Cidades e Corpos de um Japão Imaginado | Cities and Bodies from an imagined Japan

Abaixo segue o quarto texto da série de resenhas que o idança começou a publicar no fim de 2008. Nele, a colaboradora Ítala Clay analisa o livro ‘Tokyogaqui – um Japão Imaginado’, organizado por Christine Greiner e Ricardo Muniz Fernandes. As outras publicações já resenhadas foram: ‘Dança Cênica – pesquisas em dança volume 1º, ‘Zdenek Hampl – Constante Movimento’ e ‘Temporalidade em Dança: parâmetros para uma história contemporânea. Clique aqui para ler os textos anteriores.

Em 2008 contínuas práticas comemorativas do centenário da imigração japonesa no Brasil instigaram nossos pensamentos sobre encontros, travessias e travessuras culturais. Diversos canais de televisão, jornais impressos e revistas eletrônicas nutriram suas agendas com o tema. Instituições públicas e privadas ofereceram suas homenagens nos mais diferentes espaços. No SESC Avenida Paulista a exposição cenográfica Tokyogaqui – um trocadilho que significa imagem do Japão aqui -, e suas múltiplas atividades culturais,  propiciou intensa circulação de informações no período de 15 de março a 4 de maio, com direito a estratégias de propagação no final do ano. E dentre estas, o lançamento do livro Tokyogaqui: um Japão Imaginado, publicação bilíngue (português e inglês), pelas Edições SESC SP, sob a organização de Christine Greiner, professora doutora do Departamento de Linguagens do Corpo (PUC-SP), e do produtor cultural Ricardo Muniz Fernandes.

Os ensaios, divididos em cinco partes, se organizam a partir de uma visão integrada de cultura e apostam em leitores com o saudável hábito de experimentar novas conexões. Um conjunto de textos que nos oferecem passeios por espaços urbanos, operadores poéticos, ressonâncias históricas, e representações midiáticas. Um conjunto de imagens que nos propõem a aventura de um olhar Benjaminiano, desprevenido e receptivo, configurado nas séries fotográficas de Hideki Matsuka e Pedro Imenes.  No artigo de abertura, Ricardo Muniz declara serem a exposição-origem e o livro-resultado mais do que registros documentais, pois auxiliam a criar muitos “Japões” e constroem um lugar-pensamento entre encontros e desvios, ideias e coisas sabidas, vivências e interpretações da história, da ciência e da arte.

Em Estratégias Antropofágicas: Do Tupi-Japonês à Metaformoses das Cidades e dos Corpos, Shuhei  Hosokawa, do Centro Nichibunken de Kioto, apresenta questões de linguística e suas construções identitárias. Yoshikuni Igarashi, professor da Universidade Vanderbilt, chama a atenção para a história do Japão ao abordar o passado dos anos de 1960 e suas problemáticas geopolíticas representadas em seus monstros cinematográficos e televisivos, destacando-se a Mothra (um bicho-da-seda gigante), o Kanegon (um monstro comedor de dinheiro) e, é claro, Godzilla. Tom Looser, professor da Universidade de Nova York, interessa-se pelas possíveis ligações entre o mundo avançado de Roppongi Hills (complexo de prédios em Tóquio) e as reivindicações declaradas por novas categorias sociais. Ainda com o foco em Tóquio, o arquiteto, crítico e historiador, Guilherme Wisnik, escreve suas reflexões sobre as novas formas de moradia em uma megalópole com uma desorganização eficiente, assim como o próprio fluxo da informação eletrônica.

Para os interessados em questões mais específicas sobre os corpos e as danças que se organizaram no trânsito entre as informações  Japão-Brasil, o leitor encontrará um terreno fértil para a leitura crítica  em Três momentos das artes do corpo no Japão. Takashi Morishita, da Universidade Keiô, direciona o olhar para a performance  Rose-colored Dance, de Tatsumi Hijikata (1965) e a importância de se revisar a arte do pós-guerra no Japão. Estudos que se tornam suporte ao trabalho dos Arquivos do Memorial Tatsumi Hijikata. Tadaschi Uchino, da Escola de Artes e Ciências da Universidade de Tóquio, desenvolve em seu artigo sobre a cultura da dança japonesa, questões nacionalistas emergentes nas décadas de 1960 e 1990, referentes ao butô e à dança contemporânea, declarando que o Japão possui uma noção de belas-artes em constante desmoronamento, onde a cultura da dança torna-se um espaço para articulação/desarticulação da experiência vivida.

