As estações, os sistemas e os mecanismos em cena | Stations, systems and the scene mechanisms

Este texto é oferecido em português pelo Goethe Institut.

Tradução de Peter Naumann

O texto Systems foi originalmente publicado na edição 1 da revista Stations*.

Por Thomas Lehmen – http://www.thomaslehmen.de.

A teoria dos sistemas me parece ser um meio adequado para por, no teatro, o ser humano em toda a sua complexidade em conexão com o seu ambiente, igualmente complexo, sem precisar submetê-lo à férula do ajuizamento moral, de critérios ideológicos de aferição, de profundezas psicológicas, de hipóteses metafísicas não-explicitadas ou de outras expectativas.

Mais importantes do que a apresentação, representação e recepção de idéias e mundos repassados de ideologia, ou do que as identificações por meio de caracteres e energias, me chama atenção os processos que transcorrem entre os diferentes fatores constituintes do teatro e do seu entorno: “idéia”, “atores no palco”, “receptores”, “entorno”, “dinheiro”, “palco”, “decisões de natureza política” e “decisões referentes a questões de organização”. Se estes promoverem trocas e fecundações recíprocas, se adicionalmente ainda forem flexíveis na discussão e constelação dos seus conteúdos, não deveríamos necessariamente chegar à comunicação por via da forma, mas ver os processos comunicativos e os efeitos por eles produzidos como o elemento propriamente dito.

O que me chamou a atenção nas reações às primeiras apresentações de Stationen foi a existência de duas posições fundamentalmente distintas do público. Por um lado, a dos receptores de fora, que em regra criticavam a ausência de uma forma e perguntavam pelo objetivo de toda a encenação; por outro, as reações dos que entravam no sistema pela comunicação (e não compreendo comunicação apenas no sentido da comunicação verbal).

A própria realidade é informação, obviamente. Não nos protegesse o nosso cérebro contra a visão de toda a realidade, provavelmente não poderíamos sobreviver. Somente a distância da observação possibilita a percepção seletiva, com isso a diferenciação e, finalmente, o reconhecimento da forma. A participação desses processos possibilita o ingresso nos acontecimentos. Nesse caso de participação ativa, de qualquer modo não percebemos mais uma forma, pois na condição de parte do processo dos acontecimentos estamos ao mesmo tempo imersos no processo de compreensão e com isso na própria criação. Quem tentar conhecer por fora, talvez compreenda algo, suposto que tenha uma pergunta; mas ele nunca poderá compreender no sentido de uma compreensão recíproca. Lá fora somente podemos ser incluídos como elemento ampliador do sistema, por meio de um observador adicional e da sua observação. Podemos fazer essa observação também em nós mesmos, mas infelizmente sempre permanecemos isolados com ela.

A apresentação e a representação, reduzidas ao funcionalmente mais necessário, não espelham os acontecimentos, mas são funções, entre outras, a constituírem o sentido que pode ser experimentado e criado. O fator decisivo reside nos processos dos sistemas entre si. Com isso, 99% das técnicas de trabalho dos coreógrafos, técnicos, dramaturgos, diretores de teatro, bailarinos, atores visam produzir uma peça representável, isto é, pré-produzida. O sistema organizacional da engrenagem do teatro e dos espetáculos está direcionado para esse objetivo do mesmo modo, pelo qual o público se vê reduzido à pura postura de receptores. Já que os papéis estão tão claramente definidos, deveríamos, afinal de contas, deixar que o público participasse desses processos, sem cuja transparência nem seria possível a participação consciente desse arcabouço de sentidos:

– identificação e diferença entre público e atores

– atualidade e possibilidades dos atores no palco na discussão do material

– referência ao entorno por meio de associações, excursões e incursões.

Além disso naturalmente é possível colocar os fatores constituintes de um modo que pareça fazer sentido. Os fatores “idéia”, “autor”, “receptor”, “ator no palco”, “dinheiro”, “lugar”, “decisões de natureza política” e “decisões referentes a questões de organização” podem ser combinados em qualquer constelação e forma imagináveis.

