Alguém tem que se mexer

Em meados de outubro, a Secretaria de Cultura do Distrito Federal apresentou o primeiro esboço do edital do Fundo de Apoio a Cultura (FAC), revelando a previsão orçamentária para 2007 e a divisão de verbas para cada categoria. A proposta foi apresentada com 10 meses de atraso e com uma grande contribuição da classe artística, a partir das sugestões feitas pelos coletivos e organizações.

Se por um lado a experiência serviu para melhorar os critérios de investimentos, atendendo a uma demanda dos artistas, por outro detectamos mais uma vez a fragilidade dos gestores públicos do setor cultural no país. Foi preocupante a declaração do secretário de Cultura do DF, o jornalista Silvestre Gorgulho, ao assumir seu cargo no início do ano. “Sou assíduo freqüentador cultural, não sou gestor cultural. Estou aprendendo a ser. Caí num vulcão”, disse ele. A frase foi veiculada em uma matéria de um dos principais jornais de Brasília. O jornalista teve experiências em cargos públicos nas áreas de comunicação social e meio ambiente, e se cercou de figuras renomadas da cultura local, como a coreógrafa Rosa Coimbra, que assumiu a área de dança da Secretaria. Mesmo assim, a nomeação de Gorgulho é um exemplo de escolha política feita sem nenhum respaldo técnico de atuação no setor.

A conseqüência disso é a mobilização de artistas, que precisam abrir mão de uma parte de seu tempo para fazer reuniões e discutir como deverão ser as políticas públicas da sua cidade. No caso de Brasília, o Coletivo de Dança Contemporânea e o Fórum de Dança foram os dois responsáveis pela articulação de pessoas para propor os critérios de divisão de verbas em dança do Fundo de Cultura. Foram meses de reuniões durante os fins de semana e nas horas de almoço para se chegar a um consenso. Ainda assim, o resultado não se apresenta como a proposta ideal na visão dos artistas, principalmente pela escassez de recursos destinados à dança. Dos R$ 2 milhões (podendo chegar a R$ 3 milhões) previstos para o edital deste ano, a dança tem recursos previstos no valor de R$ 130 mil (podendo chegar a R$ 240 mil). As verbas foram divididas em três categorias: montagem de espetáculos, festivais e projetos sociais e de formação.

A falta de gestores especializados não é um problema unicamente do Distrito Federal, podendo ser detectada em várias administrações pelo país afora. E a aproximação entre governos e profissionais da arte tem sido cada vez mais recorrente. No âmbito nacional, tivemos o exemplo das Câmaras Setoriais. Uma série de encontros e discussões foram realizadas entre 2005 e 2006 pelo Ministério da Cultura, junto a representantes de cada estado, com objetivo de construir um plano de política para dança. A iniciativa promoveu uma ampla mobilização nacional, que foi bastante frutífera para a difusão de informações e construção de um diálogo entre artistas de diferentes localidades, mas não houve ainda uma ação mais concreta na esfera governamental. Os relatórios elaborados por cada setor vão ser incluídos no Plano Nacional de Cultura, que servirá de diretriz para implantação do Sistema Nacional de Cultura. A intenção do sistema é articular gestões estaduais, municipais e a federal para a consolidação de uma agenda nacional. Uma iniciativa consistente de planejamento em longo prazo, mas nenhum avanço significativo ainda foi dado em 2007.

O diálogo entre o poder público e a sociedade é um importante instrumento de consolidação do Estado democrático. A mobilização artística é um dos mecanismos de fiscalização e aperfeiçoamento das ações governamentais. O cenário prolífero de organizações de dança voltados para refletir política é uma conquista valorosa para o setor e tem gerado bons frutos. Mas, infelizmente, ela tem surgido em decorrência da falta de pessoas qualificadas para assumir as pastas de cultura. Cada vez mais os artistas têm ocupado o papel de gestores, em detrimento da dedicação que poderiam estar fazendo na área de criação e pesquisa.

O movimento de articulação e discussão dos artistas tem conseguido firmar a dança como uma área de pensamento artístico no País. Inúmeras conquistas podem ser percebidas nos últimos cinco anos. No meio das políticas públicas, a dança conquistou um espaço autônomo, antes relegado a segundo plano dentro das Artes Cênicas. A criação de coordenações específicas para a dança nas administrações municipais, estaduais e até mesmo em instituições federais foi certamente um grande avanço. A proliferação de cursos de graduação em dança também tem sido positiva, mas é preciso criar iniciativas na área de gestão e economia cultural para potencializar as políticas culturais e munir tais cargos com profissionais mais especializados.

É preciso refletir ainda que não adianta termos cargos e gestores se não temos recursos suficientes. Nem toda engenhosidade artística consegue multiplicar dinheiro. Portanto, a dança deveria se mobilizar melhor com o resto do setor cultural e buscar uma forma efetiva de aumentar o seu orçamento. Mais uma vez lembro do Projeto de Emenda à Constituição nº 150/03 que prevê a vinculação de 2 % do orçamento da União; 1,5% dos estados e 1 % dos municípios para a área de cultura. A mobilização em torno da aprovação da proposta seria um outro grande passo na consolidação de política cultural.