A “Proxim(a)idade” de Tales Frey da Cia Excessos

Efemeridade versus eternidade:
ode aos vermes e aos confeitos de chocolate 
por Thais Nepomuceno*

Maria Luís Neiva.JPG

Proxim(a)idade, de Tales Frey (Cia. Excessos).
Performance-instalação apresentada no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, dentro da exposição Moda e Religiosidade em Registos Corporais. (Guimarães, Portugal. 20 de Junho de 2013/ Registro fotográfico de Maria Luís Neiva)

Conflituosas e circunjacentes na cultura contemporânea, mais do que uma mera afinidade, Tales Frey, com a Cia. Excessos, propôs uma espécie de ósculo entre a moda e a religiosidade, que servem de motivo para as concepções performativas do coletivo que permaneceram expostas no Centro para os Assuntos da Arte e da Arquitectura na cidade portuguesa de Guimarães entre 1 e 30 de Junho de 2013. Registros fotográficos e videográficos do duo de artistas brasileiros que vive entre o Brasil e Portugal garantiram a materialidade de uma expressão artística que, em princípio, apresenta-se como efêmera. Por vezes, não são sinais palpabilizados dos gestos performativos, mas sim a concretização da própria obra, rotulada por “fotoperformance” e “videoperformance”, ou seja, gêneros artísticos que combinam a performance com outros meios de expressão.

Um inócuo convite recebido para presenciar, in loco, a performance-aniversário intitulada por Proxi(a)idade, do artista Tales Frey, descrevia o evento – dia 20 de Junho – como um rito de passagem e como ritual artístico. E, precisamente, trata-se sim de um ritual no seu sentido estrito do termo, tal e qual o teórico Émile Durkheim descreve quando diz que “ritual é pensamento em/como ação”[1], ou ainda, Richard Schechner, que destaca pensadores como Arnold van Gennep e Vitor Turner para reconhecer as dinâmicas espetacularizadas do ritual quando menciona as sucessões de passagens que a vida é composta, com isso, os “ritos de passagem”, que produzem transformações decisivas (ideia de eficácia da performance) como por exemplo, o casamento, o funeral e o aniversário. O performer fez uso de todos elementos em suas criações; em Aliança, realizou, com Paulo Aureliano da Mata, um casamento no sentido estrito, mas diluído em um ritual artístico. Em Proxi(a)idade, cumpriu a passagem dos seus trinta anos de idade para os trinta e um, como se seu corpo, horas antes de ressurgir com a idade nova, ocupasse uma espécie de casulo para, posteriormente, renascer, ressurgir, voltar ao meio depois da passagem transformadora.

Tales estava maquiado com uma pasta sobrecarregada de chocolate no rosto, ornada por granulados coloridos e outros doces igualmente avivados. Seu corpo estava enrolado em sua totalidade com fitas de múltiplas cores, como uma múmia. Do centro do seu corpo, na altura do umbigo, divergiam trinta e uma fitas que sustentavam equivalentes números de balões a gás. O corpo permanecia quase imóvel (respirações intensas e espasmos eram repetidos) sobre um palco italiano iluminado por três refletores pares. Um foco, com a precisão de um refletor elipsoidal, delimitava uma mesa farta de guloseimas que permanecia fora do palco, onde o público podia interagir. Um áudio permanecia em loop, narrando, em palavras desconexas (quase esquizofrênicas), um vínculo existente entre o dia em que comemoramos mais um dia de vida, ao mesmo tempo que lamentamos a aproximação do nosso derradeiro fim.

A imagem festiva se perdia na funesta quando víamos o corpo responsável pelo evento em uma situação como se estivesse mumificado, ladeado por uma mesa que, ao invés do clássico chá, café e bolachas de um funeral, estavam os doces e sucos de um aniversário de criança. Víamos um velório ao mesmo tempo que enxergávamos uma animada festa infantil, sem bebidas entorpecentes, pois o excesso de cores e de açúcar já estabelece tal torpor, já destrói o limite entre ação e espectador. Alguns comiam os doces que enfeitavam o corpo do artista, como o beijo derradeiro no defunto ou como o dedo que fura o bolo da festa antes dele ser servido.

A performance-ritual era, igualmente, performance-instalação, portanto, apesar do palco italiano e das cadeiras na plateia, o público podia subir no palco e sair e retornar à sala quando bem entendessem. A “inação” durou quase três horas e, provavelmente, exigiu um exagerado preparo físico do performer, que sem fazer quase nenhum movimento com o corpo, quase incólume, conduziu-o a completa exaustão, que percebemos em outros trabalhos da Cia. Excessos, tais como em Re-banho (2010), Beija-se (2012), Atendo ao Molde (2013), Aliança (2013), que podiam ser contemplados em vídeo e fotografia do lado de fora da sala da performance, ou seja, em uma das salas de exposição do CAAA, onde também estavam as seguintes obras: (De)reter-se (2013), Sede Vós (2013), Faceless (2011) e  Romance Violentado (2011).

Intercedidos por uma mídia obsessiva pela beleza e juventude, escravizados, deduzimos que os correspondentes sinais do nosso derradeiro fim, da nossa natural decomposição, podem (ou ainda, devem) ser mascarados, disfarçados por debaixo de grosseiras maquiagens, dissimulados pelo auxílio das cirurgias plásticas, quando deviam ser simplesmente aceitos, pois, como sabemos, não somos eternos e, dia a dia, adquirimos sinais de tal efemeridade da vida. Talvez, através da simbologia dos balões que fariam a alma do performer levitar, subir, ascender, transcender, ele, ceticamente, queira nos demonstrar que os balões, na verdade, são frágeis demais e estouram antes de nos moverem para qualquer outro lugar, provando o laconismo da vida e o natural apodrecimento da matéria, motivo que faz o ser humano, por medo, alimentar a sua repugnância com relação a sua condição natural para não encarar o fato de não ser eterno.

 

*Thais Nepomuceno é crítica de arte, curadora, atriz e produtora cultural. Licenciada em Cinema pela Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa e graduanda em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense.

 


[1] SCHECHNER, Richard. apud. LIGIERO, Zeca (org). Performance e Antropologia de Richard Schechner, p.58.