Um espaço para a dança de todos

Estão previstas para começar em 2011 as obras do Complexo Cultural – Teatro da Dança, construção de 95 mil metros quadrados projetado pela Secretaria de Estado de Cultura de São Paulo com o objetivo de ser o principal centro de apresentações de dança, música e ópera da América Latina. Com orçamento ainda em aberto, o complexo – que será erguido no bairro da Luz, no Centro de São Paulo – terá três teatros: um destinado para apresentações de dança e ópera com 1.750 lugares, outro com 600 lugares destinado a teatro e recitais, e ainda uma sala experimental, com palco reversível, e capacidade para 450 pessoas. Além disso, será a sede da São Paulo Companhia de Dança, criada em 2008 também pelo Governo do Estado de São Paulo.

A classe de dança, no entanto, tem olhado com desconfiança para números tão grandiosos. A principal polêmica é em torno do enorme investimento em uma única construção, cujo projeto não foi debatido com a classe. Buscando abrir um canal de diálogo com a secretaria, artistas de São Paulo escreveram uma carta aberta ao governador José Serra e ao secretário de Estado de Cultura, João Sayad. No texto – que já conta com mais de 500 adesões – eles sugerem a realização de um encontro para discutir propostas para a política cultural do Estado. O texto da carta está disponível na Internet (clique aqui para ler), mas um trecho dela segue abaixo:

Este documento tem o intuito de apresentar uma proposta cultural para São Paulo, a partir de uma reflexão sobre a iniciativa do Governo do Estado em dedicar um espaço de 95mil m2 à exibição das artes cênicas no bairro da Luz, na cidade de São Paulo, projeto que vem sendo chamado de Teatro da Dança. O porte da edificação que está sendo projetada implica no uso de mais de 300 milhões de reais. A classe artística em nenhum momento foi consultada e, assim, por meio deste documento, traz uma proposta com a mesma amplitude, porém fundamentada num conceito contemporâneo de arte, que prefere a relação direta com o cotidiano da cidade, e a plenitude da liberdade estética e criativa. Por meio deste documento, solicitamos um encontro entre a classe artística e o Ilmo Sr. Governador José Serra e o Ilmo Sr. João Sayad Secretário do Estado da Cultura sobre a presente proposta, derivações da mesma e para o aprimoramento de uma política pública cultural para a dança. Estamos dispostos a conversar (…)

“O movimento não é contra o teatro, mas questiona uma política cultural de caráter exclusivista que, ao invés de dar mais condições à cultura como um todo, se atém a iniciativas muito pontuais e com visões de mundo muito específicas. Ora, já que houve a abertura do Governo em disponibilizar uma verba tão grande na construção de um teatro no bairro da Luz e na sustentação de uma companhia de dança, companhias e criadores já existentes obviamente têm o direito de reivindicar mais dignidade econômica”, argumenta Elisa Ohtake.

A carta será entregue na próxima semana a João Sayad. A principal proposta dos artistas passa pela elaboração de um Programa de Dança de âmbito estadual. “Queremos promover o interesse em desenvolver um Programa de Dança que reconheça e valorize a diversidade da produção existente. Se esse Programa para a Dança também possibilitar a construção de galpões em uma mesma região possibilitando uma manifestação cênica múltipla na área, no bairro ou nos bairros, tanto melhor. Usamos esse exemplo extremo na carta do abaixo-assinado para deixar claro o quanto um pensamento fundado na diversidade e na autonomia cultural é potente se levado às últimas consequências. Esse pensamento é muito diferente das quatro salas de ensaio do futuro teatro que serão distribuídas a sortudas companhias de dança”, diz Cristian Duarte.

Para Adriana Grecchi, o Governo não valoriza os artistas que já estão ‘na estrada’ há muitos anos, e a construção do Teatro da Dança agravará a situação, já que apenas um pequeno número de profissionais participará deste processo. “A grande maioria dos grupos e artistas de São Paulo ficará totalmente fora deste processo. O que são quatro salas para centenas de grupos e artistas? Não faz sentido implantar/importar apenas um modelo único e centralizador em uma cidade cosmopolita onde já existem centenas de artistas que realizam há muitos anos trabalhos contínuos. O problema é a falta de apoio para a dança que já é realizada em São Paulo”.

O secretário João Sayad falou com o idança por email sobre os questionamentos da classe de dança com relação à centralização de investimentos na construção de um único teatro. Ele lembrou que o Teatro da Dança faz parte de todo um complexo, que atenderá também teatro e música clássica, não apenas a dança. “A Escola de Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim, que possui 2 mil alunos, também se mudará para o prédio. Além disso, lá funcionará um Museu da História da Dança, uma biblioteca de artes performáticas e uma escola de dança. E a sede da São Paulo Cia. de Dança, com duas grandes salas de ensaio à disposição de outras companhias de dança do Estado e do país, equipamentos que fazem falta em São Paulo”, afirmou.

Outro ponto comentado por ele foi a preocupação dos artistas com os investimentos em políticas públicas, já que a construção do teatro terá um preço altíssimo. “Ao mesmo tempo em que damos andamento a este projeto, estamos construindo nove Fábricas de Cultura em regiões com baixos indicadores sociais na capital. O investimento no Complexo Cultural – Teatro da Dança é compatível aos outros gastos da secretaria e não é feito em detrimento de gastos às regiões mais pobres da cidade”, garante Sayad.

Para Laura Bruno, o diálogo entre poder público e classe artística é fundamental neste momento e só as atitudes futuras apontarão como ficará a situação dos artistas independentes de São Paulo. “Essa é a primeira vez na história da política cultural de São Paulo que um investimento deste porte é feito em prol da dança. Mas, em uma visão de dança. O que esta carta pretende é começar um diálogo para ampliar estas visões. Este interesse é uma mudança radical que já afetou a política pública do estado e que irá afetar toda a história da dança de São Paulo. Como? Depende muito do que ocorrer daqui por diante. Caso os investimentos públicos em dança se atenham a um grande montante concentrado em um único projeto  novo, negligenciando todas as danças pré-existentes, estará sendo repetida a tradição de se abandonar o que existe para começar do zero a cada novo governo, a cada nova política”.

O idança quer saber: Você é a favor ou contra a construção do Complexo Artístico – Teatro da Dança? Por quê?

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