DI cia. de dança / Foto: Anna Clara Hokama

Desembaraçando…

Muito se fala sobre a dança produzida na cidade do Rio de Janeiro, porém, fora da capital há iniciativas interessantes que acabam não tendo grande visibilidade. Abrindo espaço para projetos e ideias em andamento no interior do estado, o idança, com apoio da Secretaria de Estado de Cultura (SEC), convidou o coreógrafo Paulo Azevedo, de Macaé, a escrever sobre diversos aspectos da cultura hip hop. No texto de estreia, ele apresenta a dança como estratégia de autoconstrução de um adolescente. A série terá três textos, acompanhe.

“Desembaraçando” é o texto que inaugura uma série de seis conversações sobre a cultura da dança no Hip Hop. Em especial, neste está presente o universo da dança para o adolescente como estratégia de autoconstrução subjetiva, explorando frestas para que ele se apresente num determinado tempo e espaço como sujeito que sente, pensa, deseja e age.

“Não há nada mais embaraçoso que a adolescência”. Uma espinha no rosto serve de justificativa à solidão, ver o corpo criar pêlos e ganhar formas distintas da infância acusa muitas das vezes a recusa de si mesmo ou a supervalorização do outro. A música, a dança, o hip hop, adquire neste contexto um lugar de destaque para apresentar uma narrativa diferenciada sobre este corpo em transformação: mu_danças.

Popping, Locking, Breaking, drops, footworks, acrobacias e muita improvisação se tornam sistemas de conectividade, ativos, comunicacionais, acolhem outras interpretações de mundo. É o corpo em contato com a música, na gestão do movimento, na representação do gesto, na confecção do estilo, ali com a galera, trata-se de “tribos”. Tudo isso envolvido pelo universo do sensível serve de terreiro ao surgimento de outras identidades (móveis) ou de uma identificação cultural de característica orgânica, metabólica. Entra em cena o contexto biopolítico, no qual o corpo, em suas distintas abordagens (biológico, somático, físico), se transforma num instrumento de emponderamento e cerne da reforma das estruturas sociais. Adentramos na época, não necessariamente de uma política de identidades fixas (de classe e cultura), mas de uma política de diferença.

A vida social passa a ser regulada por dentro, pois é ativada constantemente pelo próprio desejo dos indivíduos, desejo nos termos deleuzianos do conjunto, da potência, da criação; criação como delírio-mundo; delírio como arte. A dança no Hip Hop, seus grupos, suas rodas, suas metáforas urbanas e verborragias tangentes sugerem a constituição de uma grande comunidade emocional em oposição ao modelo de organização racional típico da sociedade moderna. Os movimentos sociais ganham expressão como novos atores políticos.

Assim, o que sintetiza a experiência desta dança é o fato de auxiliar o adolescente no redimensionamento do seu projeto de cidadania, sendo tal postura pró-ativa e ganhando expressão a partir da interseção entre consciência, lazer e luta; combinando manifestação artística com moda e política, apresentando novos signos de sociabilidade que emergem por uma dada potência denominada proxemia.

O fato do Hip Hop, elemento estruturante do habitus desses adolescentes, devolver o sentimento de libertação e a vivência de protagonismo, permite que se revelem como “autores de si próprios”. Ao surgir como parte da tomada de consciência e possibilitando que os adolescentes e a sociedade civil positivem a representação que têm de si, a dança no Hip Hop se afirma como um novo espaço de cidadania. Uma opção na expressão de grupo via uma estética de ruptura ou transgressão incorporada na juventude, sobretudo, aquela desfavorecida de quase tudo que compreendeu seu limitado acesso às vias tradicionais de obtenção de status e reconhecimento. Tais atores sociais saindo da marginalização de si mesmo ou das condições político-econômicas, culturais e sociais que os rodeiam produzem uma lógica interna de gestão que choca com os pressupostos da modernidade. Re-conectam o que este paradigma deixou de fora com a égide da racionalidade, ou seja, a emoção, a mística do mistério, o simbólico e a sensibilidade. O que está por trás desse movimento, desse “balanço dos quadris” é a lógica da paixão, prevalecendo muito menos a inteligência propriamente dita do que a sensação. A comunidade emocional está ativa e o movimento se veste de verbo, um corpo dança.

Nascem outras formas de fazer política pelo conjunto dessas inscrições que tocam e remexem com as identidades juvenis – a dança pode ser para a adolescência a matéria e a subjetivação de um desejo de sair do anonimato e transcender o embaraço.

A foto retrata dois integrantes da DI cia. de dança, um dos projetos do CIEM.h2 Crédito: Anna Clara Hokama.

Paulo Azevedo é mestre em Políticas Sociais e diretor artístico do Centro Integrado de Estudos do Movimento Hip Hop (CIEM.h2), em Macaé, onde, entre outros projetos, funciona a Membros Cia. de Dança.

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