Coleções de gestos para reinvenções artísticas

Por Carlinhos Santos

Num espaço consagrado mundialmente por sua coleção de obras de arte, o Instituto Inhotim, em Brumadinho, a coreógrafa Dani Lima organiza um repertório de ações corporais em parceria com a Cia. de Dança Palácio das Artes, de Belo Horizonte. Gestos Ordinários/Coleção CDPA 2014 foi levado à cena dias 15, 16 e 17 de agosto junto aos jardins e obras de artes de nomes como Adriana Varejão, Dominique Gonzalez-Foerster e Hélio Oiticica. Coleção (de arte) sobre coleção (de gestos), o trabalho organiza seu discurso sobre detalhes que se avolumam ao olhar, minúcias que reverberam em potência coreográfica. Fricciona banalidades para extrair delicadezas de ocasião.

Pensado como site-specific, o procedimento revigora o ambiente artístico do Inhotim e desafia qualitativamente a Cia. de Dança de Dança Palácio das Artes. Com um grupo de bailarinos com idades entre 20 a 60 anos, com este trabalho a formação sacode o seu cotidiano de criação e, na intervenção coreográfica, encontra caminhos de atualização de seus procedimentos artísticos. Há situações nitidamente “de palco”, embora fora dele, e, também, a destituição deste para aproximação e percursos mais íntimos com o público. Acerto conceitual para dinamizar as ações de um corpo coreográfico estável, vinculado instituição cultural pública, a Fundação Clovis Salgado.

Propondo um caminho com estações de acontecimento, balizadas por diferentes verbos – contemplar, rolar, beijar, puxar, pendurar, conduzir, abraçar, dentre outros – a obra é uma reverberação da pesquisa de Dani Lima sobre gestos e parâmetros de ações corporais do cotidiano replicáveis, reinventáveis, quiçá dançáveis. Ao reorganizar inventivamente seu repertório operativo, acerta e requalifica com engenhosidade as suas premissas artísticas. Investe na especificidade para o convencional e, ao mesmo tempo, concebe novas convenções para a performatividade sempre latente dos gestos cotidianos. Ação preciosa no ambiente da dança contemporânea brasileira que segue a trajetória de trabalhos anteriores como 100 Gestos, Pequenas Coleções de Todas as Coisas e Pequeno Inventário de Lugares-Comuns.

Gestos Ordinários/Coleção CDPA 2104 acolhe o público, desacomoda, instiga, gera cumplicidade entre beijos, tombos, pulos, bailados, sussurros e toques. Sobe em árvores, desce ladeiras, dança em tetos, salta e caminha, se arrasta, estrebucha e compartilha, nomeia fundamentos do ser-estar no mundo, organizando percepções poéticas para as capacidades do corpo. Da ordem comum ao contexto da arte, estes gestos reafirmam caminhos instigantes para os percursos da dança. Isso acontece pela conjugação de vontades artísticas e institucionais, num programa de comissionamento iniciado no ano passado que une a Cia. de Dança do Palácio das Artes/Fundação Clovis Salgado e o Instituto Inhotim.

Nesse contexto, o gesto que organiza a obra tem a capacidade de colecionar possibilidades, tal quais as coleções de arte o fazem enquanto discurso poético e estético sobre homens e mundos sempre em trocas. Que não se repetem, mas se reinventam.

Carlinhos Santos é historiador e jornalista, especilista em Corpo e Cultura e Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul, com estudos sobre Corpo, Dança e Educação. É colunista do Jornal Pioneiro, em Caxias do Sul, e crítico de dança.

 

Foto: Gestos Ordinários – Cia. de Dança Palácio das Artes / Direção: Dani Lima © Guto Muniz