Companhias estáveis em lados opostos

Na última semana, a direção da São Paulo Cia. de Dança divulgou os nomes dos 37 bailarinos que darão forma à companhia oficial recém-criada. Cerca de 800 bailarinos se inscreveram nas audições realizadas em cinco cidades brasileiras e em Buenos Aires em busca de estabilidade e de bons salários – um bailarino iniciante vai ganhar R$ 4.500. Com um orçamento de R$ 13 milhões para 2008, o nascimento do novo grupo vem dando o que falar, principalmente no que diz respeito ao investimento em outras companhias com carreiras já consolidadas Brasil afora. De um lado, há quem apóie o surgimento de uma nova companhia alegando ser mais uma oportunidade de trabalho que surge; de outro, muita gente se pergunta por que tamanho investimento não é feito nos projetos já existentes.

Diretor artístico do Grupo Cena 11 Cia. de Dança, de Florianópolis, Alejandro Ahmed é um dos que questiona o alto valor investido para a criação da São Paulo Cia. de Dança. À frente de uma companhia que hoje emprega cerca de 20 pessoas entre bailarinos e técnicos, Alejandro é direto ao falar do critério para os apoios a projetos de dança. “Se foi possível investir R$ 13 milhões é sinal de que há dinheiro. Por que não aplicá-lo de outra forma. Não sou contra a criação de mais uma companhia, mas por que não dividir esse valor altíssimo entre os grupos que já existem?”, pondera.

O coreógrafo e bailarino Sandro Borelli, que dá nome à sua companhia, foi um dos primeiros a repudiar publicamente a política de apoio à dança no Estado de São Paulo e a criação do grupo paulista em carta publicada no Idança. “A dança precisa de um projeto cultural sério e ético, que privilegie a formação de uma classe, que privilegie uma mudança de pensamento. Onde estão as propostas consistentes, honestas, sérias, inteligentes, sobretudo ousadas, da política pública envolvida nessa ação?”, ataca Sandro (leia aqui a íntegra da carta e a resposta do secretário de Cultura, João Sayad).

Diretora da Quasar Cia. de Dança, Vera Bicalho faz coro com os colegas. Há 20 anos na estrada, a Quasar é uma das companhias estáveis mais respeitadas do país. Apesar do longo tempo de vida, a manutenção dessa estabilidade não é fácil. “A realidade é muito complicada. Alguns grupos pequenos (solos e duos) até conseguem se manter com recursos próprios, mas quando o grupo cresce fica inviável. Dependemos de subsídios públicos para realizar nossos projetos com estabilidade”, argumenta Vera.

Ela acredita que a criação da companhia paulista é mais uma porta que se abre no mercado de trabalho de bailarinos, porém, alerta para qual deve ser o verdadeiro papel do Estado na relação com a dança. “Ele deve proporcionar uma distribuição mais democrática de recursos para viabilizar ações externas e não ser ele o realizador. Investimentos milionários em apenas um grupo estão fora da realidade brasileira. Como se desloca um grupo desses? É muito provável que ele fique voltado apenas para apresentações na capital”, especula.

Segundo a diretora da São Paulo Cia. de Dança, Iracity Cardoso, a São Paulo Cia de Dança vai, sim, difundir a dança, além de se tornar uma referência em pesquisa e produção de conhecimento no tema. “Não se trata apenas criar uma companhia de dança, mas também um pólo cultural e educativo. Além de montagens de qualidade, pretendemos gerar um maior interesse sobre a dança envolvendo pesquisadores, intelectuais, educadores, críticos e artistas de diversas áreas”, explica.

Os polêmicos R$ 13 milhões serão destinados à contratação de bailarinos e equipe técnica, produção de espetáculos, produção de programas educativos e de formação de platéias, palestras e reforma do edifício das Oficinas Culturais Oswald de Andrade, que servirá de sede da companhia até a conclusão do teatro que a abrigará. “A dança sofre, há muito tempo, um processo de exclusão que tornam necessários investimentos sistemáticos, apoios que não são supridos por financiamentos esporádicos. O orçamento é proporcional às ações que pretendemos realizar”, justifica Iracity.

Novo diretor do Balé do Teatro Castro Alves (BTCA), Paullo Fonseca também assumiu seu cargo em meio a uma crise – por determinação do secretário de Estado de Cultura da Bahia, Márcio Meirelles, os bailarinos contratados deveriam ser dispensados e não teriam seus contratos renovados. Segundo Paullo, há oito bailarinos nessa situação. O dinheiro gasto com os contratos será revertido para a criação de um novo repertório e para o desenvolvimento de atividades de extensão. Além disso, a antiga divisão entre o BTCA I (o principal) e o BTCA II (com bailarinos acima de 35 anos) deixará de existir. Eles formarão um único corpo, com novas coreografias. “O trabalho ficará mais fácil com todos juntos todos os dias. A divisão agora será por projetos”, afirma Paullo.

Apesar da tormenta que enfrentou na sua chegada, Paullo busca o tom conciliador ao falar da relação entre as companhias estatais e as outras companhias brasileiras. Ele destaca a importância das companhias oficiais, mas lembra que deve haver maior transparência em suas atividades. “As companhias estatais são importantes por preparar novos bailarinos, elas são a memória viva da dança em uma cidade. Por outro lado, elas são muito blindadas, pouca gente conhece todo o trabalho que fazemos. É necessário um diálogo maior com outras companhias estáveis”, analisa Paullo. Que venha o diálogo.

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