Como vai ser o dia de amanhã?

Como vai ser o dia de amanhã? Ah, vai ser maravilhoso. A Dilma vai ser deposta e vai carregar com ela toda a falta de compromisso com pautas importantes dos movimentos sociais no país, carregar com ela a Miss Motosserra Kátia Abreu, as políticas econômicas mornas e ineficazes, todas as cada vez maiores concessões à bancada evangélica. Ela leva com ela essas drogas de programas sociais e todas as políticas de redistribuição de renda, chega de ajudar pobre.  Uma vergonha esse projeto de desenvolvimento que leva em consideração gente pobre. Miserável é miserável, e eu quero meu país de volta.

Ela saindo eu devo voltar a lucrar, já tenho as estratégias traçadas, já te conto. Sobretudo ela que leve com ela essa palhaçada que o povo chama de democracia. Serve pra nada esse negócio, só dá trabalho, só enche o saco. Ahn? Como assim você não sabe qual é o motivo? É aquele negócio, pedalada, essas coisas de… como é que é que o Bonner falou? Responsabilidade… fiscal, acho. Importa pouco, né? É PT, é corrupta, vai te embora, chega de corrupção! Se ainda tiver dúvida joga no Google “fora dilma”, vai ter vários textos explicando.

Aí amanhã entra o governo novo. Temer. Ninguém deve temer o Temer, gente. Ele é inofensivo. Vai dar um ótimo vaso decorativo no planalto. O que importa mesmo é colocar o poder nas mãos daquela equipe maravilhosa capitaneada pelo ilustríssimo Eduardo Cunha e com bases éticas e morais de intelectuais de renome como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano. Sou fã. Seguramente o país ficará melhor na mão deles. E assim, se eles forem condenados em um dos incontáveis processos nos quais são réus, a gente vai impitimando. Esse é um argumento muito evidente da nossa empreitada: a Dilma vai ser só a primeira, a gente vai tirar os corruptos um a um.

Eu já fiz umas contas e devem ser precisos uns 234.760 impedimentos até a linha sucessória da presidência chegar até mim! Nessa lógica não vai demorar muito pra eu virar presidenta. E a dona Gertrudes que cata papel aqui no bairro vai ser governadora do Paraná. O dia de amanhã vai ser maravilhoso. Eu, esperto que sou, já estou preparado pra jogar no lixo todos os meus vestidos, saltos, perucas e maquiagem e comprar umas camisas de manga comprida, e com uma bíblia debaixo dos braços vou logo cedo atrás de uma igreja. Mas uma grande, tipo Assembleia ou Universal, que é pra ter oportunidade de crescer na empresa. Vou ser o primeiro pastor deputado ex-gay-trans-bizarra-não-binária. Sou esperto, gente. Com a Dilma deposta nós vamos ser muito mais livres. Muitos mais livres para exercitar o direito de sermos fascistas.

Ué, se a gente desconsidera alguns princípios da Constituição para tirar a presidenta a qualquer preço, o que pode nos segurar pra destruir todos os outros? Se existe gay fascista? Menina, é o que mais tem. Até aquele militante histórico famoso não me subiu no carro de som, fantasiada de verde amarelo e com uma panela na mão? Lá na Bahia. Se a Dilma não for deposta? Ah, vai ser… eu confio nos arautos da justiça que compõem hoje a Câmara. Vai sair sim. Mas se não sair eu vou reorganizar minha gang Inox-Tramontina e essa comunista comedora de criancinhas não vai ter um minuto de sossego pra governar o país. Se não sair nesse processo a gente inventa outro, até cair. Isso mesmo, não tem saída. É golpe ou caos, é caos e golpe. Quem não está feliz com isso? Como fica?

Olha, eu ouvi falar que está rolando uma vaquinha para um ônibus espacial. Fica a dica. E tem sempre aqueles que resistem, especialistas na arte do murro em ponta de faca. Caindo ou não caindo, tem gente que vai continuar acreditando que o país pode ser transformado, gente que tenta olhar para o contexto sem um filtro polarizado, que quer viver e discutir a política num mundo que olha para as diferenças.

Quanto a mim, eu vou pastorear, meu bem. E ser deputado. Quem sabe casar. Ter uma casa bem grande com uma ampla sala secreta, onde eu me esconda de vez em quando para dançar. Talvez até guarde um salto (o Gabanna) e deixe ele lá, entre o espelho e o som. (Será que calcinha fio dental fica confortável se usada com um daqueles ternos horrendos que os deputados usam?)

 

 

* Princesa Ricardo (Marinelli) é bicha (solteira, atenção!), artista, professorx, pesquisadorx e gestorx de projetos em arte contemporânea. Criativa e esteticamente, está interessadx em desenvolver uma poética pessoal que articule corpo, intimidades e vivência da sexualidade.

 

[Foto: Pessoas tirando fotos junto ao muro que separa os manifestantes, construído para a ocasião da votação do impeachment em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. Ueslei Marcelino/Reuters]