Brasil, interrompido

O www.idanca.net reproduz abaixo a carta aberta enviada à comunidade por Rossine Freitas, produtor executivo do festival, e o artigo publicado pelo crítico e curador Roberto Pereira no Jornal do Brasil do Rio de Janeiro, www.jb.com.br .Quem quiser manifestar seu apoio ao Dança Brasil pode enviar sua carta ao email do curador Leonel Brum (leobrum@terra.com.br). Um dossiê com as cartas de apoio será usado pelos organizadores para tentar levar o projeto a outras instituições.

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2005.

Carta Aberta à Dança Brasileira

Prezados Srs.,

Nós, abaixo assinados, responsáveis pela criação e produção do DANÇA BRASIL,festival de dança contemporânea brasileira, realizado, desde 1997, no CentroCultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro e, desde 2002, simultaneamente noCentro Cultural Banco do Brasil de Brasília, vimos através desta anunciar asuspensão da edição 2005, anteriormente prevista para abril, comoregularmente realizada nos últimos oito anos.

O DANÇA BRASIL não foi escolhido para a grade de eventos patrocinados pelosCentros Culturais Banco do Brasil das duas cidades para o ano de 2005,conforme lista de eventos selecionados e disponibilizados no website do CCBBem 2 de fevereiro último, e correspondência a nós enviada com essainformação somente nessa mesma data. Informamos que nenhuma razão nos foiapresentada para essa decisão e entendemos assim que novos critérios eprioridades tenham sido assumidos.

Vimos publicamente agradecer o patrocínio recebido do CCBB nos anosanteriores, o que permitiu a história de oito anos do DANÇA BRASIL, eressaltar que, embora o evento tenha saído dos interesses do CentroCultural, continuamos a acreditar em sua validade e importância para a dançabrasileira e seus profissionais. Infelizmente, essa mudança não nos foicomunicada com antecedência suficiente para que pudéssemos viabilizar oevento com outros aportes, e assim não deixar esta lacuna para a dançabrasileira. Pedimos aqui desculpas públicas aos grupos convidados para aedição deste ano por esse cancelamento.

Gostaríamos ainda de agradecer a todos os profissionais envolvidos nos quasecinqüenta grupos e companhias brasileiras de dança que apresentaram seustrabalhos entre 1997 e 2004, e também ao público e à imprensa que sempreprestigiaram o evento. E informamos que estamos procurando novos parceiros epatrocinadores na tentativa de realizar a nona edição do evento ainda no anode 2005, ou para que possamos retornar em 2006.

Atenciosamente,

Ailton Franco Jr. – Rossine A. Freitas
Direção Executiva

Leonel Brum
Direção Artística

Silvia Soter
Curadora Convidada

Publicado no Caderno B do Jornal do Brasil em 05/02/2005.

O fim do Dança Brasil

A dança carioca, e por que não dizer também a dança brasileira, acaba de perder um de seus mais importantes lugares de resistência artística e política. Neste último dia 2 de fevereiro, o Centro Cultural do Banco do Brasil anunciou a lista de seus projetos selecionados e o festival Dança Brasil não foi mencionado.

Tudo bem que o Dança Brasil iria representar em sua nona edição, neste ano de 2005, um feito mais que importante neste país de descontinuidades, sobretudo quando o assunto é arte e cultura. E que todo o sentido de tradição, que dialoga com o sentido de transformação, só se constrói numa sociedade quando o tempo passa a ser a chave mestra.

Tudo bem também que o Dança Brasil era, se não o único, pelo menos o mais importante evento dedicado especificamente à dança numa instituição tão importante como o Centro Cultural do Banco do Brasil. Mas que, mesmo assim, mesmo com o indiscutível sucesso de suas edições, nunca foi alçado à categoria de um evento digno de ser apresentado em seu teatro maior. Tudo bem que a curadoria do festival tentava se adequar como podia às dimensões nem sempre ótimas do Teatro II, afinal, curadoria no Brasil só acontece se esse tipo de adequação for feita, porque as condições quase nunca são as melhores, isso em todas as linguagens artísticas.

Claro, tudo bem que o Dança Brasil dividia a cena dos eventos mais importantes no primeiro semestre na cidade com o Solos de Dança no Sesc, contrapondo-se ao Panorama RioArte de Dança, que acontece no segundo semestre. Juntos, esses três festivais compunham um calendário invejável que só o Rio de Janeiro possuía no Brasil.

E tudo bem também que o Dança Brasil era assinado por dois importantes pesquisadores como Leonel Brum e Silvia Soter, além de ter contado com a primorosa produção de Rossine Freitas e Ailton Franco. E que, sempre temático, promovia discussões que instigavam a reflexão de toda a classe da dança junto com seu público, através do projeto Palco Aberto. Em sua primeira edição, em 1997, observou-se a relação da dança com a literatura; em 1998, com as artes plásticas; em 1999, com a identidade cultural e a noção de brasilidade; em 2000, com o teatro; em 2001, com a tecnologia; em 2002, com as Seis propostas para o próximo milênio de Italo Calvino; em 2003, com a música; e, finalmente, em 2004, com a idéia de espaço: todos temas muito relevantes transformados em um festival de uma sabedoria muitas vezes pioneira, que reuniu não menos de 50 grupos e companhias ao longo desses oito anos.

Tudo bem que uma galeria de importantes coreógrafos cariocas ali se apresentaram, como Lia Rodrigues, João Saldanha, Márcia Milhazes, Paula Nestorov, Márcia Rubin, Ana Vitória, Dani Lima, Paulo Caldas, Esther Weitzman e Carlota Portella. E tudo bem que a mostra paralela de vídeo trazia reunida pela primeira vez na cidade uma gama internacional enorme de produção de vídeo-dança, oferecida a preços muito acessíveis ao público.

Tudo bem tudo isso. Mas é o que o Dança Brasil representava, como lugar de resistência num país cuja a política cultural para a dança é quase nula, o mais premente a ser pensado. Há muito os festivais se tornaram a única possibilidade de nossos artistas circularem com seus trabalhos para fora de suas cidades. E os cachês pagos por esses festivais representavam, e ainda representam, muitas vezes, a sobrevivência de companhias durante um tempo considerável. Essa é a grande perda. Irremediável, para um instituto que agrega em seu próprio nome a idéia de cultura e a palavra Brasil.