Dança em Curitiba: ambiente e imagem em transformação

Apresentação: Dissertação de mestrado a ser defendida este ano no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica.

Contextualização Geral

Poderia se dizer que a história da dança no Paraná inicia em 1929, quando Tadeu Morozowicz, professor e coreógrafo polonês (1900-1982), funda o primeiro curso de ballet na Sociedade Thalia, partindo de uma iniciativa privada.

De fato, a dança neste estado, é também devida à heterogênea colonização de doze etnias, da cultura folclórica de povos oriundos de quase todas as partes do mundo. Os primeiros imigrantes a chegarem ao Paraná foram os alemães, seguidos pelos ucranianos, poloneses, italianos, entre outros. O Grupo folclórico Holandês foi o primeiro a ser criado em 1909 e o Grupo Folclórico Ucraniano, no ano de 1930 (um ano após a criação do primeiro curso de balé). Posteriormente houve a fundação do Grupo Folclórico Português (1958), do Polonês (1960), Italiano (1963), Germânico (1964) e a Associação Folclórica Japonesa Sul Paranaense, em 1969.

A primeira iniciativa pública nesta área, vinte e sete anos depois da criação do Ballet do Thalia, foi a fundação do Curso de Ballet do Teatro Guaíra.

A partir daí, a dança no Estado do Paraná, veio sendo representada e administrada pelo Centro Cultural Teatro Guaíra, órgão estatal vinculado, à Secretaria de Estado da Cultura.

Possui uma estrutura que permite abrigar em sua sede duas companhias profissionais estáveis, (Balé Teatro Guaíra ou BTG e Guaíra 2 ou G2). A Escola de Danças (antigo Curso de Ballet e posteriormente Curso de Danças Clássicas), passou a ocupar outro espaço desde 1988 já que a sede do Teatro Guaíra não mais comportava o número de alunos.

Curitiba, a capital, também sedia, desde 1984, os Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Dança na Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e, há mais de 20 anos, o Curso Permanente de Dança na Universidade Federal do Paraná. A produção de dança da cidade fica, de modo geral, restrita a essas instituições e às academias particulares. São raros os grupos independentes, havendo produções esporadicamente realizadas através da Lei de Incentivo Municipal à Cultura (2), lei esta que não prevê continuidade.

A Fundação Cultural de Curitiba (FCC) (3), criada em 1973, promove o Festival de Ginástica e Dança, que como explicita o nome, mistura duas áreas distintas e que é elaborado e realizado pela Secretaria de Esporte e Lazer de Curitiba.

Novas Configurações

Até início de 2003, este era o único evento promovido pela FCC na área da dança. A partir de junho deste mesmo ano, a Fundação Cultural de Curitiba implantou o Centro de Estudos do Movimento na centenária Casa Hoffman, antiga loja de tecelagem situada no Centro Histórico da cidade, no Largo da Ordem.

Com coordenação e curadoria da companhia de dança Chamecki-Lerner (4), leia-se Andréa Lerner e Rosane Chamecki, este Centro de Estudos tem sido visitado por profissionais renomados da área da dança e movimento do Brasil e exterior.

Ainda no ano de 2003, a FCC lançou um Edital Público para grupos de dança, teatro, música e artes plásticas: o Residência Rebouças. Edital que subsidia por um ano projetos selecionados, que devem estabelecer suas sedes no Bairro Rebouças. É vinculado a Prefeitura que visa revitalizar este bairro.

Partindo de iniciativas particulares, surgiram em Curitiba o Fest – dança de Curitiba, que está em sua terceira edição e é promovido pela Araucária Produções Artísticas com curadoria do bailarino do BTG, Wanderley Lopes. O Encontro das Novas Dramaturgias do Corpo, instituído também a partir de 2001 foi elaborado pela professora Doutora Christine Greiner (PUC-SP) e Marila Velloso, professora do Curso de Dança da FAP, e teve em 2003 sua segunda edição.

Em outubro de 2002, a realização do evento Conexão Sul – versão Paraná, reuniu diversos profissionais da área da dança incluindo bailarinos, produtores culturais, coreógrafos, pesquisadores e jornalistas do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Belo Horizonte. Teve a coordenação de Marila Velloso, Rosemeri Rocha, Cinthia Kunifas e Mônica Infante, coreógrafas e bailarinas curitibanas.

O Conexão Sul foi elaborado pelos bailarinos e coreógrafos Tatiana da Rosa, Cibele Sastre e Marco Fillipin de Porto Alegre, tendo sido em maio de 2002, sua primeira edição nesta cidade.

Posteriormente, em 2003, o Conexão Sul foi também realizado em Florianópolis com coordenação de Sandra Meyer, Vera Torres e Jussara Xavier.

Imagem e Ambiente

Tradicionalmente reconhecida no Brasil como a cidade onde novos produtos artísticos são testados, Curitiba também se distinguiu no cenário nacional pela dança do Guaíra durante muitos anos. Idéias e associações como essas foram construídas por ações conjuntas do estado, do público, da classe artística e da mídia.

Em manchete da Gazeta do Povo, de 25 de abril de 1969, lê-se: Público de Curitiba é exceção no Brasil. A matéria trata da qualidade e quantidade de espetáculos assistidos pelo público curitibano no Teatro Guaíra naquele período. A mídia estampava Curitiba e o Guaíra, na linha de frente das produções artísticas nacionais. Há também uma exaltação ao público curitibano o aliando a imagem de exceção em âmbito nacional.