Como seria, por exemplo, um trabalho que produz a partir de idéias do público, é pago com recursos financeiros destinados aos atores e bailarinos, vista por políticos na sala de estar do autor, contanto este não tenha sido banido, e cuja organização é assumida pelo posto de atendimento mantido pela igreja nas estações ferroviárias? Ou os autores são pessoas que necessitam do atendimento mantido pela igreja nas estações ferroviárias; responsáveis por decisões de caráter político apresentam a peça, o teatro coloca a infra-estrutura à disposição, e para o gáudio de todos a encenação é transmitida da Antártida por satélite até as nossas salas de estar, embora tenha como público in loco apenas os pingüins.

Vocês acham que isso não faz muito sentido?

Será que faz mais sentido, chegar sempre de novo na mesma constelação até as fronteiras sempre iguais, somente em colorações geracionais distintas? E será que, além disso, faz mais sentido querer ver nessas modas o traço distintivo mais importante da imagem do ser humano em evolução?

E até onde remontam as possibilidades da produção no âmbito de regras tacitamente pressupostas em uma casa que depende de verbas e, do ponto de vista da organização, somente pode admitir versões padronizadas? Que segmento das artes cênicas na Alemanha atual está em condições de relacionar-se com quais aspectos atuais da vida na sua forma ideal ou material, fora do teatro, para não falar do avanço da discussão dos grandes temas da sociedade?

Mas será que a arte sempre deve ser o particular? Será que a aceitação da banalidade não contém a arte da compreensão?

Às vezes já basta quando os objetos envolvidos são colocados conjuntamente num processo consciente, não importa em que idéias se baseiem e qual execução visualize essas idéias. Aceita essa condição, o sistema funciona. Quem sabe mais deve introduzir nele esse saber ou, mais especificamente, assegurar-se da compreensão dos outros. Do contrário ele estará fora.

* A revista “STATIONS”, publicada por Thomas Lehmen

Publicada irregularmente, “Stations” acompanhará o projeto do mesmo nome, que começou como “Station 1, Berlin” em outubro 2003 no Podewil e continuará em 2004 em Bruxelas e em Ghent. A série de livretos traz os textos sobre o trabalho assim como o processo próprio do trabalho. Deve ser compreendida como um fórum aberto à reflexão na prática coreográfica, que olha mais o desenvolvimento dos processos, das estruturas dos sistemas e questões de entendimento, que a produção de formas reprodutíveis de (re)presentação. Para as performances de “Station 1, Berlin”, as seguintes edições estão sendo publicadas:

Edição 1 – Textos: P. Husemann / F.A. Cramer / Thomas Lehmen (alemão/inglês)

– “Choreography as Critical Practice”, de Pirkko Husemann;

– “Approaching Stationen: an exploration into the mutual tolerance of stage and audience”, de Franz Anton Cramer;

– “Systems”, de Thomas Lehmen

Edição 2 – Gente de várias profissões (alemão)

– Relatórios em sistemas de trabalho por Dennis Berger. Knut Ernst, Roy Hensen, Ullrich Herzfeld, Arno Kölker, Thomas Lehmen, Bernd Saremba, Ronny Scharnke, Silvia Scharnke, Franz-Bernhard Theele.

Edição 3 – Textos: N. Stewart / P. Stamer/ Thomas Lehmen (alemão/inglês)

-“To-And-Fro And In-Between: The Ontology Of The Image In Thomas Lehmen’s Stations”, de Nigel Stewart.

– “Hand-lending”, de Peter Stamer.

Edição 4 – Glossário (alemão/inglês)

– ÿndice de termos principais de A a W, publicado por Sven-Thore Kramm e Thomas Lehmen.

Edição 5 – Discussão: F.A. Cramer / Thomas Lehmen / P. Stamer / N. Stewart (inglês)

– Uma discussão da mesa redonda entre Franz Anton Cramer, Thomas Lehmen, Peter Stamer e Nigel Stewart (gravado em agosto 2003 no Podewil, em Berlim).

The article Systems was originally published in the first edition of Stations* magazine.

Thomas Lehmen – http://www.thomaslehmen.de.

Die Systemtheorie scheint mir ein geeignetes Mittel zu sein, den Menschen in all seiner Komplexität im Theater in Verbindung mit seiner ebenso komplexen Umwelt zu setzen, ohne ihn unter die Knute von moralischer Bewertung, ideologischen Maßstäben, psychologischen Tiefen, metaphysisch Unausgesprochenem oder sonstigen Erwartungen stellen zu müssen.

