Corpo poeta e resistência | Poetic body of resistence

Com a sabedoria que tem norteado os seus 13 anos de lutas, o Alaya Dança acaba de realizar a sua III Mostra de Intérpretes Criadores na Sala Martins Penna do Teatro Nacional. Desta vez, o evento teve duas novidades: foi aberto com o lançamento do livro Teatro do Movimento, um método para o intérprete criador, escrito pela fundadora e diretora do Alaya, Lenora Lobo, em parceria com a pesquisadora Cássia Navas. Com a pouca bibliografia disponível sobre a dança brasileira, cada iniciativa como essa deve ser celebrada. E escolheu um tema, com o objetivo de discutir o lugar da expressividade na cena contemporânea: Corpo Poeta. Então, convidou Ruy Moreira, que lá estreou seu novíssimo solo, Um Caminho…, e Eliana Carneiro, com Salomé. Do Núcleo Alaya Dança, uma estrutura que funciona dentro da companhia, participaram Aida Cruz (Cora), Kênia Dias e João Negreiros (Vaccum), Alexandre Nas e Júlio César Campos (Marte com S), e Selma Trindade (Nômades).

O Núcleo Alaya Dança resulta das dificuldades que impedem a estabilidade das companhias brasileiras. Premidos pela fallta de segurança a respeito da continuidade da companhia, que enfrentam ano a ano, os mais antigos e ativos bailarinos do Alaya se reuniram neste Núcleo. Vale destacar que a técnica desenvolvida por Lenora Lobo, na qual se formam os que dançam no Alaya, carrega um estímulo criativo que leva cada intérprete a buscar um modo seu de dançar.

O conceito do Corpo Poeta apresentado no catálogo da III Mostra, “corpo que, além de intérprete, é pintor, escultor, músico e poeta”, está muito claro em Aida Cruz. Os silêncios de Cora, inspirados no poema A Gleba me Transfigura, de Cora Coralina, vão abrindo espaço para a observação da qualidade de cada gesto. São poucos e todos parecem brotar de uma necessidade quase irrecusável. Serragem e água, quadrado que se torna círculo: cuidado com a aparência do que ela apresenta, pois nada é tão simples quanto parece. Uma economia da minúcia que revela uma intérprete madura e intensa.

Kênia Dias e João Negreiros escolheram investigar o vazio e a completude. Lotado de idéias instigantes, Vacuum funciona quase como um manifesto de intenções investigativas, forte e singular o suficiente para fazer destes dois intérpretes-criadores uma dupla a ser acompanhada. Escapam dos clichês, mas não da ansiedade de dizer muito, de produzir tanto – traço típico de muitas produções dos nossos tempos.

Rui Moreira inicia mesmo um caminho, fazendo do título da sua criação, de fato, um assunto. Busca uma movimentação que recusa os cânones da dança que o transformou no mais popular dos bailarinos do Grupo Corpo. Esta pesquisa, que desenvolve com Gil Amâncio (música) e Ricardo Aleixo (texto) e a arquiteta aponta para desdobramentos que podem se tornar ainda mais instigantes.

O Alaya Dança atua simultaneamente como produtor, distribuidor e fomentador da sua arte. Graças à iniciativas como a de Lenora Lobo, que não cede às adversidades, é que a dança brasileira mantém a sua taxa de diversidade e de qualidade. Todavia, não é certo que se continue contando somente com a força dos heróis da resistência – regimento do qual Lenora faz parte. Toda resistência tem um limite, já nos ensinaram as leis de Newton. Também por isso, é melhor não demorar demais em construir um país onde trabalhos como o do Alaya consigam, ao menos, continuar a fazer o seu futuro.Translated by Sarah Hyde

With the wisdom that has oriented its 13 years of efforts, Alaya Dança has just completed its III Exhibition of Creative Interpreters at the National Theater’s Sala Martins Penna. This time around, the event had two new offerings: it was opened with the release of the new book, “Theatre of Movement – methods for the creative interpreter,” written by Alaya’s founder and director, Lenora Lobo, in partnership with researcher Cássia Navas. With the scarce bibliography available about Brazilian dance, each initiative like this one should be celebrated. A theme was chosen in order to open the floor for discussing the place that expressiveness has in the contemporary scene: Corpo Poeta (Body Poet). Therefore, Ruy Moreira was invited, and it was there that he debuted his new solo, Um Caminho… (A Journey), and where Eliana Carneiro performed Salomé. The following individuals from the Alaya Dança Group participated, Aida Cruz (Cora), Kênia Dias and João Negreiros (Vaccum), Alexandre Nas and Júlio César Campos (Marte com S), and Selma Trindade (Nômades).

The Alaya Dance Group is a product of the difficulties that have hindered the stability of Brazilian dance companies. Pressured by the possible lack of continuity that they face each year, the most experienced and active dancers of Alaya are gathered together in this Group. The technique developed by Lenora Lobo is worth mentioning. Those that dance at Alaya study Lobo’s technique, as it carries creative stimulus that leads each interpreter to seek his/her own way of dancing.

The Body Poet concept presented at the III Exhibition, “a body that, in addition to interpreter, is a painter, sculptor, musician and poet,” is quite clear in the work of Aida Cruz. The silences of Cora, inspired by the poem “A Gleba me Transfigura”, (“The Native Land Transformed Me”) by Cora Coralina, open a space to observe the quality of each gesture. The gestures are few, and they appear to sprout out of an almost undeniable need. Sawdust and water, the square becomes a circle: but be careful with appearances, as nothing is as simple as it seems. An economy of detail that reveals a mature and intense interpreter.

Kênia Dias and João Negreiros chose to investigate both emptiness and wholeness. Full of instigating ideas, Vacuum works almost like a manifesto of investigative intentions, strong and unique enough to make these two interpreter-creators a duo worth following. They escape the clichés, but not their desire to say everything, to produce so much – a typical trait of the many productions of current times.

Rui Moreira truly lays out a new path, making the title of his creation, in fact, a subject. He seeks a movement that refuses to follow the rules of dance that transformed him into the most popular dancer of Corpo Group. This study, which he develops with Gil Amâncio (musician), Ricardo Aleixo (text) and the architect, points out discoveries that can become even more instigating.

Alaya Dança acts simultaneously as producer, distributor and promoter of its art. It is thanks to initiatives like those of Lenora Lobo that face up to adversities that Brazilian dance maintains its level of diversity and quality. However, it is not right for the movement to continue with the sole force of the heroes of the resistance – a regiment to which Lenora belongs. All resistance has a limit, as Newton’s Law has already taught us. In this case, it is better that we not wait too long to construct a country where projects such as Alaya Dança are able to least go forward and create their own future.