Nesta outra matéria, se evidencia o Estado do Paraná como referência nacional nas Artes: Novamente o Paraná é pioneiro à arte e à cultura. O Governo do Estado através da Secretaria da Educação, Teatro Guaíra e FUNDEPAR, está patrocinando campanha inédita no Brasil para dar ao grande público oportunidade de assistir a bom teatro (Gazeta do Povo, 08 de abril de 1969).

Ou como em matéria do dia seguinte do Diário Popular: Enquanto isso, foi encenada ontem, pela primeira vez em todo Brasil, a peça ‘Vida e Morte Severina’ no Teatro Guaíra, colocando novamente Curitiba no plano das estréias nacionais.Estes são dados de um período bem específico que mostram a confluência de diversos fatores alimentando a replicação de determinadas idéias, e criando uma rede de conexão para a sobrevivência das mesmas.

Dawkins (5) parte do pressuposto de que a transmissão cultural é análoga à transmissão genética no sentido de que, pode originar um tipo de evolução. E a evolução da vida se dá pela sobrevivência diferencial de entidades replicadoras considerando replicador da evolução genética, o gene ou molécula de DNA.

Do mesmo modo que o gene é, portanto, uma unidade de transmissão genética, Dawkins propõe uma unidade de transmissão cultural, nomeando-a meme (6). E assim como os genes se replicam de um corpo para o outro através dos óvulos e espermatozóides, os memes se replicam passando de cérebro em cérebro. A idéia é: a idéia sendo replicada por gerações e gerações.

Assim como alguns memes podem ser mais bem sucedidos que outros, o que também se mostra análogo aos genes (na genética), a duração e fecundidade de um meme depende do quanto ele será aceitável ou não para o ambiente no qual se localiza. Alguns podem se espalhar rapidamente, mas permanecer por pouco tempo e o inverso também pode ocorrer dependendo das condições propiciadas pelo ambiente (7).

Provavelmente, foi na existência de um contexto favorável que a dança e o Guaíra se projetaram nacional e internacionalmente. E um dos momentos significativos desta consolidação de imagem foi o período da década de 80 quando o coreógrafo português, Carlos Trincheiras, passou a dirigir o BTG (8).

Há também nesta história, uma relação clara entre o desenvolvimento do Teatro Guaíra e o da dança. Eles se constroem no mesmo período. E a interferência de um no outro passa a ser grande.

Isto permite olhar essa evolução cultural também sob o conceito de coevolução, onde todos os elementos que constituem uma determinada situação ou organismo evoluem mutuamente e são codeterminantes de suas próprias particularidades e do ambiente onde se encontram.

O prefixo co no termo evolutivo tem relevância central, pois é ele que nos sinaliza a porta de vai-vem entre corpos e ambientes (co-evolução) (9).

Esses são alguns dos conceitos norteadores da pesquisa em função do que já foi apresentado acima e considerando que Curitiba, nos últimos três anos, tem estabelecido entre dança e ambiente outras relações e trocas informativas bastante distintas das que vinham ocorrendo até então. Apesar da consolidação da imagem Dança Guaíra ir ao auge nos anos 80, essa situação modificou-se bastante na última década.

Fica então a necessidade de reflexão sobre como estas idéias se estabeleceram no ambiente cultural de Curitiba e de como aqui foi ou não, em diferentes momentos, um espaço gerador de condições favoráveis à instauração de um processo coevolutivo entre as diferentes qualidades informativas – idéias, pessoas e lugares (10).

* Marila Velloso : Professora do Curso de Dança da FAP/PR e da Escola de Dança do CCTG; Co-Diretora do Porto- Rebouças – Estufa Multidisciplinar. Especialista em Consciência Corporal – Dança pela FAP. Mestranda em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRITTO, Fabiana Dultra. Duração e permanência da dança. Pollen – Mondo Paper. Curitiba, 2004.
DAWKINS, Richard. O Gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.
________. Desvendando o arco-íris. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LEÃO, Doralice Soares. O papel da mídia impressa no embate marketing cultural x marketing social. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Notas

1. A criação do Curso de Ballet do Teatro Guaíra ocorreu durante o governo de Moysés Lupion através da portaria no. 29, publicada no Diário Oficial de 11 de abril de 1956.
2. Proposta pelo vereador Ângelo Vanhoni e reapresentada pelo Executivo em 1992, acabou sancionada em 1993. (MENDONÇA, 1996: 139).
3. MENDONÇA (1996:23): A FCC foi instituída pela Lei Municipal no 4.545, de 05 de janeiro de 1973.
4. Andréa Lerner e Rosane Chamecki, as diretoras da companhia contratada, são bailarinas e coreógrafas curitibanas, e desenvolveram por muitos anos suas produções em Nova York, onde era sediada a companhia.
5. DAWKINS (2001: 211)
6. Um meme de idéia pode ser definido como uma entidade capaz de ser transmitida de um cérebro para outro. (DAWKINS, 2001: 217)
7. (DAWKINS, 2001: 216).
8. Carlos Trincheiras assumiu a direção do BTG no período entre 1979 e 1993.
9. (LEÃO, 2004: 114).
10. (BRITTO, 2003:59).