Anti-Tieta: de como não me tornei (ainda) uma estrela na Europa

Dançar é verbo curioso, é verbo de corte, de salão. É verbo pista, é verbo transitivo e intransitivo. Dançar em língua portuguesa pode ser sinônimo de se dar mal: “Fulano dançou”. Há quem dance para acasalar, para emagrecer. Há quem dance em torno de um pau. Pole. Pinto. Cano. Há quem dance para abrir espaços, conhecer espaços. Há quem sonhe com valsa. Há quem sonhe com Billie Elliot.

Há quem dance as feridas de uma bomba. Há quem dance sem pernas. Quem dance com cadeiras, em cadeiras de rodas. Há quem dance pela webcam, com sua caneta, de olhos fechados. Há quem dance pelo simples e complexo desejo de conhecer algo. Se a dança é produção de conhecimento, ela apenas existe/insiste pela vontade incessante de mover algo. De mover o chão, de mover os ossos.

Dançar é verbo/ação/potência de subversão.

Talvez uma das questões presentes em inúmeros projetos contemporâneos de dança é a possibilidade de se dançar perguntas. Dançar é também duvidar, desconfiar. Duvidar do que é ser, ou do que significa ser brasileiro, do que significa ser homem, ser mulher, ser cadela.

Dançar é parafrasear antropofagicamente a pergunta de Espinoza “O que pode o corpo?” – O que pode o porco?

Moro no sul da França, em Montpellier, há quase um ano. Parei por aqui por desejo, por amor. Casei-me dia 8 de agosto. No mês do cachorro louco. [1]

Dancei muito e muito pouco desde que cheguei aqui. Dancei como o Fulano, que se deu mal. Dancei de olhos fechados, dancei com minha caneta, dancei pela webcam, dancei em cima de uma mesa, tirei minha roupa e ganhei 75 euros (vide link ao final).

Dancei numa formação chamada ex.e.r.ce. Não fui aprovado. Dancei como o Fulano. Após gastar uma grana enorme pra tentar audição, nao fui aprovado, nem na segunda fase. Segundo o júri, já possuía muita experiência profissional e já tinha muitas escolhas estéticas.

Ah, dancei também com um coreógrafo chamado Luis Garay. Não participei do trabalho dele não. Fui convidado para fazer parte de uma instalação coreográfica. Fiquei extremamente contente com a ideia de fazer meu primeiro trabalho de dança com um coreógrafo conhecido aqui na Europa – embora nunca tivesse ouvido falar antes do tal Garay.

Dança dos famosos

Cheguei pontualmente no horário combinado para o primeiro dia de ensaio e Garay me recepciona com ar de artista entediado, me faz duas ou três perguntas e pede pra eu testar algo que ele queria para essa instalação coreográfica.

Seu desejo: que eu ficasse de ponta cabeça, como na posição invertida de cabeça do yoga, por uma hora. Eu que pratico yoga há alguns anos pensei que poderia ser possível. A dor e o incômodo foram-me insuportáveis, pois além da pressão de todo o peso do corpo sobre minha cabeça, ainda havia em minhas pernas pedaços de madeira amarrados, como pernas de pau.

Dança de Shiva

No primeiro dia de ensaio consegui sustentar essa posição por oito minutos. Voltei para casa extremamente arrasado, mas não desisti. Retornei no dia seguinte e tentei me manter por mais tempo. Consegui, por 12 minutos, mas caí e quebrei as madeiras que não estavam muito bem fixas na minha perna.

Percebi que seria insano continuar tentando aquilo, que correria riscos sérios à minha saúde. Conversei com Garay e sugeri tentar uma outra ação para a instalação. Sua resposta: “Você desiste mesmo antes de tentar. Vou pensar se há uma outra ação que você possa fazer e te ligo…” Ele nunca me ligou. Não recebi também pelos dois dias perdidos –  mas salvei minha cervical.

Dancei.

…………

Continuo dançando. Faço aulas de dança do ventre para um próximo trabalho. Continuo pesquisando coisas com minha grande parceira de dança e amiga, Gladis Tridapalli, para nosso projeto Pão com linguiça e, por coincidência do destino e da vida, frito hambúrgueres 30 horas por semana.

Dançar no Brasil ou na França é se desdobrar em dois, em três, em quatro, para não desistir. Nao há glamour em se viver fora do país, pois aprendi, como diz Itamar Assunção, que “tudo cansa, mesmo vivendo na França, mesmo indo de avião”.

Dançar para mim tem a ver com inverter, inverter essa dança de ideais, inverter ideais de dança, mas se for pra inverter e continuar amarrando a perna no pau eu prefiro dançar em volta de um pau [2].

E no mais, a vida existe porque a dança não é suficiente.

 

Este foi o número de Neide Marela [3] para a abertura do Bar Nu Bahia:

 

 

[1] Meu marido chama-se Franck Schiano e nos conhecemos num supermercado em Montpellier.

[2] Parágrafo construído em colaboração-pitaco da artista da dança Renata Roel.

[3] Contatos para shows : +33 06 19 33 04 56

 

Ronie Rodrigues é Bacharel em Direção Teatral pela Faculdade de Artes do Paraná. Co-criador da Entretantas Conexão em Dança. Professor de francês, produtor e fritador de hamburguers no momento atual.

Neide Marela é dançarina e ex atleta. Cocriadora do evento Basquete das Excluídas. Stripteaser, datilógrafa, feminista e burlesca. Amiga próxima de Miss G, Teté de Lá Bàs,  Maria Palestra e do pintor Jeferson Poloque.