Dança de rua para além da rua | Street-dance beyond the street

(A foto ao lado é de Cláudio Etges)

O trânsito entre linguagens, territórios e estilos de dança não é novidade. E mais do que provocar uma crise de identidade, que me parece um fator superestimado por muitos, vem promovendo novos arranjos, experimentações, combinações e, consequentemente, novas formas de ação e de afirmação da dança de rua no Rio Grande do Sul. Isso já vem acontecendo no Brasil e no mundo, mas aqui pelos pampas apenas recentemente essas mudanças começam a ser percebidas de maneira efetiva e elas vêm promovendo algumas das mais inquietantes e entusiásticas produções da dança, especialmente nos últimos anos quatro anos.

Uma das mais antigas companhias de dança de rua, a Hackers Crew já conta com 25 anos de estrada. Ela foi uma das primeiras a investir em outras vias de produção. Das rodas de break dance dos anos 80, na Esquina Democrática (encontro de duas tradicionais ruas do cento da cidade na qual se realizam grandes celebrações musicais e dançantes nas sextas-feiras à noite), e do universo dos bailes de black music de Porto Alegre, a cia marcou história a ser a primeira a realizar uma temporada de um espetáculo em teatro. O espetáculo O Ritmo pulsante das ruas(2005) acabou dando a Ted (Odoni Borges), coreógrafo e diretor da companhia, quatro indicações ao Prêmio Açorianos de Dança, nas categorias melhor bailarino, coreografia, cenografia e trilha sonora. Fato histórico para uma premiação que até então tinha privilegiado o balé, o jazz e a dança contemporânea.

Mas a Cia não parou por aí, brigando bravamente para manter o grupo, vem se dedicando a sua nova produção Barbaridade! O espetáculo que teve estréia em novembro de 2009 mergulha na questão do regionalismo gaúcho para encontrar a interface com a dança de rua. E é assim que clássicos da música tradicionalista gaúcha servem de trilha sonora para coreografias de popping, locking e b-boying. Ainda que a pesquisa precise amadurecer, revela um aguçada percepção cultural e promete provocar conservadores(da dança de rua e da cultura gauchesca) ao tensionar a cena urbana e a cena campeira, juntas no palco.

Mas, se a Hackers vem bancando suas produções de maneira independente e com dificuldade financeira, outros grupos vem se habilitando a financiamentos públicos. O grupo Batida de Rua, criado em 1997 por Carlos Nunes, que até 2007 vinha se destacando em festivais competitivos, dos quais colecionou várias premiações, deu um novo passo. O grupo foi primeiro a encaminhar um projeto e ser aprovado no Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre – FUMPROARTE . O prêmio garantiu os recursos para produção do espetáculo Batida de Rua 10 anos que fez duas temporadas no Teatro Renascença e no Teatro de Câmara. Em 15 anos de financiamentos do Fundo, foi a primeira vez que um projeto de dança de rua foi contemplado, o que revela a disposição da dança de rua de conquistar seu espaço, não apenas físico, nos palcos, mas também na política cultural da cidade.

Outra via foi seguida pelo grupo Grupo My House, que fez sua estréia com espetáculo homônimo, ocupando um dos espaços nobres da capital, o Teatro do CIEE. As duas semanas de temporada mostraram uma produção cuidadosa, profissional e um resultado coreográfico refinado, bem humorado e inteligente. O que rendeu ao espetáculo sete indicações ao Prêmio Açorianos de Dança, incluindo melhor espetáculo, coreografias, bailarino. Pela primeira vez a dança de rua tem a chance de sair com o reconhecimento da melhor produção de dança do ano.

Mas o trânsito da dança de rua vem ultrapassando também as fronteiras locais. O Art & Dança já vinha fazendo há alguns anos do trânsito entre a dança de rua e a dança contemporânea um diálogo frutífero. O grupo já havia revelado esse potencial com coreografias que deram em 2007 o Prêmio de Coreógrafo Revelação, no Festival de Dança de Joinville, a Eduardo Menezes. Mesmo com o afastamento de Eduardo, que vem atuando fora do RS, o grupo prosseguiu suas pesquisas já sendo estranhado na categoria de dança de rua, nos últimos anos, em festivais competitivos, por estar “contemporâneo demais”. E, nesta trilha, em 2009, o Art&Dança foi o único grupo gaúcho a ser selecionado para o Projeto Rumos Dança, do Itaú Cultural, de São Paulo, com o projeto intitulado Conseqüência do som, de Carini Pereira, Mickael Ramos, William Freitas e Stéfanie Telles. (Clique aqui para ver o blog do projeto)

Ao lado desta produção, iniciativas públicas começam perceber essa movimentação. Em 2005, foi realizada a I Mostra de Dança de Rua de Porto Alegre, promovida pela Secretaria Municipal da Cultura. Sem o caráter competitivo, o evento propõe o encontro e a troca entre os participantes. Além, da Mostra, os projetos de Dança de Domingo e Quartas na dança, já selecionaram espetáculos do gênero para sua programação anual, com grande êxito de público. Ao mesmo tempo a produção acadêmica nos cursos de graduação em dança (hoje são 5 no Estado) vem produzindo inúmeras e importantes reflexões, como as produzidas nos trabalhos de conclusão de curso por Fernando Faleiro, Carol Laner e Tassiana Rodrigues.

