Interação e Conectividade 2012 - Residência Stop&Motion / Foto: TiagoLima

Conectivos Críticos 2012 – Stop&Motion

Em uma parceria entre o Portal Idança e a Dimenti Produções Culturais, começa aqui a série Conectivos Críticos 2012 que reúne cinco textos selecionados em convocatória pública que tratam de alguma obra ou processo artístico apresentado no Encontro de Artes Interação e Conectividade VI, realizado de, 30 de maio a 03 de junho, em diferentes espaços de Salvador (BA). Os textos inscritos por estudantes, acadêmicos e livres pensadores, testaram relações entre palavras, imagens e modos de escrita num movimento reflexivo e performativo.

Socorro!!! A censura acabou!
Tom Zé

Um baratíssimo da Subway foi o prelúdio para assistir a mostra da residência Stop&Motion, no terceiro dia do VI Interação + Conectividade, evento anual promovido pelo grupo Dimenti, com foco na fruição e reflexão do ato criativo, processos e performances de dança.

Na obra em questão, a participação consistia em emprestar nossa cumplicidade à mostra de residência do artista Neto Machado, que ainda em processo, lançou hipóteses de pesquisas para o desenvolvimento de uma tecnologia corporal com inspiração nas ilhas de edição de vídeo: frames, efeitos visuais, movimentação, linearidade e/ou não linearidade, cut&past – embora ele mesmo admita que isso possa ser mais uma proposição inicial, que propriamente um eixo norteador do trabalho – que ainda se encontra na primeira semana de construção.

20′ de duração aproximadamente;
20 dançarinos, talvez…
Gravitação, objetos cênicos, repetições, gifs, futuro ou passado, frame by frame
[pausa]
Aplausos

[PAUSA]

Abertos à discussão

Presenciar um momento como este é como entrar na intimidade do artista, é testemunhar o centelhamento da primeiridade persiana inerente ao processo criativo, que não deixa de ser um tanto quanto invasivo; é o momento em que o público exercitará todo seu sadismo intelectual para compactuar ou desaconselhar, e em todo caso, interferir na montagem. Neste tipo de ação não existe impacto zero, e por isso mesmo, louvo a coragem dos artistas em correrem estes riscos.
Eu mesmo, de minha parte, também exercitei junto com os demais a experiência de lançar reflexões e pontos de vista sobre Stop&Motion, e terminei achando que foi mais importante para mim (ou nós, o público), que exatamente para o espetáculo ou artistas envolvidos em sua montagem. Foi como participar da glória criativa, sem compartilhar dos 90% de transpiração inerentes à sua empreitada. Um gozo, entretanto — com o pau dos outros —  diria Lobão.

Padrão e Política

Rememorar aqui toda a discussão, além de extenuante poderia não fazer jus às palavras exatas de cada participante, com ônus à integridade da discussão, opto então, por exprimir apenas minhas próprias elucubrações, e o farei apenas na abordagem de um debate que mais dedicada atenção mereceu de todos os convivas, algo entre Padrão e Política. Não conseguiria, e nem sei se seria prudente, reformular todas as indagações deste foco discursivo, então o que se seguirá serão as impressões que reverberaram em mim, sobretudo durante o retorno à minha casa:

Me diz meu Deus o que é que eu vou cantar?
Se até cantar sempre
Me diz meu Deus o que é que eu vou cantar?
Já foi cantado por alguém
Além do mais tudo que é novo
Hoje em dia falam mal

Música inspiradora – 66
Banda – O Terno

Não consigo entender o que seria hoje, no século XXI, a não conformidade com um “padrão”. Ora, não há para onde nos movamos que não esbarremos no lugar comum de alguém, uma desoladora sensação de que tudo já se fez arte. Não é prerrogativa desta geração planetária, em todo caso, apesar de Einstein jurar que o tempo não existe, estamos sempre envoltos no atavismo dos resets ou restarts seculares. Não tem sido muito diferente agora, do que foi na virada do século IX.

Depois de um parágrafo com tantas sentenças negativas, vou tentar fazer surgir hipóteses afirmativas, não necessariamente alentadoras.

A proposição de um de nós (do público), me pareceu ser uma conclamação a uma fuga de padrões historicamente localizáveis no tempo-espaço, que concordo, apesar de prever uma tarefa hercúlea para Neto Machado e seu séquito, caso escolham este viés estético. Advogo que se reconhece um bom artista pelo seu esforço em alcançar novos horizontes, o que não quer dizer que sempre consiga, ou até mesmo que consiga alguma vez em vida, mas deve estar nele a inquietude cotidiana de nunca cruzar uma linha de chegada. A vaidade e comodidade do pódio é uma inércia que o artista deve dispensar sempre que o possa. Parece-me ser este, de antemão, o tom do Dimenti.

O conflito se estabeleceu em mim quando esta proposição antipadrão dividiu o discurso com a necessidade de uma arte impregnada de significância política, que termina sendo um padrão, de qualquer forma. Talvez um vício marxista ou foucaultiano imanente da nossa estirpe acadêmica terceiro-mundista, contudo, deslocado.

Essa proposição nos faz pensar que só é arte  algo com real sentido político, ou lendo de outra forma, que a opressão se faz necessária à inspiração de uma arte militante, o que não poderia ser mais ingênuo, por desconsiderar a própria complexidade sistêmica em que estamos metidos no pós-Capra e/ou pós-Deleuze.

Não é, entretanto, primazia nossa (do público de Stop&Motion) essa elaboração. Há um sentimento corrente no inconsciente coletivo nacional que, nosso melhor momento artístico ocorreu sob os auspícios da ditadura, com uma produção de forte teor crítico-político para redenção das massas. Tom Zé chega mesmo a satirizar esse mito quando grita em seus shows — Socorro!!! A censura acabou! — proclamação que traz em sua semiologia a questão: sobre o que falaremos agora sem a estimulante opressão do sistema? Penso que este seja o problema de pesquisa, ao qual deverão se submeter para adelante, os artistas brasileiros, sem medo ou pudor de revivenciar ou reexperimentar alguns “padrões”, despidos de pretensões políticas ou preconceitos acadêmicos, para um reencantamento, uma autopoiesis. É neste “lugar” que hora localizo Stop&Motion.

Por fim, compartilho sem orgulho, um código ético pessoal que vem a ser uma paráfrase existencialista do processo criativo: não nos cabe questionar as escolhas do artista, mas dialogar da melhor e mais sincera forma possível com o que o artista produziu a partir de suas escolhas. Boas ou más? Não é possível estabelecer um consenso seguro. Incompleto, é o novo…

Augusto Flávio Roque é pedagogo; vocalista da banda Órbita Móbile; produtor musical; DJ das festinhas dos amigos com pretensões profissionais; publicitário frustrado; ambientalista; consultor e elaborador de projetos culturais; desempregado.

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