Balé Folclórico da Bahia: 20 anos de pesquisa cultural|Balé Folclórico da Bahia: 20 years os cultural research

Há 20 anos, um grupo de danças folclóricas saído de Salvador conquistava o público do Festival de Joinville ao dançar em homenagem aos 100 anos da abolição dos escravos. O sucesso da então apresentação única dentro da programação do festival rendeu uma pequena turnê por Santa Catarina, além do batismo do grupo que está oficialmente completando 20 anos em 2008: Balé Folclórico da Bahia (BFB).


As duas décadas de história do Balé começaram pelas mãos de Walson Botelho e Ninho Reis, os fundadores. Eles haviam sido colegas no grupo de danças folclóricas Viva Bahia, um dos mais famosos dentro e fora do país na década de 80. Em 1985, Walson – o Vavá – saiu da companhia para terminar a faculdade de Antropologia. Formado, recebeu muitos convites para voltar ao mundo da dança, mas a idéia do que mais tarde se tornaria o Balé Folclórico já começava a tomar conta da cabeça de Vavá. “Muitos amigos me chamaram para trabalhar, mas meu objetivo não era aquele. Eu sonhava com a profissionalização do trabalho de bailarino”, lembra o coreógrafo. A oportunidade apareceu em 1988, quando uma grande empresa o contratou para que realizasse um show com danças folclóricas. “A partir dali não paramos mais, foi um show atrás do outro. Fomos juntando o que tínhamos de melhor e, em algum tempo, já podíamos nos manter apenas com os cachês. E foi nesse contexto que surgiu o convite para ir a Joinville”, conta Vavá, orgulhoso. “Lá foi um teste para nós, se desse errado eu pararia por ali”. A empreitada deu certo e de lá pra cá o Balé Folclórico da Bahia recebeu inúmeros prêmios nacionais e internacionais.


Mas o caminho não foi sempre tão simples. Até 1994, o BFB teve dificuldades para encontrar espaços para se apresentar no circuito comercial justamente por basear seu trabalho na dança folclórica baiana. “Foi uma época em que o folclore estava desgastado em todo o mundo, o público já estava saturado, tudo o que existia era muito igual. Só conseguíamos participar de festas culturais. Até que o Guy Darmet (diretor da Bienal de Lyon) veio a Bahia, nos conheceu e nos convidou para participar do festival”, recorda Vavá. Novamente as portas se abriram para o Balé.


Fêmeas / Foto divulgação

Fêmeas / Foto divulgação


Hoje, o grupo conta com uma equipe de 40 pessoas – entre bailarinos, músicos e técnicos – e um currículo comparável ao de uma companhia clássica. “Nosso trabalho é diferente porque conseguimos aliar o que há de mais puro da cultura folclórica tradicional a uma linguagem contemporânea”, explica o coreógrafo e diretor do BFB. Essa mistura entre tradicional e contemporâneo a que Vavá se refere é visível no palco e resultado de muito trabalho de pesquisa aliado a aulas para melhorar a técnica. “Dou o maculelê como exemplo. É uma dança típica dos escravos que trabalhavam na cana-de-açúcar, com movimentação violenta e movimentos bem característicos. No Balé, nós fazemos esses movimentos característicos mas com incremento técnico, aliamos a técnica sem perder a dança tradicional. Não vejo essa evolução em outros grupos”, afirma ele.


Para alcançar essa técnica, os bailarinos se dividem entre ensaios e aulas oito horas por dia, de segunda-feira a sábado. Eles têm aulas de balé, dança contemporânea, dança moderna, dança afro-brasileira, capoeira e o que mais for necessário para a composição de um novo trabalho. “O bailarino que se forma aqui está apto a dançar em companhias de qualquer outro estilo”, orgulha-se Vavá.


E como várias boas iniciativas pelo Brasil, o BFB também resolveu disseminar sua arte para fora das salas de ensaio e, há seis anos, criou o Balé Jr. Com crianças de quatro a 14 anos, a ‘escolinha’ começou de uma forma curiosa: incomodados com a algazarra que os meninos de rua faziam do lado de fora, os bailarinos resolveram convidá-los para entrar. Pronto. “O projeto ganhou corpo e resolvemos estendê-lo para toda a cidade. Hoje temos mais de 200 crianças de classe baixa, não apenas meninos e meninas de rua”, comemora Vavá.


Além das aulas, as crianças participam freqüentemente de mostras de trabalhos seus e dos bailarinos da companhia oficial como uma forma de incentivo para que eles continuem no projeto. De uma dessas mostras nasceu outro projeto do Balé Folclórico: o Balé que você não vê. Nele, o folclore dá lugar a remontagens de espetáculos clássicos, modernos e contemporâneos feitas pelos próprios bailarinos – que também podem experimentar áreas como figurino, iluminação e cenografia. O resultado desse ‘projeto paralelo’ que mostra uma outra cara da companhia é mostrado diariamente, de segunda-feira a sábado, no Teatro Miguel Santana, no Pelourinho, logo após a apresentação diária e oficial do Balé.


Orgulho de Vavá Botelho e um dos símbolos da carreira bem-sucedida do BFB, o Balé que você não vê acabou inspirando o espetáculo comemorativo pelos 20 anos da companhia, que foi apresentado sábado e domingo (23 e 24/08), no Teatro Castro Alves, em Salvador. Especialmente para a data, a companhia criou Sagração, uma releitura de Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, que mostrará a vertente contemporânea do grupo. A coreografia é José Carlos Aranbiba, o Zebrinha. A segunda parte, sim, mostrará o folclore que acompanha o grupo há 20 anos com trechos dos espetáculos Oxalá (98), Afixirê (90), Capoeira do Amor (94), Berimbau (2004), Dança de origem e Puxada de Rede (88).


