Seminário Economia da Dança / Fotos: Caio Branco

Economia, arte e política em pauta

Entre os dias 12 e 17 de novembro, o Festival Panorama abriu espaço para a discussão de importantes temas relativos à produção em dança com a realização de dois seminários: Economia da Dança e Cruzamentos Contemporâneos entre Arte e Política, ambos no Rio de Janeiro. O segundo faz parte de uma programação bem maior, do projeto com.posições.políticas, que se estenderá ao longo de 2011.

Realizado pelo 3º ano consecutivo, o Seminário de Economia da Dança é uma das ações bem-sucedidas do festival. Desde 2008, ele tem alimentado a realização de ações semelhantes pelos quatro cantos do Brasil. Nesta 3ª edição, que aconteceu nos dias 16 e 17 de novembro, no BNDES, o encontro experimentou um novo formato, que resultou em discussões mais pontuais e objetivas. A proposta seguida foi que, durante os dois dias, os cerca de 20 profissionais da dança do Brasil e exterior presentes debateram necessidades da categoria divididas em dois eixos temáticos: A dança do “Brasil 5ª potência” e Vamos sair da dança do “faz de contas”?. Os participantes se dividiram de acordo com os interesses pessoais e pontuaram as questões mais relevantes dentro de cada eixo, abrindo o debate em seguida.

Dessa forma foram abordadas questões como o formato engessado dos editais, o mapeamento dos profissionais e alternativas ao formato capitalista de produção artística. Como as urgências foram apontadas pelos próprios artistas, as discussões foram mais proveitosas.

Dentro do primeiro eixo, um tema bastante discutido especialmente pelos artistas estrangeiros (a maioria da América Latina) foi a cooperação internacional. Falou-se da importância de se entender as especificidades de cada país para a elaboração de projetos de cooperação pois o que existe hoje é muito baseado em experiências europeias. “Atualmente não há fundos que apoiam, financiam projetos transnacionais. Estamos sempre submetidos a interesses externos que pouco têm a ver com cultura”, alertou Nirlyn Seijas, da Venezuela. “Ainda é um desafio dentro da cooperação em dança: quais devem ser as lógicas de trabalho, especificidades que devem ser respeitadas. Os projetos que existem hoje ainda são muito baseados em experiências dos países do norte”, afirma Eduardo Bonito, um dos curadores do Panorama e um dos diretores artísticos do projeto coLABoratorio, de residências internacionais. Ele lembrou da iniciativa do projeto Sul-Sul, que mapeou atores responsáveis por cooperação internacional em todos os países da América Latina, além de Caribe. No site, é possível encontrar currículos de inúmeros artistas da região que muitas vezes estão em zonas de sombra, mas que realizam importantes trabalhos em suas regiões. “É necessário criar alguns projetos-piloto para mostrar a outros países do sul que é possível fazer coisas sem depender do dinheiro dos países do norte. A célula deve ser sempre o indivíduo, o vínculo pessoal é o primeiro passo. Os próprios artistas vão criando suas redes, aumentando o fluxo de culturas”, diz. Ricky Seabra chamou a atenção para a importância de se pensar em afinar o discurso dos artistas com o dos tratados internacionais, como o Mercosul e o Pacto Andino, por exemplo. “Uma sugestão é inserirmos as necessidades das artes num formato de discurso que outras instâncias compreendam”, apontou.

Seminário Economia da Dança / Foto: Caio Branco

Seminário Economia da Dança / Foto: Caio Branco

Dentro do segundo eixo, Vamos sair da dança do “faz de contas”?, um tema já discutido em 2009 e que voltou com mais força em 2010 foi a inserção da dança no sistema de economia solidária (ecosol). Essa discussão vem ganhando força em todos os seminários Brasil afora pois está diretamente ligada à forma de produção e à economia da dança.

“Nossa urgência agora para inserir a dança no contexto da economia solidária é como dar valor a ela dentro desse universo. É um passo importante fazer as pessoas envolvidas com economia solidária entenderem a importância da arte dentro do sistema. E depende de nós sabermos como podemos valorar a dança para eles entenderem também” explica Duda Freyre, integrante do Fórum de Dança e Economia Solidária – Núcleo Angel Vianna, lembrando aos interessados no assunto que existem cartilhas distribuídas pelo poder público em todos os estados brasileiros. Levando em conta que o poder público apóia e dissemina a ideia de economia solidária, uma sugestão levantada durante o debate foi a inclusão de um projeto de fomento da ecosol dentro dos Pontos de Cultura.

