Chinita Ullman e a estética expressionista que chegava ao Brasil

Marcia Bozon foi bailarina e coreógrafa com especialização na Folkwang Hochschule em Essen, Alemanha, e Mestrado em Artes pela UNICAMP. Psicóloga, atualmente trabalha como eutonista e psicoterapeuta, desenvolvendo um trabalho de reeducação pelo movimento e integração psico-física.

Nascida em Porto Alegre, filha de mãe brasileira e pai alemão, Chinita Ullman partiu para a Alemanha ainda na adolescência com o intuito de tornar-se pianista. Lá descobriu seu interesse pela dança e ingressou na Escola de Mary Wigman em Dresden onde se formou bailarina, tornando-se, entre 1925 e 1927 integrante da Companhia de Mary Wigman.A Escola de Mary Wigman estimulava seus alunos a descobrirem e desenvolverem sua expressividade e movimenteções próprias, de maneira que os conteúdos psíquicos juntamente com as destrezas físicas naturais a cada indivíduo viessem à tona, sendo trabalhadas posteriormente enquanto arte do movimento.

Após dois anos de trabalho na Companhia de Mary Wigman, Chinita Ullman lançou-se à carreira de coreógrafa e intérprete de suas próprias criações ao lado de Carletto Thieben, seu colega na Escola de Dresden, então contratado como solista pelo Escala de Milão.O resultado dessa união resultou numa experiência bem sucedida, de forma que os dois jovens coreógrafos e intérpretes tiveram a oportunidade de apresentar-se em turnês por toda a Europa, Estados Unidos e América Latina.

Segundo a crítica publicada no Der Tag de Berlim em 1930, Chinita Ullman era dotada de técnica impecável e grande força de expressão. Como Mary Wigman, assimilava formas coreográficas exóticas e as submetia à sua ardente personalidade, deixando aflorar virtuosamente o limite esforço, expressando ainda extrema feminilidade. Unia a espontaneidade e a simplicidade dos gestos e movimentos a sua maleabilidade ondulante, quase elástica. Bastante instintiva e sensual, Chinita Ullman trazia em suas danças cadências livres, panos largos e alegria pagã.

Para Chinita Ullman a Dança Clássica era “aprender”, enquanto a Dança Expressionista era “criar”. A arte do ballet estaria sempre em busca da alegria, da leveza e do divertimento, enquanto a Dança Expressionista representava os “estados da alma” , era uma forma de arte expressiva. Rítmos que se fazem gestos e gestos que se espiritualizam em poemas plásticos, assim era para ela a Dança Expressionista, tradutora da vida em movimentos estilizados que transbordavam lirismo.

Considerava que a arte da dança tinha a possibilidade de envolver em si mesma todas as outras formas artísticas, no sentido em que as figuras coreográficas obedecem a linhas arquitetônicas, a música é envolvida na sagração de todos os rítmos, a escultura nas formas plásticas, a pintura nas cores da indumentária e a poesia na eurritmia do movimento. Isso justificava sua opção pela Dança Expressionista.

No ano de 1932, Chinita Ullman chega a São Paulo ao lado de Kitty Bodenheim, sua nova partner. Ex-aluna de Chinita em Colônia e posteriormente também aluna da Escola de Dresden, Kitty era uma bailarina alemã com forte influência da Dança Clássica. Neste momento, surgia em São Paulo a primeira escola de dança com enfoque na Dança Moderna.

Sediada à Rua do Maranhão, 44, a chamada “Academia de Bailado” tinha como objetivo formar bailarinos eficientes em técnica e criatividade. Kitty Bodenheim era a diretora técnica e encarregada pelos ensinamentos mais voltados para a dança tradicional, enquanto Chinita Ullman se responsabilizava por desenvolver a expressividade em cada discípulo, além dos ensinamentos específicos da Dança Moderna. Outro objetivo do curso era estabelecer a cultura sistemática do corpo, através de desenvolvimento harmonioso de suas funções e de sua educação estética, por meio de exercícios físicos preliminares, estudos de expressão pelo movimento, improvisação, composição coreográfica e estudos rítmicos-musicais, mantendo um programa similar ao da escola fundada por Hanya Holm em Nova Yorque.

Com o tempo, Chinita e Kitty passaram a incluir alguma de suas mais talentosas alunas em suas montagens obtendo bastante sucesso. Em 1943, o espetáculo realizado no Teatro Municipal com o acompanhamento da Orquestra do Sindicato dos Músicos Profissionais de São Paulo sob a regência do maestro Ernesto Mehlich obteve uma excelente crítica por parte de Geraldo Quartin Segundo consta, o programa era bastante sugestivo, as alunas solistas saíram-se bastante bem. Mas o que realmente surpreendia a platéia era inegavelmente a insinuante presença de Chinita Ullman com sua originalidade e flexibilidade.

Foram inúmeras as coreografias criadas por Chinita Ullman no decorrer de sua carreira, citaremos aqui apenas algumas delas com o intuito de constatar a amplitude de variações de temas explorados pela bailarina.

Sonâmbulos: ao lado de Carleto Thiebman, Chinita Ullman dança ao som de Paul Graener o encantamento diabólico e poderoso ao qual uma pobre criatura não pode fugir.

Dança Extática: com música de Mommemsen, Chinita Ullman executa movimentos em volta do próprio corpo sem nenhum deslocamento no espaço. Explora nesta coreografia o máximo possível o uso dos membros e dos movimentos centrais.

Claire de Lune retomando o tema do sonambulismo, Chinita Ullman dança com música de Debussy em meio a véus de prata, executando movimentos leves e harmônicos, mostrando o estado sonambólico de alguém que fascinado pelo luar esquece da sua própria materialidade, embuído apenas pelo desejo de se desmanchar na sua luz.

Abysmo: uma figura totalmente envolta em rica fazenda negra move-se nos fundos da platéia em direção ao palco. Não há música, ouve-se apenas uma ligeira vibração de tambores marcando o rítmo. Em movimentos súbitos partes do corpo saem do envólucro, o rítmo se acelera e os movimentos cada vez mais agitados começam a desdobrar o vestido deixando aparecer o corpo branco. De repente ouve-se um som de flauta, como um canto de uma criança em contraste com os movimentos demoníacos da dança, até que um sinal de gongo faz tudo parar repentinamente.

Quadros Amazônicos: com música de Mignone, Chinita Ullman interpreta as lendas folclóricas de Yara, Saci, Boitatá e Caipora, retomando o seu já consagrado “estilo brasileiro”, repleto de movimentos ondulantes e flexíveis carregados de sensualidade e vigor.