uma dança típica do cavalo-marinho) a partir do depoimento de um ‘tiozinho’”, orgulha-se Ângelo.

Paralelamente a esse projeto, no Recife, outro meio de documentação do frevo ganhou forma. A bailarina e pesquisadora Valéria Vicente acaba de lançar o livro Entre a ponta do pé e o calcanhar, que aponta as transformações do frevo a partir do trabalho de três coreógrafos.

A demanda do Graal dançado / Foto: Hans von Manteuffel

A demanda do Graal dançado / Foto: Hans von Manteuffel

O livro – um desdobramento da pesquisa de mestrado de Valéria – visita três importantes momentos da produção de dança pernambucana na década de 90: os espetáculos Procissão dos farrapos (Balé Brincante, na foto 1, de 1991), A demanda do Graal dançado (Grupo Grial, na foto 2, de 1998) e O romance da nau Catarineta (Balé Popular do Recife). A partir das criações e dos questionamentos dos coreógrafos responsáveis, Valéria repassa a história do frevo e a influência dele em cada uma das produções.

“Nos anos 90 houve uma transformação na forma de lidar com o frevo que, até então, era apenas encenação. A partir dessa mudança, ele passa a ser vocabulário e cada coreógrafo se utiliza dele para levantar questões diferentes. É um momento celular de cada artista”, explica Valéria.

Entre a ponta do pé e o calcanhar se junta a Balé Popular do Recife: a escrita de uma dança, de Christianne Galdino, numa importante ação de documentação e reflexão sobre a história do frevo. “Acervos, organização e disponibilização dos materiais são sempre estratégicos. Gera conscientização e cria reflexões sobre os processos culturais. Mas não adianta apenas acumular documentos, é preciso levantar discussões”, alerta Valéria.

“Muita gente tem resistência em abrir seu material de pesquisa, mas eu acho que temos que olhar pra frente. Espero que outras companhias se inspirem na nossa iniciativa e façam o mesmo”, completa Ângelo Madureira.

As fotos fazem parte do Acervo Recordança.

Confira aqui a galeria que o idança fez como aperitivo do que está no acervo digital do Balé Popular do Recife.

In 1972, Capida, a composer from Pernambuco, wrote the song De chapéu de sol aberto, in which he said “if one day frevo ends, I swear I´m going to cry”. More than 30 years later, frevo is far from being over, much to the contrary, it gets along with other artistic languages, such as contemporary dance. And to ensure this crossover keeps on happening, one action is essential: documentation. From what has already been produced, it is possible to learn about the past and reinvent frevo.

Contributing to enrich the history of frevo – and dance in general – Ana Catarina Vieira and Ângelo Madureira are carrying out an old wish: making images of Balé Popular do Recife available to the public in general. Ângelo is the son of André Madureira, founder of Balé. When he moved to São Paulo, in 1997, he took several VHS tapes and founded Escola Brasílica Música e Dança – where he teaches the technique created by his father. When he started flirting with contemporary dance, Ângelo used these videos in his language research. “For a long time, the images were just references for us at the company. But since people always asked for them, the idea of publishing it somehow emerged and we decided to digitalize the material. It´s a way to legitimize everything Balé Popular was during all those years”, says Ângelo. This initiative gained special importance after the fire that destroyed the Balé’s headquarters in the beginning of 2009.

Ângelo asked his father for permission – and he loved the idea – and currently there are already 42 videos registered in a youtube channel. The idea is to upload one new entry every day until all 300 videos are included. There are some treasures like interviews and documentaries from the 70’s, excerpts of Balé presentations and Ana Catarina and Ângelo’s creative process with frevo as inspiration. In one of the videos, for instance, he shows how it´s possible to identify some frevo steps in Gene Kelly’s classic choreography in the film “Singing in the Rain”.

“It´s important to display what has already been done, it becomes a research source for those who study dance, I believe it´s actually a political statement. We are exchanging information, generating new connections, new networks. In one of the videos, my father explains how he was able to recreate galante (a traditional cavalo-marinho dance) based on a testimony from an elderly dancer”.

Parallel to this project, in Recife, another form of documentation for frevo took shape. Dancer and researcher Valéria Vicente just released the book Entre a ponta do pé e o calcanhar, in which she points out the transformations of frevo based on the work of three choreographers.

A demanda do Graal dançado / Foto: Hans von Manteuffel

A demanda do Graal dançado / Foto: Hans von Manteuffel

The book – a development of Valéria’s post-graduate research – deals with three important moments for Pernambuco’s dance production in the 90’s: the shows Procissão dos farrapos (Balé Brincante, 1991, in the first photo), A demanda do Graal dançadoO romance da nau Catarineta (Balé Popular do Recife). From the creations and questions of the choreographers, Valéria examines the history of frevo and its influence in each production. (Grupo Grial, 1998, in the second photo) and

“In the 90’s, there was a transformation in the way frevo was dealt with, which, up to that point, was merely mise en scène. After this change, it became vocabulary and each choreographer uses it to raise different questions. It´s a cellular moment for each artist”, Valéria explains.

Entre a ponta do pé e o calcanhar along with Christianne Galdino’s Balé Popular do Recife: a escrita de uma dança forms an important initiative for documentation and reflection about the history offrevo. “Archives, organization and making the material available are always strategic. It raises awareness and reflection about cultural processes. But it’s not enough to collect documents, it´s necessary to raise discussions”, Valéria warns.

“A lot of people resist opening their material for research, but I think we must look to the future. I hope other companies are inspired by our initiative and do the same”, adds Ângelo Madureira.

The photos in this report are part of Recordança collection.

Confira aqui a galeria que o idança fez como aperitivo do que está no acervo digital do Balé Popular do Recife.

Check out the video gallery idança created with some samples of Balé Popular do Recife digital collection.