“Trata-se de um espetáculo comemorativo. Não entrará no nosso repertório, nossa linguagem é folclórica. Criar um espetáculo folclórico demanda tempo e dinheiro e como não tivemos patrocínio, não pudemos criar nada novo. Não se pode inventar o folclore, ele está baseado na cultura. É um trabalho de pesquisa muito grande, já que o folclore já está quase todo morto”, explica Vavá. “Optamos, assim, por explorar o Balé que você não vê para valorizar os nossos bailarinos pois é tão difícil fazer arte no Brasil.” Mas não se pode negar que ele está vendo realizado o sonho de profissionalização que, lá atrás, o impulsionou a criar o Balé Folclórico da Bahia.


20 years ago, a folkloric dance group out of Salvador conquered the audience of Festival de Joinville by dancing a tribute to the 100th anniversary of the slavery abolition in Brazil. The success of that first, and then only, show in the festival program prompted a small tour through Santa Catarina, and originated the name of the group that is celebrating its 20th birthday in 2008: Balé Folclórico da Bahia.

The two decades of the Balé history started through the work of Walson Botelho and Ninho Reis, the founders. They had been colleagues in the folkloric dance group Viva Bahia, one of the most famous groups in and out of the country in the 80´s. In 1985, Walson – aka Vava – left the group the finish studying Antropology. After graduation, he received many invitations to come back to the dance scene, but the idea of what later became Balé Folclórico was already in his mind. “Many friends invited me to work, but that wasn´t my goal. I dreamed of the profissionalization of the work of dancers”, remembers the choreographer. The opportunity came in 1988, when a large company hired him to produce a show of folkloric dance. “From that point on, we didn´t stop, it was one show after the other. We put together the best of what we had and, after some time, we were able to live out of our payment. And it was in that context that the invitation to Joinville came up” says a proud Vava. “It was a test for us, if it had not worked, I would have given up right there.” The enterprise worked and since then, Balé Folclórico da Bahia received countless national and international awards.

But the path was not always so smooth. Until 1994, BFB had trouble finding venues to perform in the commercial circuit exactly for having the folkloric dance of Bahia as foundation for their work. “It was a time when folklore was washed out all over the world, the audiences were saturated, everything was just the same. We could only participate in cultural festivals. Until Guy Darmet (director of Biennale de Lyon) came to Bahia, got to know us and invited us to participate in the festival”, remembers Vavá. Again, the doors opened to Balé.


Fêmeas / Foto divulgação

Fêmeas / Foto divulgação


Nowadays, the group has a crew of 40 people – dancers, musicians and technicians – and a resumé that can be compared to that of a classic company. “Our work is different because we are able to combine the most pure elements of traditional folkloric culture and contemporary dance language”, explains the choreographer and director of BFB. This mixture of traditional and contemporary Vava mentions is noticeable on stage and is the result of a lot of research work combined with classes to improve technique. “I teach maculelê, for example. It´s a typical dance of the slaves who worked in the sugar cane plantations, with violent movement and very characteristic moves. In Balé, we perform these characteristic moves, but with technical enhancement, we combine technique without losing the traditional dance. I don´t see that evolution in other groups”.

To reach this technique, the dancers divide themselves between rehearses and classes eight hours a day, from Monday to Saturday. They have classes of ballet, contemporary dance, modern dance, afro-brazilian dance, capoeira and whatever else is necessary for the composition of a new piece. “The dancer that is trained here is apt to dance in companies of all styles”, says a proud Vava.

And, as many other good initiatives throughout Brazil, BFB also decided to spread their art outside the rehearsal rooms and, six years ago, created Balé Jr. With children of 4 to 14 years old, the school started in a peculiar way: annoyed with the noise the street kids were making outside, the dancers decided to invite them in. “The project built up and we decided to expand it to the whole city. Nowadays, we have over 200 poor children, not only street kids”, celebrates Vava.

Besides the classes, the children often participate in presentations of their own work and the work of dancers of the official company as way to encourage them to stick with the project. From one of these presentations, a new project was born: Balé que você não vê (the Ballet you don´t see). Folklore gives place to re-creations of classic, modern and contemporary shows done by the dancers themselves – who can also experiment in other areas such as costumes, lighting and stage setting. The result of this ‘side project’, that shows a another side of the company, is presented daily, from Monday to Saturday, in Miguel Santana Theatre, in Pelourinho, right after the daily official presentation of Balé.

The pride of Vava Botelho and one of the symbols of the successful carrier of BFB, the Balé you don´t see ended up inspiring the commemorative 20th anniversary show of the company, which was presented Saturday and Sunday (August 23 and 24), in Castro Alves Theatre, in Salvador. Specially for the date, the company created Sagração, a re-creation of Rite of Spring, by Igor Stravinsky, that showed the contemporary verve of the company. The choreography was created by José Carlos Aranbiba, known as Zebrinha. The second part will show the folklore that has been part of the company in the last 20 years, with excerpts of the shows Oxalá (98), Afixirê (90), Capoeira do Amor (94), Berimbau (2004), Dança de origem and Puxada de Rede (88).

“This is a commemorative show. It won´t be part of our repertory, our language is folkloric. Creating a folkloric show requires time and money and since we have no sponsorship, we couldn´t create anything new. Folklore can´t be invented, it´s based on culture. It´s great research work, since folklore is almost all dead”, explains Vava. “We opted, therefore, to explore Balé you don´t see to value our dancers because it´s so difficult to work with art in Brazil.” There´s no denying he is watching his dream come true, the professionalization that, back then, urged him to create Balé Folclórico da Bahia.