A idéia de um balé brasileiro | The idea of a Brazilian ballet

Embora os estudos teóricos da dança no Brasil tenham crescido a olhos vistos na última década, ainda é raro encontrar um texto precioso como o de Roberto W. Pereira, o mais importante pesquisador e historiador do que poderíamos considerar o processo evolutivo do pensamento do balé em nosso país.Translation by Sarah Hyde, Ccaps Translation and Localization.

De uma forma inusitada, o livro publicado a partir da sua tese de doutorado Formação do Balé Brasileiro e a crítica jornalística Nacionalismo e Estilização (PUC-SP, 2002, sob a orientação da professora e crítica de dança Helena Katz) cruza o rigor histórico com algumas discussões fundamentais para o estudo do panorama da pesquisa internacional em dança. Isso porque, por um lado é meticuloso, afeiçoado aos detalhes, inclusive aqueles mais divertidos da crônica pessoal que tempera os grandes e pequenos acontecimentos, como costumavam relatar autores que construíram documentos importantes da história da dança, mas, ao mesmo tempo, leva essa estratégia para um outro lugar. E é justamente aí, no ambiente teórico que constrói para trabalhar, que a história do balé no Rio de Janeiro é contada: à luz de conceitos teóricos específicos e não como um relato supostamente factual (nomes e datas), desprovido de reflexão. De todos os tópicos abordados, merece destaque a sua análise acerca do nacionalismo, da brasilidade ufanista, da ideologia estadonovista, dos critérios de autenticidade e sobretudo da relação entre tudo isso e o corpo romântico, um tema que não deve ser considerado como algo do passado, uma vez que tem estado presente implicitamente em muitos eventos e discussões neste momento em nosso país.

Para tanto, o autor explica que a dissolução dos gêneros e a aposta na flexibilidade do bailarino romântico propiciaram a crença de que entre a dança e o corpo que dança haveria pouquíssimo comprometimento, uma vez que o bailarino poderia interpretar diferentes personagens e possibilidades de dança, sem levar em conta as habilidades específicas de cada um. De certa forma, é provável que este tenha sido o começo do entendimento ainda bastante comum de que aqueles que dançam balé tudo podem, como se fosse uma base universal para dizer qualquer coisa a qualquer um e de formas absolutamente diversas, sem medo de cometer imprudências. Afinal, neste viés, balé é a língua universal da dança.

Pereira trabalha também com algumas obras históricas fundamentais, com destaque para A Dança Teatral do Brasil de Eduardo Sucena, relacionando-a com fontes primárias como os libretos dos balés e programas, entrevistas e a crítica jornalística da época. Para mapear o pensamento romântico-nacional do século XIX, utiliza a obra de Antônio Cândido, crítico e professor de literatura, que nos explica a epistemologia e as implicações do termo nacionalismo. A aliança entre literatura e dança, neste momento, torna-se evidente para a construcão do pensamento.

O livro organiza-se em duas partes. No primeiro momento expõe a discussão acerca do pensamento romântico-nacional característico do século XIX examinando três exemplos diferentes: La Cachucha de Fanny Essler, Napoli de August Bournonville e os divertissements de balés russo de Petipa e Ivanov. Em seguida, analisa os desdobramentos destas criações enquanto modelo estético e pensamento, para o balé no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Mas além de falar das principais obras, o autor analisa o processo de organização do ensino e da formação dos primeiros bailarinos. Explica a fundação da escola de bailados de Maria Olenewa e a criação do primeiro corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Sempre relacionando os dados históricos e a análise das iniciativas, elabora um excelente estudo sobre a bailarina Eros Volúsia como um ponto importante de partida para ilustrar o que teria sido uma iniciativa bastante singular de abrasileiramento do balé a partir de pontes com experiências de natureza diversa.