O segundo eixo de discussão teve a presença de um representante da Funarte, o que deu mais gás às discussões. A assessora de dança da Funarte, Diana de Rose, respondeu a algumas dúvidas dos artistas brasileiros e falou sobre as principais medidas para a área de dança em 2010 e planos da instituição para 2011. Ela ressaltou a importância do lançamento, em nível experimental, do Fundo Setorial de Circo, Dança e Teatro com o objetivo de ser uma renda além dos editais. Também lembrou da aprovação, em 2010, do Plano Nacional de Cultura.

Para o próximo ano, uma das principais inquietações dos artistas é o nome que substituirá o de Leonel Brum à frente da Coordenação de Dança. Sobre isso, Diana reiterou que o nome será pensado apenas em 2011. “Para 2011 também aguardamos a reestruturação da Funarte com a criação de uma Diretoria de Dança (discussão prevista dentro do Pro-Cultura)”, esclareceu.

Os editais como principal ferramenta de fomento continua sendo um dos temas mais polêmicos do seminário. Este ano, as principais urgências apresentadas foram: a necessidade de se pensar nos critérios de acesso aos editais; cumprimento dos prazos de repasse de verbas; a valorização da mídia (e a aplicação de novas formas de valoração de um projeto); e uma periodicidade mais elaborada para os editais (num tipo de inscrição contínua).

Interseção entre arte e política também foram tema de seminário

O Panorama 2010 marcou o lançamento do projeto com.posições.políticas, que teve como primeira ação o Seminário Cruzamentos Contemporâneos entre Arte e Política. Durante quatro dias – três no Instituto Cervantes do Rio de Janeiro e um na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, na Maré – artistas e público puderam dialogar sobre as interseções entre arte e política e o que tem sido produzido dentro desse contexto.

Com auditório cheio todos os dias, o seminário promoveu um passeio panorâmico inédito por questões como: o que significa hoje realizar arte política; o desafio de politizar o corpo que dança; o impacto do movimento queer nas práticas cênicas contemporâneas e as diversas articulações entre arte e ativismo.

Escritora e professora de literatura americana, estudos de gênero e artes visuais na Universidade da Califórnia, a americana Jennifer Doyle (na primeira foto, ao lado de Jorge Alencar) apresentou o trabalho de artistas que desafiaram/desafiam códigos específicos do que um corpo pode ou não ser e fazer de acordo com gênero e opção sexual. Ela destacou a atuação política do coletivo My Barbarian, composto por três performers de Los Angeles, além de mostrar exemplos de vídeos que discutem a questão de gênero de forma bem diferente da observada nos anos 60, quando o tema ganhou o mundo via manifestações artísticas. “Eles fazem um trabalho mais otimista, diferente do que era feito nos anos 60/70. Isso é importante, ainda mais na época em que vivemos”, ressalta Jennifer, convidada da mesa de sábado (13/11), com o tema Corpos e subjetividades dissidentes.

Jennifer dividiu a mesa com Jorge Alencar, do Dimenti, que deu um panorama do que vem sendo produzido em dança e performance dentro do movimento queer. Nessa lista, ele destacou nomes como o de Simone Gonçalves, Carolina Falcão e Fernando Passos, entre outros.

Para o crítico francês Christophe Wavelet, arte e política sempre estiveram muito próximas, porém, ainda hoje são pouco faladas, pensadas. “Para uma obra existir, ela precisa de um contexto, arte e política são realidades inseparáveis. O problema é quem pensa, discute, debate? Pouco se fala. Se queremos que as obras não sejam apenas produtos, temos que conversar”, acredita Wavelet.

O Seminário Cruzamentos Contemporâneos entre Arte e Política foi apenas uma primeira provocação dentro de toda a programação do projeto com.posições.políticas proposta para 2011, quando serão realizadas residências artísticas (segundo semestre de 2011) e um Encontro Ibero-americano durante o Panorama 2011.

Abaixo assista a trechos dos dois seminários (vídeo de Luís Guilherme Gerreiro):

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=FC6f-z0h49U[/youtube]