Testagens da dança na terra da Bahia

teste-agem

uma profusão de ações:

o Plano Piloto do Dimenti, im-pressionando os integrantes a encontrarem “autoria” ou suas “questões, confusões, prazeres e angústias”; aspecto que vira cacoete performativo em Edital de Fábio Osório Monteiro;

a curadoria de Dança do Festival Internacional de Artes Cênicas – FIAC-BA: aposta no deslocamento do mainstream já posto da dança contemporânea européia (Sasha Waltz e Jérôme Bel) para Salvador, e do local, garante a-“mostra grátis” em sua programação;

a vazão a grupos residentes no Espaço Xisto Bahia e na Escola de Dança da Funceb, traduzindo uma pulsação regular e produtiva de uma vitalidade que é juvenil na idade, no que produz com engajamento e disponibilidade, bem como, muitos, com uma ingenuidade? nas escolhas coreográficas;

a Plataforma Internacional de Dança – PID-BA (com Mostra Artística, Seminário de Economia e Jornada de Curadoria), com o esforço de Nirllyn Seijas e Catarina Gramacho com colaboradoras, num afã quase salvacionista da dança, do extremo da América Latina à Bahia, com dias e dias de programação, numa espécie de convocação do engajamento exaustivo;

a dança negra com duas edições, no mesmo ano, de Dançando Nossas Matrizes, num importante despertar coletivo para a busca de traçados possíveis de entendimento desses fazeres, vitalizado pelo sentimento de comunidade, numa certa heterogeneidade que já habita a cidade: da já tradicional Dança Afro de Mestre King, passando pelo já mais recente Afro-Contemporâneo de Pakito, bem como o Afro dos Blocos Negros de Vânia Oliveira, até o mais recente Afro-Pilates;

a heterogeneidade construída pela última curadoria do Quarta Que Dança (por Joffre Santos, Jorge Alencar e Robertha Carneiro), que parece já dar solidez à política de diversidade: hip-hop, intervenção urbana, instalação cênica, coreografia,…, artistas do “subúrbio”, da universidade, do curso técnico da Funceb, muitos jovens, outros já mais velhos, capital e interior; em testagens que, pela proposta da programação, incluiu, pela primeira vez,  algumas cidades do interior também como espaço de apresentação de obras;

as sequenciadas estréias de novas montagens da companhia de Balé do TCA, às vezes com pouquíssimos meses de distância uma da outra – tom de geração de obras;

a noite no descentrado Âncora do Marujo, do festival Interação e Conectividade, desse ano, que fez deslocamento político no tratamento que deu à relação entre público e espaço cênico. Uma maneira que encontrou um vértice performático queer, entre as obras curadas e o que ocorre comumente em performances drag´s nesse espaço. Todavia, nem era o público do Âncora no Âncora (…e era + ou -), nem era o público do Interação e Conectividade nas escolhas de espaço que normalmente são feitas pelo festival (e pelos festivais);

a existência de trabalhos artísticos que parecem estar prioritariamente ocupados com a condição laboratorial para produzir importantes experimentações, dados e reflexões acadêmicas em Dança, do que com um compromisso com a produção da experiência estética ao público – como é o caso do grupo extensionista A-feto, orientado pela performer e pesquisadora Dra. Ciane Fernandes (PPGAC-UFBA) e fundado pela Ms. Líria Morays; e que também parece situar-se no grupo Radar 1, fundado por Líria Morays e que, dentre importantes participantes, se mantém com a colaboração de Bárbara Santos, desde a fundação;

o desenvolvimento de formatos específicos em consonância com o propósito de cada um dos diferentes artistas, na partilha de seus interesses, encabeçado por artistas como Norma Santana, Lucas Valentim e Wagner Schwartz, no Experiências Compartilhadas, do coletivo Construções Compartilhadas;

as mostras artísticas das Escolas de Dança (UFBA e FUNCEB); nesse ano com o destaque do projeto Trança, concebido pela profa. Dra. Maíra Spanghero, estimulando experimentos artísticos na relação professor-aluno, pelo in-verso: o aluno propõe um estudo coreográfico a ser desenvolvido em co-autoria com um professor;

a emergência de articuladoras do interior do estado, como Robertha Carneiro (Sta. Cruz de Cabrália – BA) e Ana Fabíola Homem (Alagoinhas – BA) – a partir da produção no GT Conexão Bahia em Dança, com coordenação de Jaqueline Vasconcellos, no Seminário de Economia da Dança, promovido pela PID-BA – fazendo interfaces entre os agentes de suas respectivas cidades entre si, e com apoio e trocas junto a coordenação de Dança da Funceb, com Alexandre Molina;

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teste-agem:

por esses agires, uma pluralidade de testes vão sendo possíveis num tempo em que as restrições, em muitos casos, foram total ou parcialmente suspensas na sociedade [que dirá no campo da arte!].

tais suspensões torna aerada e, porque não, aérea, a produção cultural da dança, num nível que reafirma a frase profética? de Marx: “tudo que é sólido se desmancha no ar”!, – dissipa como poeira.

Todavia, se o plural e o experimental vira ordenamento, quando paradoxalmente surgiu para romper a ordem, há aí um possível estancamento a ser considerado.

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Será que, nessa suspensão, subiu também uma poeira responsável por manchar nossa capacidade de ver uma certa paralisação na qual nos metemos enquanto nos movemos freneticamente?

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desmancha. des-mancha. dez manchas.

Todo caso, são muitas as manchas produzidas. Nessa qualidade, o estado de experimentação, marca algo, mas muito sem definir; aponta para o esforço de ler na macha algo sendo dito; como um teste projetivo. Havemos de olhar a figura-macha e projetando-nos, poder encontrar no diálogo com um outro, a possibilidade de simbolizar esse borrão que está sendo apresentado na testagem.

hum!

mas, se diz que está borrado, pode-se dizer que está cagado! (o fomoso “borrei nas calças”)…

pegando daí, fica a leitura interrogada

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Será que essas testagens plurais estariam produzindo muito cocô?

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De qualquer maneira, entre os psicanalistas [onde tanto tempo os tais testes projetivos foram feitos e utilizados], há um inusitado entendimento de cocô:

cocô

como

obra

Para nós, numa dança da contemporaneidade que, com a suspensão das restrições, deixou de se ater a esse ou aquele tipo de movimento, para perguntar, sim, ao corpo,

bom,

parece interessante considerar que num trajeto pelo corpo, ele receba a nutrição e dela faça elaborações em direção a defecagem: o cocô, assim, se torna a materialidade pública daquilo que o corpo sofistica na resultante do ato de se alimentar (qualquer semelhança com o processo artístico, não é mera coincidência).

ah! sim,

cocô e terra é matéria de fertilização.

Com diferentes propósitos e condições de desenvolvimentos, em cada história, essas ações de dança em terras baianas podem ser sementes para algo que, daqui a pouco brotará.

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Fiquemos presentes, plantando e fertilizando. Fiquemos no presente, o futuro é do não-saber: só vemos a mancha!

*Agradecimentos: a Giovanni Luquine, papo, cerveja e elaborações de dança no Pelô; a Helena Katz, Matias Santiago e equipe do ACC, por injetar movimento para meus veres e ouvires, dados às danças que se fazem aqui… e ali … e lá também.

Eduardo Rosa, além de colunista desse sítio, é, em Dança, educador [Escola de Dança da Funceb] e artista [integrante-fundador do Col. Construções Compartilhadas]. Especialista e Mestre em Dança pelo PPGD-UFBA.