Tendo em vista todas as discussões propostas pelo autor, o livro deixa de ser importante apenas para os apreciadores de balé, uma vez que parte deste objeto bem definido, mas acaba elaborando uma discussão mais abrangente acerca da idéia de brasilidade oferecendo subsídio para um amplo debate em torno da relação entre corpo e cultura, autenticidade e movimento, crítica e obra.

*Christine Greiner é professora do programa de estudos pós-graduados em comunicação da PUC/SP e co-criadora do curso de graduação em comunicação das artes do corpo.

Although theoretical studies on dance in Brazil have grown visibly over the past decade, it is still rare to find a text as precise as that written by Roberto W. Pereira, the most important researcher and historian of what we could call the evolutional process of thinking about ballet in our country. In a strange way, the book published from his doctoral thesis The Formation of Brazilian Ballet and Journalistic Critique Nationalism and Stylization (PUC-SP, 2002, under the orientation of professor and dance critic Helena Katz), blends historic rigor with some fundamental discussions for the study of the international dance research panorama. This is because, on one side the work is meticulous and detailistic, describing even the most quirky details of a personal chronicle that spices up the most and least important events like authors do when they construct important documents on the history of dance. At the same time, his work carries this strategy somehwere else. And it is precisely there, in the theoretical environment constructed as a working space, that the history of ballet in Rio de Janeiro is told: by highlighting specific theoretical concepts and not necessarily as a factual account (names and dates) deprived of reflection. Of all the topics discussed, several are worthy of special attention, including his analysis on nationalism, Brazilian Ufanism (defined as “an excessive arrogance based on the potential of Brazil’s vast resources”), on New State ideology, authenticity criteria and, above all, on the relationship between all of this and the romantic body – a theme that should not be considered something of the past, since it remains an implicit part of many events and discussions taking place today in our country.

Within this context, the author explains that the dissolution of genres and the belief in the flexibility of the romantic dancer give rise to the belief that between dance and the body, dance will have very little commitment as the dancer could interpret different characteristics and possibilities of dance without taking into consideration the specific capabilities of each. In a certain way, it is probable that this has marked the beginning of a still fairly common understanding that those who dance ballet can do everything, as if this were a universal base to say anything to anyone and in absolutely diverse ways, without fear of being careless. After all, in this line of thinking, ballet is the universal language of dance.

Pereira also works with a series of fundamental historical works, such as A Dança Teatral do Brasil (“Brazilian Theatrical Dance”) by Eduardo Sucena, citing primary sources such as the librettos of ballets and programs, interviews and the journalistic critique of the period. In order to map the romantic-national thinking of the XIX century, he uses the work of Antônio Cândido, literature professor and critic, which explains the epistemology and the connotations of the term “nationalism.” At this moment, the alliance between literature and dance becomes evident as it constructs of a line of thinking.

The book is organized into two parts. The first exposes the discussion between romantic-national thought that was characteristic of the XIX century by examining three different examples: La Cachucha by Fanny Essler, Napoli by August Bournonville and the divertissements of the Russian ballets of Petipa and Ivanov. Further on in the thesis, the author analyzes the evolution of these creations in terms of esthetic models and thinking related to ballet in Brazil, especially in Rio de Janeiro. However, in addition to discussing the first works, the author also analyzes the teaching organization process and the formation process of the first dancers. He describes the foundation of the Maria Olenewa School of Dance and the creation of the first Rio de Janeiro Municipal Theatre dance group. Always relating historical data to the analysis of initiatives, he provides an excellent study on dancer Eros Volúsia as an important point of departure to illustrate what would have been a unique initiative to “Brazilianize” dance with a diverse range of experiences.

Considering all of the discussions proposed by the author, the books suits a wider audience than simply those who appreciate ballet. The book departs from this well-defined subject but ends up involving a much wider discussion on the idea of Brazilianess offering the foundation for an ample debate on the relationship between the body and culture, authenticity and movement, critique and artistic work.

*Christine Greiner is a professor of the post-graduate Communication Studies Program at the Pontifical Catholic University of São Paulo (PUC/SP) and the co-founder of a graduate course in body arts communication.