Em seu 25º ano Festival de Curitiba reformula Mostra Oficial, mas ainda precisa repensar o Fringe

Juliana Viegas e Gustavo Bitencourt

‘Mordedores’, de Marcela Levi e Lucia Russo, está na programação da Mostra Oficial deste ano.

Festival de Curitiba começou sua 25ª edição ontem, dia 22, trazendo uma edição rica em diversidade. Com curadoria assinada pelo ator Guilherme Weber e o diretor Marcio Abreu, ambos com históricos e formações artísticas ligadas à cidade, a Mostra Oficial traz dessa vez mais obras da cena local, amplia a diversidade de linguagens e pesquisas artísticas e investe em propostas menos tradicionais.

Dentro da programação de dança, destaque para Batucada, mais recente projeto do coreógrafo Marcelo Evelin/Demolition Incorporada, uma intervenção alegórico-política, que deixa o local onde inicia para transbordar para as ruas da cidade, redefinindo a paisagem do espaço público, e Caranguejo Overdrive, da Aquela Cia., obra com quatro indicações para o Prêmio Shell que apresenta a história de Cosme, ex-catador de caranguejos no mangue carioca na metade do século XIX.

Entre os espetáculos solo, estão Fole, investigação rítmica do movimento da respiração de Michelle Moura, The Hot One Hundred Choreographers, de Cristian Duarte, em que o assunto e material coreográfico de 100 obras são apropriados e manipulados resultando numa mixagem de seus conteúdos e La Bête, em que o coreógrafo Wagner Schwartz manipula uma réplica de plástico de uma das esculturas da série Bichos (1960), de Lygia Clark.

O público também poderá poderá assistir Mordedores, de Marcela Levi e Lucía Russo, La cena, da curitibana G2 Cia. de Dança, uma das estreias da mostra, e a inédita MÓ — Dramaturgias em dança e desenhos de comunidade, com o núcleo Miúda. A programação completa pode ser vista aqui.

 

Ser adulto é saber ouvir críticas

O Festival de Curitiba, aos 25 anos, já é um adulto. Ao trazer um novo pensamento curatorial para a Mostra Oficial, assume uma nova postura e diversifica sua presença na cidade, demonstrando estar finalmente atento às críticas que vem recebendo da comunidade artística, em especial a comunidade artística local, desde o seu início. Com novas feições e retirando o foco expositivo em grandes estreias, a nova edição traz como proposta pensar o que é novo, ao invés de trazê-lo como atrativo.

A presença de trabalhos que extrapolam os limites das linguagens artísticas, que questionam o limite entre o que é arte e o que não é, permitem que o público tenha acesso à cena artística como ela é hoje, com menos hierarquias entre diferentes práticas artísticas, mais misturada, buscando novas formas de se relacionar com o público, com os diversos contextos sociais e políticos que a atravessam.

 

É preciso repensar o Festival junto com os artistas

Imagem da Mostra Sonora Cena, na edição do ano passado. A Mostra não se realizará esse ano pela falta de infraestrutura e diálogo com a produção do Festival. [Foto: Mariama Lopes]

No entanto, apenas 58 das mais de 400 obras que compõem a programação do Festival este ano estão na Mostra Oficial. O restante faz parte do Fringe, a mostra aberta e paralela que surgiu no sexto ano de existência do evento, em 1998. O Fringe não tem uma curadoria. Basicamente qualquer obra pode ser inscrita, desde que a maior parte da equipe integrante seja profissional. Os grupos e artistas pagam a inscrição e recebem em troca um espaço para apresentação, o “kit Fringe” (equipamentos bem básicos de som e iluminação), parte da bilheteria e a divulgação na programação do evento.

O maior atrativo para os participantes tem sido a visibilidade – ou seja, a ideia de que tornando seu trabalho visível em um evento desse porte, possam ter novas oportunidades de se apresentar e circular.

Mas essa visibilidade tem se mostrado fictícia em uma grande parte dos casos. É quase impossível ser visível dentro de uma programação sobrecarregada, com espaços insuficientes de apresentação, muitas vezes tendo que dividir o espaço com mais de um espetáculo no mesmo dia, com pouca infraestrutura e pouco tempo de montagem e desmontagem – o que chega a comprometer a qualidade técnica dos trabalhos em muitos casos.

As mostras especiais têm se tornado uma alternativa para grupos e coletivos da cena curitibana, que, dessa forma, têm conseguido gerenciar seus próprios eventos dentro da programação do Festival, normalmente em seus próprios espaços de trabalho, ou espaços parceiros, garantindo uma certa autonomia dentro do caos. Uma delas, era a Mostra Sonora Cena, do Concentrado Artístico Água Viva.

Neste ano, o Água Viva optou por não realizar a Mostra, explicando em nota pública divulgada pelo Facebook alguns dos motivos que os levaram a essa decisão, entre eles a falta de diálogo com a produção do Festival e a escassa infraestrutura oferecida.

O Fringe, entretanto, é o grande responsável pela imagem de grandiosidade e diversidade que o o Festival tem utilizado a seu favor e, assim como a Mostra Oficial, também recebe recursos públicos. Essa mesma maturidade que o evento demonstra em convidar dois artistas com respaldo e interesse na diversidade e nas possibilidades da cena contemporânea brasileira para repensar a Mostra Oficial precisa também estar presente no diálogo com os artistas que participam do Fringe.

É fundamental que artistas comecem a ter um posicionamento mais crítico em relação à sua participação no evento, como foi o caso do Água Viva e de tantos outros grupos, coletivos e artistas ao longo desses anos, e é fundamental que a direção do Festival se proponha ao diálogo.

[Foto cabeçalho: Caranguejo Overdrive – FIAC Bahia 2015 © Leonardo Pastor]