Os grupos e companhias frente a este cenário vêm estabelecendo novas condições de organização, produção e divulgação. Enfrentando os editais públicos para temporadas, prêmios, leis de incentivo e financiamentos, começam a dar novos passos. Passos que nas ruas, nos palcos e na cena cultural vêm configurando um novo e bem-vindo panorama para a dança.

The transit between dance languages, territories and styles is not new. And more than provoking an identity crisis, which seems to me a fact overestimated by many, it has been promoting new arrangements, experimentations, combinations and, consequently, new forms of action and assertion for street dance in Rio Grande do Sul. This has already been happening in Brazil and the world, but around here these changes have only recently been perceived effectively and they have been promoting some of the most startling and enthusiastic dance productions, especially in the last four years.

One of the oldest street-dance companies, Hackers Crew, has already been on the Road for 25 years. It was one of the first to invest in other production alternatives. From break dance circles in the 80’s, in Esquina Democrática (“Democratic Corner”, a crossing of two traditional streets in the city’s center where large musical and dancing celebrations take place on Friday nights), and in the black music party circuit, the company made history as the first to have a show season at a theater. The show O Ritmo pulsante das ruas (2005) ended up giving Ted (Odoni Borges), the company’s choreographer and director, four nominations for Prêmio Açorianos de Dança, in the best dancer, best choreography, best stage settings and best soundtrack categories. It was a historic fact for an award that had until then favored ballet, jazz and contemporary dance.

But the company didn´t stop there, bravely fighting to maintain the group, it has been dedicating itself to a new production, Barbaridade! The show that premiered in November 2009 dives into the issue of Brazilian Southern regionalism to find an interface with street-dance. And that´s how traditional Southern music became the soundtrack for popping, locking and b-boying choreographies. Even though the research may need to mature, it reveals a sharp cultural perception and promises to provoke conservatives (in street-dance and in traditional Southern culture) by tensioning the urban scene and the pampa scene, together on stage.

But, if Hackers have been paying for their productions independently and with financial difficulties, other groups have been qualifying for public funding. Created in 1997 by Carlos Nunes, who until 2007 had stood out in competitive festivals, from which he collected several awards, the group Batida de Rua took a new step. The group was the first to send a project and to be selected to FUMPROARTE (City Support Fund for Porto Alegre’s Artistic and Cultural Production). The award ensured resources for production of the show Batida de Rua 10 anos, which had two seasons at Renascença Theater and Câmara Theater. In the 15 years of the Fund’s financing, it was the first time a street-dance project was awarded, which reveals street-dance’s disposition to conquer its place, not only a physical one, on stages, but also in the city’s cultural policy.

Another path was followed by group Grupo My House, which debuted with a same-named show, occupying one of the capital’s noble spaces, the CIEE Theater. The two weeks of performances showed a careful, professional production and a refined, humorous and clever choreographic result. That yielded seven nominations for Prêmio Açorianos de Dança, including best show, best choreographies, best dancer. For the first time, street-dance has the chance to get recognition as the year’s best dance production.

But the street-dance transit has also been crossing the local borders. For the last years, group Art & Dança had already been turning the transit between street-dance and contemporary dance into fruitful dialogue. The group had already revealed its potential with choreographies that made Eduardo Menezes win the Crossover Choreographer Award, at Joinville Dance Festival. Even with Eduardo’s withdrawal, as he has been working outside Rio Grande do Sul, the group continued with its researches, already being considered strange in the street-dance category for being “too contemporary”. And along this path, in 2009, Art & Dança was the only Southern group to be selected for Itaú Cultural’s Rumos Dança project, in São Paulo, with a project called Conseqüência do som, created by Carini Pereira, Mickael Ramos, William Freitas and Stéfanie Telles (Click here to visit the project’s blog).

Side by side with productions, public initiatives are becoming aware of this movement. In 2005, Porto Alegre’s first street-dance showcase took place, promoted by the City’s Culture Office. Without being competitive, the event proposes the encounter and exchange between the participants. Besides the showcase, the projects Dança de Domingo (“Sunday’s Dance”) and Quartas na dança (“Wednesday in Dance”) already selected shows in this gender for its annual programming, with much public success. At the same time, academic production in dance undergraduate courses (currently, there are 5 in the state) have been producing countless and important reflections, such as those produced in the graduation projects of Fernando Faleiro, Carol Laner and Tassiana Rodrigues.

The groups and companies ahead of this scene have been establishing new conditions for organization, production and diffusion. Struggling with public funding programs for seasons, awards, tax rebate laws and financing, are starting to take new steps. Steps that have been configuring a fresh and welcome panorama for dance on the streets, the stages and the cultural scene.

My House