Conexões possíveis: a polpa da noz

A produção de pensamento acadêmico em sintonia com a criação artística e em diálogo com o ambiente urbano são traços que caracterizam e potencializam um projeto desenvolvido em Uberlândia. O resultado dele é múltiplo, em livro, em espetáculo artístico e, claro, na determinação de seguir pesquisando.

Livro Ana Carolina (1)Dramaturgia do Corpo-Espaço e Territorialidade – Uma Experiência de Pesquisa em Dança Contemporânea foi lançado no fim de 2012.  Reúne oito artigos acadêmicos que tratam de questões em torno de temas derivados dos eixos teóricos e práticos dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Dramaturgia do Corpo-Espaço e Territorialidade, que  visa pesquisar a composição em tempo real na dança contemporânea, tendo como foco corpo-espaço.

O mote da pesquisa dos artistas e estudantes uberlandenses é a busca de identificação tanto o corpo como (não) território de si mesmo, quanto o corpo como vir a ser território mesmo, nas relações que mantém com os lugares, as regiões, as fronteiras do humano. O corpo como espaço em si, no diálogo com o outro, de um lado, e também, de outro lado, o corpo social e cultural. Antes desse livro, o grupo publicou o Anexo: cadernos de criação e pesquisa, volume 1, compartilhando os cadernos de anotações dos pesquisadores participantes.

O grupo surgiu no segundo semestre de 2010, vinculado ao Curso de Dança da Universidade Federal de Uberlândia, em uma proposta multidisciplinar envolvendo estudantes professores e técnicos de distintas áreas do conhecimento: dança, teatro, música, física mecânica e arquitetura. O grupo gerou o Conectivo Nozes, reunindo um coletivo de artistas, que estreou, em 2011, o espetáculo Sobre Pontos, retas e planos. Polpa saborosa revelada depois de se quebrar a dura casca da acomodação artística, o trabalho instiga, desarruma ideias coreográficas pré-concebidas, reorganizando jeitos de estar corporalmente em cena.

Coordenado pela bailarina, coreógrafa e produtora Ana Carolina da Rocha Mundim tem ainda no grupo os professores, Silvia  Martins, da Física Mecânica, e Cesar Traldi, da Música, e os estudantes Brenda Ferraz, Diego Pereira Nobre, Letícia Crozara, Mariane Araujo Vieira, Paula Poltronieri, Roberta Liz de Queiroz de Sousa de Deus e Vanessa Garcia dos Santos. O cenógrafo é Emiliano Alves de Freitas Nogueira, Lucio Sequoia, percussionista, e Natalia Oliveira, que trabalha com arte e tecnologia.

 Confira a seguir três perguntas à coordenadora do projeto e do Curso de Dança da Universidade Federal de Uberlândia, Ana Mundim:

 Depois do primeiro livro, tem outras  publicações programadas?

Na verdade, a primeira publicação foi o Anexo: cadernos de criação e pesquisa – vol 1, em que constam os cadernos de anotação com descrições, pensamentos, ideias, desenhos, poemas, dos integrantes sobre o processo de trabalho. O segundo volume deste caderno está programado para ser publicado ainda este semestre. No fim desse ano será publicado o livro Danças brasileiras contemporâneas: um caleidoscópio, oriundo de minha tese de Doutorado. Também estou começando a organizar um livro sobre improvisação em dança, a partir de experiências de Jam Session que tivemos e do projeto Temporal, que em sua primeira versão ocorrida em dezembro de 2012, se configurou como evento sobre improvisação em dança e composição em tempo real, que incluía comunicações teórico-práticas.

Como o Conectivo Nozes tem se mantido na pesquisa, o espetáculo segue?

O espetáculo segue. Atualmente temos três iniciações científicas e 1 mestrado vinculados ao grupo. Uma iniciação fala sobre processo e criação coletiva, a outra fala sobre processo de composição e a outra estuda procedimentos de Física Mecânica que identificamos nas frases de movimento que estudamos para preparação corporal. Como o mestrado é realizado pelo cenógrafo que criou o lugar do espetáculo, sua proposta é verificar como os diferentes espaços onde apresentamos podem modificar o lugar construído e a interação dos intérprete-criadores com este lugar. Além disso, temos experimentado modificações no tamanho do lugar, com recursos como barbantes, fitas crepe, assimetrias. A pesquisa do Conectivo se mantém no coletivo com um encontro semanal. Além disso, há as pesquisas individuais atreladas e as leituras que fazemos semanalmente para as discussões no encontro posterior. Temos dois projetos com perspectiva de continuidade: um temporal , com encontros de dança contemporânea e composição em tempo real e outro chamado  Proposições Poéticas em Tempo Real. Esse ano lançaremos um documentário que contextualiza o Conectivo Nozes, braço de extensão do grupo de pesquisa, que explica os procedimentos de pesquisa que organizamos até o presente momento, os quais chamamos de “movíveis”, composto por estruturas de movimento (círculos, espirais, alavancas, pontos, retas), recursos de jogo (equivalência, coincidência, bloqueio, ênfase, pergunta no ouvido) e comandos. Além disso, ele mostra como foi a primeira edição do projeto Proposições Poéticas em Tempo real, que ocorreu em Belo Horizonte, no C.A.S.A., com apoio da Cia Suspensa. O trabalho reuniu o Conectivo e  Cia Suspensa, Tuca Pinheiro, Marise Dinis, Fabio Dornas e Gabriela Christófaro.

Como é esta experiência de produzir pensamento e pesquisa na universidade, montar grupo e espetáculo, aproximando academia e a rua, a cidade?

Entendo que é um privilégio ter a universidade e um investimento público na produção de pesquisas na área de dança pois isso colabora para a continuidade de ações e o aprofundamento de pensamentos em movimento e de conceitos teórico-práticos. No entanto, a docência para mim vem como consequência de um trabalho artístico. Como artista e docente compreendo que a formação universitária passa pela articulação com a comunidade e com o fazer artístico. Estudamos e pesquisamos para produzirmos artisticamente, pois a dança é o que nos move. Sempre estranho quando ainda ouço falas como: “na universidade se pensa sobre dança e fora dela se faz dança.” Entendo que fazemos e pensamos dança dentro e fora da universidade, mas são modos distintos de se organizar a produção artística. Talvez a universidade, pelos investimentos públicos contínuos, oportunize mais a publicação das sistematizações de métodos e pensamentos/ações de trabalho. Mas isso é uma consequência de um trabalho prático constante. E também não há apenas um modo de se produzir dança na universidade, pois os cursos tem currículos perspectivas muito distintos.  Por fim, trocar experiências, ideias e pensamentos/práticas com outros pesquisadores, artistas e com a comunidade enriquece a nossa pesquisa, pois amplia o nosso olhar sobre os estudos, nos provoca reflexões, nos traz questionamentos e nos desperta para possibilidades de desdobramento. Além disso, como todo artista, produzimos dança para estar em contato com um público, então esta prática é inerente ao nosso trabalho. Por fim, compartilhar nossas ações com a comunidade também significa dar um retorno à sociedade sobre os trabalhos que temos desenvolvido com verba pública. Nesse ano também estamos organizando uma equipe de produção agora para pensarmos em circulação nacional.