Wichtiger als die Präsentation, Repräsentation und Rezeption von ideologischen Gedanken und Welten oder Identifikationen durch Charaktere und Energien erscheinen mir die Prozesse, die sich zwischen den verschiedenen konstituierenden Faktoren des Theaters und seiner Umwelt abspielen: „Idee”, „Bühnende”, „Rezipienten”, „Umwelt”, „Geld”, „Bühne”, „politische” und „organisatorische Entscheidungen”. Stehen diese in einem sich gegenseitig austauschenden und befruchtenden Verhältnis, sind diese obendrein noch flexibel in ihrer inhaltlichen Auseinandersetzung und Konstellation, so sollte man nicht notwendigerweise über die Form zur Kommunikation kommen müssen, sondern die kommunikativen Prozesse und ihre Wirkung als das eigentliche Element sehen können.

Was mir an den Reaktionen auf die ersten öffentlichen Showings von “Stationen” auffiel war, dass es zwei grundlegend verschiedene Positionen des Publikums gab. Einerseits die der außenstehenden Rezipienten, die im Regelfall die fehlende Form kritisiert und nach dem Ziel der ganzen Angelegenheit gesucht haben und andererseits diejenigen, die in der Kommunikation, und hiermit meine ich nicht nur die verbale, den Einstieg in das System fanden.

Das Reale selbst ist natürlich formlos. Würde unser Hirn uns nicht davor schützen das ganze Reale zu sehen, würden wir wahrscheinlich nicht überlebensfähig sein. Erst die Distanz der Beobachtung ermöglicht das selektierte Wahrnehmen, damit die Differenzierung und schließlich das Erkennen der Form. Der Prozess der Teilnahme an diesen Prozessen ermöglicht den Einstieg ins Geschehen. In diesem Fall der aktiven Teilnahme sieht man eh keine Form mehr, weil man als Teil des Prozesses des Geschehens zugleich im Prozess des Verstehens und somit im Kreieren selbst ist. Derjenige, der von außen zu erkennen versucht, versteht vielleicht etwas, vorausgesetzt er hat eine Frage, wird aber nie verstehen können im Sinne eines beiderseitigen Verständnisses. Dort draußen kann man nur als systemerweiterndes Element durch einen weiteren Beobachter und dessen Beobachtung eingeschlossen werden. Diese Beobachtung kann man auch mit sich selbst vollziehen, man bleibt dabei aber leider alleine.

Präsentation und Repräsentation, auf das funktional Notwendigste reduziert, spiegeln das Geschehen nicht wieder, sondern sind Funktionen unter anderen, die den erfahrbaren und kreierbaren Sinn konstituieren. Die Prozesse der Systeme untereinander sind der entscheidende Faktor.99 % der Arbeitstechniken der Choreographen, Techniker, Dramaturgen, Regisseure, Tänzer, Darsteller sind darauf ausgerichtet ein repräsentierbares, also vorproduziertes Stück zu erstellen. Das Organisationssystem der Theater- und Veranstaltungsmaschinerie ist hierauf ebenso ausgerichtet, wie das Publikum auf die reine Rezipientenhaltung reduziert ist. Sind die Rollen schon so klar definiert, so sollte man doch das Publikum an diesen Prozessen teilhaben lassen. Die Transparenz dieser Prozesse ermöglicht erst die bewusste Teilhabe an diesem Sinngefüge:

– Identifikation und Differenz von Publikum und Bühnenden

– Aktualität und Possibilität des Bühnenden in Auseinandersetzung mit dem Material

– Umweltbezug durch Assoziationen, Exkursionen und Inkursionen

Darüber hinaus ist es natürlich möglich die konstituierenden Faktoren so zu setzen wie es sinnvoll erscheint. Die Faktoren „Idee”, „Autor”, „Rezipienten”, „Bühnende”, „Geld”, „Ort”, „politische Entscheidungen”, „organisatorische Entscheidungen”, „Umwelt” können in jeder nur erdenklichen Konstellation und Form zusammengelegt werden.

