Alpendre: 10 anos bem vividos

Um espaço sem burocracias e sem amarras. Um local que oferecesse possibilidades de encontros, de discussões e de trocas entre as mais diversas linguagens da arte contemporânea. Foi com essa ideia que oito amigos se uniram em 2000 para formar a Alpendre Casa de Arte, Pesquisa e Produção, que está completando 10 anos de atividades em Fortaleza.

A iniciativa nasceu de uma ‘ação entre amigos’ com afinidades de projetos de vida e de trabalho. Esse primeiro grupo reuniu Alexandre Veras (vídeo), Andrea Bardawil (dança), Eduardo Frota (artes plásticas/visuais), Solon Ribeiro (artes plásticas/visuais), Beatriz Furtado (vídeo), Manoel Ricardo de Lima (literatura), Carlos Augusto Lima (literatura), Luis Carlos Abadia (gestor cultural).

Esse lugar acabou tomando a forma de um galpão de 600 metros quadrados e três andares, na Praia de Iracema, onde o Alpendre funciona até hoje. “Foi uma confluência de ações isoladas de um grupo de amigos com afinidades. Depois que encontramos o espaço, realizamos encontros semanais para pensar juntos como iríamos explorá-lo”, lembra Veras.

Mesmo sem um aporte inicial – aliás, o espaço nunca teve financiamento fixo – a primeira ação foi a divisão das ações em núcleos. E dessa forma o espaço se tornou a sede, durante um tempo, da Companhia de Arte Andanças, de Andrea Bardawil.

Entre 2001 e 2004, o Alpendre foi contemplado para a realização do projeto NoAr, que previa a formação de jovens em vídeo e que se tornou

A fachada / Foto divulgação

um marco nesses 10 anos de atividades do espaço. “Foi uma mudança muito grande no nosso cotidiano, pois passamos a trabalhar com formação continuada, nos marcou muito. Nossa ideia de formação sempre passou pelo cruzamento de linguagens. Mesmo quem fazia aula de vídeo tinha que fazer aula de dança também”, afirma Veras. Foram cinco anos dedicados à formação e centenas de alunos que hoje seguem suas pesquisas autorais em outros lugares, como a Escola de Artes Visuais de Fortaleza, fundada recentemente.

A ideia de se criar um espaço para produzir, e principalmente, pensar e discutir arte em Fortaleza surgiu num contexto bem propício. Em 1999, o Centro Dragão do Mar estava começando e o Centro Cultural Banco do Nordeste (BNB) ainda não tinha tanto peso na vida cultural da cidade. Além disso, a Bienal Internacional de Dança do Ceará também engatinhava (sua primeira edição aconteceu em 1997). Ou seja, o momento ideal para o surgimento de um espaço de experiências como o Alpendre. “Foi um período de adensamento das artes visuais, com uma série de ações que movimentaram cena contemporânea em Fortaleza. E nós tivemos um papel singular e importante, é difícil mesurar”, orgulha-se Veras.

Foi um período também de olhar ‘para dentro’, para o que estava sendo produzido com qualidade no Ceará. Enquanto muita gente reclamava da distância do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, eles aproveitaram para explorar essa distância. “Nossa experiência inverteu a lógica. Paramos de nos queixar e corremos atrás de produzir um lugar potente de encontro aqui. Trouxemos muita gente até aqui, e muitos artistas cearenses circularam também. O problema de circulação é nacional, não é só do Ceará ou do Nordeste”, observa.

Proximidade entre dança e vídeo

Dentro do objetivo inicial de ser um espaço aberto à troca de linguagens, dois núcleos estiveram mais presentes e ativos nesses 10 anos: vídeo e dança. E, é claro, isso acabou incentivando vários trabalhos em videodança, consolidando a produção, que hoje já soma mais de 30 vídeos. “É engraçado pois vídeo e dança sempre estiveram muito próximos fisicamente, a sala de dança fica em cima da sala de edição no Alpendre (risos). Então um dia a Andrea me chamou pra trabalharmos juntos. E essa parceria é ótima!”, conta Veras. De fato a parceria deu tão certo que Veras e Andrea dão vários cursos e palestras sobre videodança Brasil afora. A próxima dele será no Equador, no início de setembro.

Exposição de Ricardo Bausbaum / Foto divulgação

A comemoração pelos 10 anos também marca um momento de retomada do Alpendre. “Depois de uma década, as dificuldades são sempre financeiras, para manter o espaço funcionando. Houve um movimento de diáspora, ficamos um pouco desorientados, mas agora está voltando ao normal”. Nos próximos meses, o galpão será tomado pelo projeto Heterotopias (veja a programação aqui), que fará um panorama da produção de arte contemporânea na capital cearense nos últimos 10 anos. Outro ‘presente’ de 10 anos será a criação de um site para contrar toda essa história e também armazenar todos os projetos que já passaram por ali. “Nunca quisemos ser uma instituição muito formal, tradicional. Desejávamos um espaço possível, criamos um jeito de fazer que não sei explicar muito bem…”. Que venham os próximos 10 anos.