Na expansão dos textos citados anteriormente, o universo pop e seus corpos da sociedade de consumo são apresentados por Christine Greiner. A autora alerta para o fato de que a aceitação oficial do pop japonês constitui-se em algo recente e se deve, além da pressão exercida pelo mercado internacional, ao entrelaçamento dos procedimentos estéticos e políticos de artistas japoneses e às trilhas culturais criadas pelos jovens, em suas propostas visuais e comportamentais, os quais exprimem um desejo profundo de modificação da sociedade pós anos 1990. Transformações que auxiliaram na construção de novas imagens do Japão como uma referência para o futuro e não mais apenas um lugar distante. Greiner abordará ainda, em outro artigo, o impacto da dança e do teatro japonês em artistas brasileiros, ressaltando marcos históricos e momentos de transição e tradução a partir da década de 1980.

Continuo o percurso da leitura e a visualização de situações de relacionamentos culturais espraia-se, agora entre parangolés e telas de cinema, em As Artes Japonesas no Brasil. Michiko Okano, assessora cultural sênior da fundação Japão, apresenta alguns possíveis diálogos entre o conceito Ma e as obras de Hélio Oiticica, apontando para um tipo de espacialidade no qual o corpo desenvolve uma estreita relação com o ambiente por meio da sua vivência. Marcela Canizo, mestre em Comunicação e Semiótica, desenvolve reflexões acerca da cinematografia representativa dos relacionamentos entre Oriente e Ocidente, apontando para formas particulares de mestiçagem nos filmes The Pillow Book, de Peter Greenaway, Tokyo-Ga, de Wim Wenders, e Kill Bill 1 e 2, de Quentin Tarantino. Já o texto do videasta Almir Almas pretende tratar como a maneira peculiar japonesa de fazer cinema influencia gerações mundo afora. Ou melhor, como a cinematografia japonesa chegou e foi assimilada pelos diretores de cinema brasileiros orientando-se para as filmografias de Walter Hugo Khouri e Carlos Reichenbach, evidenciando um Japão pensado de modo estético e filosófico.

Ufa! Certamente um roteiro de fôlego! Curioso? … O livro tem muito mais a oferecer…

Ítala Clay é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica: Artes pela PUC-SP, onde atualmente é doutoranda. Foi coordenadora pedagógica do Curso de Dança da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) no período de 2001-2007 e coordenadora do Programa Arte na Escola – pólo Manaus (2005-2006).

This is the fourth text of the series of book reviews idança started to publish in the end of 2008. Collaborator Ítala Clay analyses ‘Tokyogaqui – um Japão Imaginado’, a book organized by Christine Greiner and Ricardo Muniz Fernandes. The following publications were also reviewed: ‘Dança Cênica – pesquisas em dança volume 1º, ‘Zdenek Hampl – Constante Movimento’ and ‘Temporalidade em Dança: parâmetros para uma história contemporânea. Click here to read the previous reviews.

Throughout 2008, many events celebrating the 100th anniversary of the Japanese immigration in Brazil stirred up our ideas about encounters, crossings and cultural games. Many TV stations, printed newspapers and electronic magazines offered their tributes in many different spaces. In SESC Avenida Paulista the scenographic exhibition Tokyocaqui – a pun meaning image of Japan here –, and its multiple cultural activities offered an intense flow of information between March 15 and May 4, counting on more strategies for developments at the end of the year. Among them, the release of the book called Tokyogaqui: um Japão Imaginado, a bilingual book (Portuguese and English) published by Edições SESC SP and organized by Christine Greiner, professor at Departamento de Linguagens do Corpo (PUC-SP) and cultural producer Ricardo Muniz Fernandes.
The essays were divided in five parts and organized with an integrated perspective of culture, betting on readers who have the healthy habit of trying new connections. A group of texts that offer a stroll through urban spaces, poetic operators, historical resonances and media representations. A group of images propose the adventure of a Benjaminian look, off-guard and receptive, configured in the photographic series by Hideki Matsuka and Pedro Imenes. In the opening article, Ricardo Muniz declares that the exhibition-origin and the book-result are more than documental records, for they help create many “Japans” and build a place for reflections amidst encounters and detours, ideas and known things, experiences and interpretations of history, science and art.

