‘É como se as coisas fossem se revelando’ – Marta Soares revisita suas obras em mostra até o mês de junho

 


Marta Soares é uma artista que tem uma ligação muito particular com o tempo, com os limites do corpo e com as histórias que vai encontrando. Desde quinta-feira, dia 3, Marta revisita um pouco de sua própria história, com seus 20 anos de carreira. Ela apresenta quatro de suas obras na Ocupação Marta Soares, que permanece em cartaz até junho na Oficina Cultural Oswald Andrade, na cidade de São Paulo. Além das apresentações, a Ocupação traz também uma oficina com o intuito de compartilhar um pouco de seu processo criativo, que acontece em junho.

Marta se mudou para São Paulo em 1980 a fim de prestar vestibular para arquitetura, mas o “chamado da dança”, como diz a própria artista – ao se lembrar de um filme que assistira sobre a vida da bailarina Isadora Duncan e da influência de uma prima que estudava na Escola Municipal de Bailado de São Paulo – a fizeram se inscrever em aulas de dança expressiva.

“Em uma das primeiras aulas, ao rolar no chão, pude perceber que aquele tipo de dança poderia ser um meio de vida através do qual eu teria possibilidades de acessar sentimentos e sensações que até então não me haviam sido permitidos”, conta.

As obras escolhidas são Vestígios (2010), O Banho (2004), Deslocamentos – seu mais recente trabalho, ainda em processo – e Les Poupées (1997). Ela conta: “Quando eu escolhi essa ordem, eu pensei que é uma reconstrução de um corpo que dança no espaço, pois, com o passar do tempo, o meu trabalho foi ficando cada vez mais performático”.

E continua: “Em Vestígios, que é uma exumação, o corpo esta em movimento celular, em devires, ancestral – rocha, concha, planta. Em O Banho o corpo se funde ao ambiente, tornando-se simultaneamente figura e fundo. Em Deslocamentos, os corpos das interpretes são acoplados por figurinos-peles e ao movimentarem-se geram figuras híbridas. Em Les Poupées, o corpo é descategorizado, tornando-se simultaneamente feminino e masculino, dentro e fora, vivo e morto”.

Tanto para o público como em seus processos de criação o tempo é expandido. É necessária uma percepção de tempo muito diferente daquela com a qual lidamos no cotidiano para observar a sua obra e, do mesmo modo, ela conta que sua criação exige muito tempo. “São processos longos, o que não é nada prático financeiramente. Em O banho, por exemplo, foram ao todo três anos de processo. Cheguei a reunir mais de 120 horas de vídeo. Em um certo ponto eu fiquei estressada com a intensidade daquilo e parei. Quando eu recebi o [Prêmio] Rumos Itaú Cultural eu retomei o processo, e fui remontar o trabalho, o que levou mais seis meses.”

É perceptível como o olhar da artista é atraído por histórias que motivam a vontade investigativa, que vai além da simples coleta de informações, mas passa por uma necessidade de aproximar do próprio corpo esses objetos de curiosidade, de vivenciar essa investigação.

“É como se as coisas fossem se revelando. Quando eu fiz o Les poupées, por exemplo, eu tive uma empatia com essas fotos do Hans Beller [artista plástico alemão, conhecido pela série de bonecas em tamanho natural que produziu nos anos 1930]. Enxerguei algo de mim naquelas fotos. Mais tarde ganhei, por acaso, um livro da Unika Zürn, esposa de Hans Bellmer, que escrevia automaticamente sobre os seus transtornos mentais. Foi quando eu criei o Homem de jasmim e explorei esse universo. Simultaneamente, eu me interessei pela Casa da Dona Yayá, sem saber da sua história. A sua arquitetura inclassificável me chamava a atenção, parecia um mausoléu. Mais tarde, ao me deparar com um livro sobre a casa,  é que eu fui saber que havia sido um manicômio privado e sobre o transtorno dela. São esses acasos que me atravessam, me tocam e me instigam criar”.

Um processo atípico nessa sequência de obras da ocupação é Deslocamentos, o único trabalho em grupo a ser apresentado, e também o único em que a artista não aparece performando. “O processo começou bem mais aberto, com o intuito de trabalharmos com roupas que aos poucos foram tornando-se um figurino-pele. Fizemos algumas apresentações no formato experimento e no momento estamos focados em criar uma estrutura onde as questões da obra estejam aprofundadas e com a qual seja possível circular”.

 

Vestígios.
De 3 a 19 de março.
Quintas, sextas e sábados, às 20h,

O Banho.
De 31 de março a 16 de abril.
Quintas, sextas e sábados, às 20h

Deslocamentos.
De 6 a 28 de maio.
Sextas e sábados, às 20h
[Sessão extra dia 5 de maio, quinta-feira, às 20h]

Les Poupées.
De 9 a 25 de junho.
Quintas, sextas, e sábados, às 20h
Oficina Cultural Oswald de Andrade.

Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro – São Paulo, SP.
Classificação: Livre.
Capacidade: 40 lugares.
Entrada gratuita

Os ingressos devem ser retirados 30 minutos antes no local. 

 

Oficina de Compartilhamento de Processo Criativo
De 6 a 20 de junho.
Segundas e quartas-feiras, das 14h à 18h.
Público: Artistas da dança, teatro e estudantes das artes do corpo.
Inscrições: De 1º de abril a 30 de maio, pelo site da Oficina Cultural Oswald de Andrade.
Seleção: Análise de currículo e carta de interesse.
Vagas: 20.
Indicação: Maiores de 16 anos.

[Foto: Divulgação de Vestígios, primeira obra a ser apresentada na ocupação.]