As danças urbanas nas universidades brasileiras

A primeira graduação em dança no Brasil surgiu na década de 1950.  Foi na Bahia que tudo começou. Depois de um salto de aproximadamente três décadas, surgiram outras graduações como a da Unicamp, em Campinas, e da FAP em Curitiba. Nos governos FHC, as universidades públicas sofreram com o sucateamento e com a aplicação de políticas neoliberais e, como resultado, poucas universidades públicas foram capazes de criar novas graduações e, muito menos, graduações em dança. Ao mesmo tempo, com o crescimento da educação privada, esse período marca também o surgimento de algumas graduações em universidades privadas.

A partir de 2003 o governo Lula implantou o programa Reuni, uma série de medidas que objetivavam promover a expansão física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação superior. Foram criadas mais universidades federais, além dos institutos federais que geraram mais vagas, mais cursos e cursos noturnos, em uma tentativa de promover a inclusão e diminuir a desigualdade social no país por meio da educação.

A dança, assim como outras áreas do conhecimento, recebeu um grande impulso na universidade. Hoje existem mais de 30 graduações em dança espalhadas pelo país – mais do que em todos os outros países da America Latina.  A grande maioria ainda está se consolidando, devido à falta de estrutura e à quantidade de professores, insuficiente para garantir uma boa formação. Mas é necessário considerar que, no futuro, esse volume de profissionais saindo da universidade irá impactar diretamente os caminhos que a dança brasileira irá tomar nos próximos anos, seja como professores, coreógrafos e bailarinos ou como produtores ou críticos de dança.

Nesse painel, onde ficam as danças urbanas? Que interferências elas podem receber? E que diálogo é possível estabelecer?

Obviamente a dança não se restringe à universidade. A universidade é um ambiente de ensino, mas não é o único. As danças urbanas, assim como outras manifestações, são algo muito complexo para se restringir a uma instituição ou a um grupo de pessoas.

As danças urbanas são uma manifestação recente. Há um relativo consenso quanto a seu surgimento nas décadas de 1960 e 1970.  Isso é só um jeito de abordar a questão, já que existem pesquisas que consideram as danças urbanas como um desdobramento do jazz, do soul, do funk ou das danças caribenhas.

Divergências à parte, o que é interessa que são uma manifestação juvenil, com poucos integrantes acima dos 40 anos. E por que isso interessa? Porque são raros os indivíduos mais jovens que assumem papeis de destaque na cultura. Na maioria das vezes começam dançando e, só com o tempo e com a idade, tornam-se professores, produtores ou coreógrafos. E estas funções são fundamentais para a manutenção, elaboração e renovação da cultura hip hop.

Bom, se há poucas pessoas acima de 40 de anos no hip hop, e se as graduações em dança no Brasil apenas recentemente vêm se expandindo, é possível deduzir que existem poucos professores nas graduações com alguma vivência nas danças urbanas e que, a partir delas, possam dialogar com jovens alunos das graduações que iniciaram sua trajetória de dança no universo da cultura hip hop. Isso não é bom nem ruim, é uma informação que devemos considerar.

Pode ser ruim, se considerarmos que alguns alunos que entraram nas universidades nos cursos de danças motivados pelo contato com o hip hop, por exemplo, podem mudar o foco de suas pesquisas, pela falta de professores com informação sobre danças urbanas para orientá-los. Os professores orientam a partir das referencias teóricas e da vivência que eles têm, e é aí que o foco pode mudar, ou seja, estes alunos podem decidir se dedicar a outras danças ou outras manifestações artísticas, já que não encontram ressonância nos professores.

No entanto, sendo o hip hop um fenômeno juvenil, em geral as pessoas entram nas universidades ainda jovens. As vagas nas universidades foram ampliadas com a política de expansão da rede publica de ensino e esta nova conjuntura está mudando todo o ambiente da dança brasileira.

É fundamental e estratégico que as danças urbanas estejam na universidade nesse momento. Ou seja, se este jovem que entrou na universidade não mudar o foco da sua pesquisa, no futuro será um praticante e conhecedor mais qualificado do hip hop que irá contribuir para a manutenção e ampliação da cultura.

Acredito que o potencial de diálogo entre as danças urbanas e as graduações em dança na universidade é promissor. A universidade tem muito a ganhar com a presença das danças da cultura hip hop. O hip hop também ganha com a proximidade com o saber acadêmico e a sociedade ganha com esse diálogo.

[Vanilton Lakka é coreógrafo, intérprete e professor na graduação em dança da UFBA.]