Coreografias urbanas: o corpo guiado através de Santos

Idealizado pela artista Sheila Ribeiro, o 7×7 é um projeto de manifestações crítico-poéticas em torno de trabalhos artísticos escritos por artistas. Desde 2009, o 7×7 olha para o que acontece em dança contemporânea por ai. Nascido durante o Festival Contemporâneo de Dança (SP), já cobriu o Festival Panorama (RJ), Olhares sobre o Corpo e  FID (MG), Panorama Sesi (SP), Bienal SESC de Dança 2013 (Santos), dialogando com os eventos de dança do Brasil e produzindo + de 100 críticas artísticas. O 7×7 hoje é: Arthur Moreau, Caroline Moraes, Rodrigo Monteiro, Bruno Freire, Laura Bruno e Lucia Naser. O idanca.net, parceiro desde sempre, publica mais uma série de 7 críticas do projeto. Para conhecer + sobre,  acesse o site.

Adriana Macul + Mariana Vaz x Arthur Moreau = O centro de Santos assistido pelos corpos

Por Arthur Moreau entorno de Tríade Tour Santos, de Adriana Macul e Mariana Vaz (São Paulo).

O Núcleo Tríade (Adriana Macul, Mariana Vaz e Laura Bruno) convoca aqueles que participarão do seu Tour Santos para vestirem colares com ipods, juntos com os fones acoplados. Cada participante carrega um conjunto. É convidado que todos comecem a tocar os seus respectivos dispositivos ao mesmo tempo. Cada aparelho tem gravado o mesmo texto.

O texto é um guia turístico-coreográfico escrito pelo grupo e gravado com a voz da atriz Mariana Senne, da Cia. São Jorge de Variedades. O grupo elaborou todo o projeto à toque de caixa, num espaço de tempo muito apertado para o que o trabalho delas costuma precisar para ficar pronto. Mas, apesar do SESC ter fechado o contrato com elas muito perto de começar a Bienal, Laura bruno me disse que fizeram um trabalho a contento e dentro do padrão de outras experiências de tour que o grupo já produziu, como o Tríade Tour Ouvirundum (2012 – 2013) e o Tríade Tour São Bento (2011 – 2012), o qual também teve como co-autoria Flávia Mellman, Larissa Salgado e Natalia Mallo. O roteiro contem instruções de ações e relatos históricos de como a aquela região se desenvolveu urbanisticamente. Projetos de tubulações e drenagens foram efetivados naquele solo, outros, não; imprevisíveis pestes alteraram a distribuição populacional e a organização funcional das edificações; o crescimento econômico impulsionou a destruição e construção de arquiteturas colonialistas. A maior parte da vida da Cidade de Santos foi dedicada a servir Portugal. Na parte contemporânea relatada por Senne, não dá para saber para quem a cidade serve atualmente.

No Tríade Tour Santos, a fala de Mariana contamina todas as ações. Ela é a regente e ponto audível aos passeantes, mas é ignorada pelos demais transeuntes. Mas quem participa dessa coreografia ocupa o mesmíssimo espaço de quem não ouve Mariana. Os ordenados e as ordenadas, uniformizados com cordões e enfeitados com ipods, instauram uma leve ruptura por onde passam. As demais pessoas igualmente performam coreografias. Mas, no caso delas, é mais do mesmo. Estão na repetição de suas rotinas.

Os grupos guiados pelo Núcleo Tríade convivem com a dinâmica do centro de Santos com velocidades variadas, bem distintas de seu ambiente, e, mais do que isso, com paradas convertidas em adquirição de informações históricas-urbanísticas do local e forte estímulo à inflexão. A imagem da paisagem se amalgama com os elementos das imagens da imaginação.

Mariana Senne impõe, com pouca interferência sonora externa, com sua voz contundente e levemente sexy, para onde ir, para onde olhar, como andar, no que ou em quem reparar e até mesmo um jogo na Praça Visconde de Mauá. Há crítica nas escolhas do que se é dito quanto á história da cidade e de seu centro histórico. O tom do texto vai mais para o jornalístico, evitando qualificar os ocorridos e promovendo o vínculo entre eles com dados de registros. Quem ouve que elabore suas conclusões se assim quiser.

Todavia, se a edição sonora do trabalho do grupo configura uma abertura implícita para a crítica social de quem participa, ela também ordena as afetividades dos participantes. Sugerir e mandar são verbos que, se não explicitados, requerem o mesmo tempo verbal. Senne varia entre os dois, mas o tempo verbal é predominantemente imperativo. Ela dita os passos e também dita que o grupo se repare. Ela afirma para andar de um lugar para outro e também para imaginar situações várias. A sedução dela esta no processo educativo proposto, na dança, discreta, pontuada no presente. E do mesmo modo no autoritarismo para o jogo coletivo acontecer e para fustigar determinadas subjetividades e sensações. A moça da São Jorge morde a assopra. A história também.

Arthur Moreau é artista, bacharel em Comunicação das Artes do Corpo, da PUC-SP, e estudante de Filosofia, na USP.