Wie sähe z.B. eine Arbeit aus, die aus den Ideen des Publikums erstellt, vom Budget der Bühnenden bezahlt, von Politikern im Wohnzimmer des Autors angeschaut wird, sofern dieser nicht eh verbannt ist, und deren Organisation von der Bahnhofsmission übernommen wird? Oder die Autoren sind Leute, die die Bahnhofsmission nötig haben, politische Entscheidungsträger führen das Stück auf, das Theater stellt die Infrastruktur zur Verfügung und zur Belustigung aller, wird es aus der Eiswüste der Arktis per Satellit zwar in unsere Wohnzimmer übertragen, vor Ort kommt es aber nur mit den Pinguinen als Publikum zur Aufführung.

Ihnen erscheint dies wenig sinnvoll?

Ist es sinnvoller immer wieder in derselben Konstellation an die immergleichen Grenzen zu gelangen, nur in unterschiedlichen Färbungen der Generationen und diese Moden obendrein als wichtigstes Merkmal des fortschreitenden Bildes des Menschen erkennen zu wollen?Und ist es nicht sinnvoll durch Übertragung der Systeme aufeinander dieselben sich relativieren zu lassen?

Und wie weit reichen denn die Möglichkeiten der Produktion innerhalb unausgesprochener Regeln der Produktion in einem Haus, das vom Geld abhängig, organisatorisch nur noch standardisierte Fassungen zulassen kann? Wie viel der aktuellen Bühnenkunst ist denn in der Lage sich mit welchen aktuellen Aspekten des Lebens ideeller oder materieller Form außerhalb des Theaters in Relation zu setzen? Geschweige denn die Auseinandersetzung der Gesellschaft mit ihren Themen weiter zu bringen?

Aber muss Kunst immer das Besondere sein? Liegt nicht im Akzeptieren des Banalen die Kunst des Verstehens?

Manchmal reicht es schon, wenn die beteiligten Dinge in einen bewussten Prozess miteinander gebracht werden. Auf wessen Ideen auch immer basierend und durch wessen Ausführung auch immer verdeutlicht. Ist dies akzeptiert, funktioniert das System. Derjenige, der mehr weiß, muss dieses Wissen hineingeben, und zwar sich des Verstehens der Anderen vergewissernd, sonst ist er draußen.

*The magazine “STATIONS”, published by Thomas Lehmen

Published irregularly, the magazine “Stations” will accompany the project of the same name by Thomas Lehmen, which began as “Station 1, Berlin” in October 2003 in Podewil and will continue in 2004 in Brussels and Ghent. The series of booklets brings together texts about the work as well as the work process itself. It is to be understood as an open form of reflection on a choreographic practice, which looks more at developments of processes, structures of systems and questions of understanding, rather than at the production of reproducible forms of (re)presentation. For the performances of “Station 1, Berlin”, the following issues are being published:

Issue 1 – Texts: P. Husemann / F.A. Cramer / Th. Lehmen (germ./engl.)

– Pirkko Husemann “Choreography as Critical Practice”;

– Franz Anton Cramer “Approaching Stationen: an exploration into the mutual tolerance of stage and audience”;

– Thomas Lehmen “Systems”.

Issue 2 – People from various professions (germ.)

– Reports on working systems by Dennis Berger. Knut Ernst, Roy Hensen, Ullrich Herzfeld, Arno Kölker, Thomas Lehmen, Bernd Saremba, Ronny Scharnke, Silvia Scharnke, Franz-Bernhard Theele.

Issue 3 – Texts: N. Stewart / P. Stamer / Th. Lehmen (germ./engl.)

– Nigel Stewart “To-And-Fro And In-Between: The Ontology Of The Image In Thomas Lehmen’s Stations”;

– Peter Stamer “Hand-lending”.

Issue 4 – Glossary (germ./engl.)

– Index of main terms from A, like aesthetic, to W like work, published by Sven-Thore Kramm and Thomas Lehmen.

Issue 5 – Discussion: F.A. Cramer / Th. Lehmen / P. Stamer / N. Stewart (engl.)

– A round table discussion between Franz Anton Cramer, Thomas Lehmen, Peter Stamer and Nigel Stewart (recorded on the 20th and 22nd August 2003 in Podewil, Berlin).