In Estratégias Antropofágicas: Do Tupi-Japonês à Metaformoses das Cidades e dos Corpos (Anthropophagy Strategies: From Tupi-Japanese to the Metamorphosis of Cities and Bodies), Shuhei Hosokawa, from the Nichibunken Center, in Kyoto, presents linguistic issues and their identity constructions. Vanderbilt University professor Yoshikuni Igarashi draws attention to the history of Japan, approaching the 1960’s and the geopolitical issues represented in movies and television monsters, highlighting Mothra (a giant silkworm), Kanegon (a money eating monster) and Godzilla, of course. Tom Looser, professor at New York University, is interested in possible connections between the advanced world of Roppongi Hills (a building complex in Japan) and the demand for new social categories. Still focusing on Tokyo, Guilherme Wisnik, architect, critic and historian, writes his reflections about the new housing system in an efficiently disorganized megalopolis, which works in a way similar to the flow of electronic information.

For those interested in more specific issues of bodies and dances that organized themselves in the information transit between Japan-Brazil, the reader will find fertile ground for critical reading in Três momentos das artes do corpo no Japão (“Three moments of body art in Japan”). Takashi Morishita, from Keiô University, tackles Tatsumi Hijikata’s performance Rose-colored Dance (1965) and the importance of a revision of art in post-World War II Japan. Studies that became the basis for Archive work of the Tatsumi Hijikata Memorial. Tadaschi Uchino, from the University of Tokyo College of Arts and Science, writes about the Japanese dance culture and develops nationalist issues that emerged in the 1960’s and the 1990’s, referring to butoh and contemporary dance, stating that Japan has a constantly crumbling notion of fine arts, where dance culture becomes a space for articulation/disarticulation of the lived experience.

Expanding from the above mentioned texts, the pop universe and the consumer society bodies are presented by Christine Greiner. The author warns that the official acceptance of Japanese pop is recent and besides the international market pressure, it also results from the intertwining of aesthetic and political procedures of Japanese artists and the cultural paths created by youth, in their visual and behavior proposals, which express a profound wish for chances in society after the 1990’s. Such transformations contributed to the creation of new images of Japan as a reference for the future and not just a distant place. In another article Greiner also approaches the impact of Japanese dance and theater in Brazilian artists, highlighting historical marks and moments of transition and translation after the 1980’s.

I keep on my reading path and the visualization of cultural relationship situations overflows between parangolés and movie screens, in As Artes Japonesas no Brasil (“Japanese Arts in Brazil”). Michiko Okano, senior cultural advisor at Japan Foundation, offers some possible dialogues between the Ma concept and Hélio Oiticica’s work, pointing out a kind of spatiality in which the body develops a close relationship with the environment through its experiences. Marcela Canizo, master in Communication and Semiotics, develops reflections about filmography representing relationships between East and West, pointing to particular forms of cultural mixing in films like Peter Greenaway’s The Pillow Book, Wim Wender’s Tokyo-Ga and Quentin Tarantino’s Kill Bill. The article of videomaker Almir Almas intends to tackle how the peculiar Japanese way of filming has influenced generations all over the world. Better yet, how Japanese filmography reached and was assimilated by Brazilian film directors, based on the work of Walter Hugo Khouri and Carlos Reichenbach, he unveils an aesthetic and philosophical notion of Japan .

Whew! It certainly takes a lot of breath. Curious? … The book has a lot more to offer…

Ítala Clay is a journalist, has a master degree in Communication and Semiotics: Art from PUC-SP, where she is currently a doctor candidate. She coordinated the Curso de Dança da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) from 2001 to 2007 and coordinates Programa Arte na Escola – pólo Manaus (2005-2006).