É preciso colocar o crítico em risco

A perspectiva de ser a escrita crítica um processo isolado e pessoal precisa ser problematizada. Duvido, cada vez mais, da relevância do academicismo, tecnicismo e historicismo. Afinal, a experiência contemporânea comprova não mais haver como atribuir regras tão definitivas aos fazeres da arte. Qual o sentido, então, de avaliar por tais valores, por verdades prévias intelectuais, metodológicas e consequenciais? A escrita crítica necessita subverter os preceitos que a definem para ser o mergulho radical não mais ou apenas sobre a obra qual observa, e sim sobre o artista, o perceptível pela criação de ter lhe provocado a necessidade de criar. Escrever críticas nos dias atuais, portanto, exige disponibilidade ao encontro com os interesses do outro, superando seu contexto meramente opinativo, visto nenhuma certeza se sustentar para além de um único trabalho.

Pensando nisso, a Antro Positivo se volta a experimentar formas de escritas críticas interessada em descobrir reflexões diferentes e originais, a partir de espetáculos de teatro, dança e performance: Crítica Imediata, comentários curtos e incisivos produzidos na urgência das sensações, logo após as apresentações; Crítica Participativa, através de perguntas não afirmativas para espetáculos em processo; Crítica Dentro, escrita durante a apresentação como um fluxo de pensamento não editado; Crítica X2, conversa informal escrita por dois críticos ou mais; Escrita Sobre, ensaio crítico filosófico sem viés analítico; e Crítica Performativa, escrita por oito ininterruptas por mais de um resenhista simultâneos, exposta em tempo real e aberta às interferências, ampliações e discordâncias do público, propiciando um debate propositivo durante a própria escrita.

Iniciada em 2015 e hoje com cinco ações realizadas em festivais, a Crítica Performativa tem provocado imenso interesse por artistas, público e curadores. A proposta se radicaliza ainda mais por aproximar-se ao espetáculo qual investiga também esteticamente nas instalações criadas especialmente para abrigar os resenhistas e na estrutura da escrita. Assim, na primeira ação, a partir de Canção de Muito Longe, de Ivo Van Hove, na MITsp 2015, por exemplo, as reflexões surgiam através de cartas enviadas entre os resenhistas para artistas, personagens e público, assumindo o mote do espetáculo, o irmão que escrevia cartas ao outro falecido.

A relevância dessa estetização se aprofunda ainda mais com a inclusão de uma designer como co-escritora. Cada reflexão é apropriada para ser recontextualizada e, então, apresentada de modo muito particular aos leitores interessados. Cada resenha se faz única. Cada reflexão se revela a soma entre a inquietação do pensar a obra e o descobrimento da própria obra durante o escrever.

Dessa modo, o crítico, exposto ao outro em suas fragilidades, seus limites, seus desconhecimentos, seus equívocos, suas ansiedades, valida-se por ser outra sua função. Cabe-lhe, agora, ser o epicentro de visões de mundo, de conhecimentos e informações, aonde o público e artista podem se reconhecer. O crítico deixa de ser alguém, o dono de uma verdade, e se assume algo, instrumento. E nesse algo, nesse objeto de desdobramento inevitável do artista, em gesto de encontro e conflito, também responsável por enxergarmos a realidade para além dela mesma. Apenas e somente um mecanismo mais de ampliação da experiência poética. Pois só assim suas opiniões e reflexões poderão de fato dialogar com a amplitude do incontrolável contemporâneo.

 

* Ruy Filho é dramaturgo, diretor, pesquisador e crítico de teatro e dança. Co-idealizador e co-editor da Revista AntroPositivo.

 

[Foto: A ação Crítica Performativa durante o Festival de Curitiba 2016. Imagem de Patrícia Cividanes.]