Entre o político e o politizado | Between political and politicized

De 07 a 13 de junho de 2004, Porto Alegre sediou, pelo quarto ano consecutivo, o Congresso Nacional de Dança – CONDANÇA. Proposto e produzido pela Associação Dança Alegre Alegrete, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura e do Instituto Estadual de Artes Cênicas do Rio Grande do Sul, e promovido pela Lei de Incentivo à Cultura do mesmo estado, o evento vem buscando sua vocação através de diferentes formatos. Em sua primeira edição, foi fórum de debates sobre os então recém surgidos CREFs e CONFEF, e teve ainda como tônica uma série de aulas magnas das diferentes escolas de ballet. Foi direcionado para o pensamento contemporâneo de dança em sua segunda edição, promovendo, ao mesmo tempo, uma mostra que abrangeu as escolas de dança da cidade, obedecendo a uma organização por “estilos” semelhante ao de festivais competitivos. Paralelamente à programação científica, passaram a ser realizadas atividades, como o “work in process”, que permitiram que vários coreógrafos pudessem ter seus trabalhos comentados pelos pesquisadores visitantes.Translation by Fabiana Júlio, Ccaps Translation and Localization.

Nesta última edição o evento trouxe “O Corpo Político” como tema e teve as atividades de criação artística mantidas. Porém sua característica mais interessante foi o estreitamento de sua ligação com o meio acadêmico ao promover o “Encontro das Universidades de Dança do Brasil e do Mercosul”, com o apoio do Curso de Graduação Tecnológica em Dança da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.

A avaliação do encontro teve o tom do estarrecimento com o fato de o debate entre os cursos de graduação e pós-graduação brasileiros estar recém começando. O crescimento expressivo da formação acadêmica em dança no Brasil foi atestado pelo comparecimento de dez representantes de cursos, bem como pela presença majoritária de alunos dos cursos gaúchos de graduação e pós-graduação na platéia da programação científica. A necessidade até então latente de trocas mais sistemáticas entre os cursos veio à tona como uma evidência.

Ainda assim, não podemos dizer que o CONDANÇA encontrou um direcionamento que o justifique plenamente. O Encontro de Cursos de Dança foi ainda uma atividade entre outras. O público das oficinas não era o mesmo da programação científica, sendo o segundo reduzido, e composto, na sua maioria, por gaúchos. A pouca relevância nacional, indicada pela baixa procura pela programação científica, pode ser explicada pela dificuldade do evento em estabelecer um perfil ao longo de suas edições. Mesmo já tendo trazido a Porto Alegre pesquisadores como Ciane Fernandes, Laura Falcoff, Nanako Kurihara, Isabelle Launay, Roberto Pereira, Fabiana Britto, Regina Miranda, entre vários outros, que em conjunto indicam a diversidade da pesquisa em dança, a organização do CONDANÇA tem demonstrado dificuldade em eleger um objetivo mais preciso e um público mais específico para sua empreitada.

Infelizmente as ausências não param por aí, e podem estar indicando que a aparente inocência de um processo de tentativas, erros e acertos pode estar dando lugar à ingenuidade com implicações mais sérias. Assim como o público das oficinas de dança não é o mesmo, na sua maioria, do da programação científica, a procura pelo já mencionado “work in process”, e pelo programa de orientação a novos criadores, oferecido na edição anterior, não reflete a produção de dança de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Isto é, os criadores não estão presentes no CONDANÇA de maneira significativa. Esse dado pode tanto indicar que o Congresso deva assumir sua vocação acadêmica de maneira exclusiva, quanto que o sentido da pesquisa acadêmica, da maneira como tem sido oferecida nesse evento, pode estar solicitando uma revisão criativa e politicamente relevante. Essa revisão pode dizer respeito à necessidade de inclusão e valorização dos saberes oriundos do fazer em dança, vindos do coreógrafo, do bailarino e do professor de dança. De qualquer maneira, é importante que o Congresso seja pensado em relação à realidade que o recebe.

Por fim, vale chamar a atenção para o fato de que, num estado que atualmente conta com três graduações – uma delas tecnológica – e uma pós-graduação em dança, e com produção artística em dança relevante, a fraca presença de pesquisadores e artistas gaúchos na programação não colabora para o desenvolvimento do ambiente de dança em nosso estado. Num congresso que aborda o corpo político, especialmente à luz de Michel Foulcault, como foi o caso do CONDANÇA, o poder subjacente na organização do saber não deveria aparecer apenas nas entrelinhas. Para que se faça dança contemporânea não basta um repertório de passos e procedimentos, é preciso a compreensão crítica dos mesmos. Pensar contemporaneamente a dança é não cometer a irresponsabilidade de banalizar o sentido da política. Senão, corre-se o velho e conhecido risco de perdermos espaços como este desenhado pelo CONDANÇA. Podemos mudar a forma, os nomes, os espaços, mas continuaremos, à maneira dos ballets do Rei Sol, inevitavelmente políticos, mas nunca politizados.

* Tatiana da Rosa é bailarina, coreógrafa, professora do Curso de Graduação em Pedagogia da Arte FUNDARTE/UERGS – Montenegro e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS.

For the forth year in a row, the National Dance Congress (CONDANÇA) took place in Porto Alegre from June 7th to 13th, 2004. The Congress was suggested and produced by Associação Dança Alegre Alegrete and supported by Secretaria do Estado da Cultura and Instituto Estadual das Artes Cênicas from Rio Grande do Sul by means of the municipality law for culture support.

The event has been seeking its purpose through different approaches. On its first edition, there was a forum for debate on the recently created CREFs and CONFEF (regional and national conseils for dance professionals) and a series of great classes from different schools of ballet. On its second edition, it focused on the contemporary dance idea and, at the same time, promoted a show that included the dance schools of the city. It obeyed an organization by “styles” similar to competitive festivals. Activities such as “work in progress” started to take place together with the scientific programming. They made it possible for many choreographers to have their work commented on by the visiting researchers.

On this last edition, the event brought the “Political Body” as a theme and kept its artistic creation activities. However, the most interesting characteristic was the fact that it had its link with the academic world narrowed when it promoted the “Encontro das Universidades de Dança do Brasil e do Mercosul”, with the help of the Technological Graduation Course in Dance of the Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.

There was a nuance of astonishement in the evaluation of the meeting. It seemed alarming that the debate between the graduation and post-graduation courses had just begun. The impressive growth of the academic dance formation in Brazil was confirmed by the fact that ten courses´ representatives showed up, as well as the massive presence of students of the graduation and post-graduation courses of Rio Grande do Sul in the scientific programming audience. The need for more systematic exchange among courses, which was latent until then, became evident.

Still, we cannot say that CONDANÇA found a purpose that justifies it completely. The “Encontro de Cursos de Dança” was one activity among others. The audience in the workshops was not the same as in the scientific programming. The second was smaller and consisted basically of people from Rio Grande do Sul. The little national importance, as we can see by the small amount of people who looked for the scientific programming course, can be explained by the difficulty the event had in establishing a profile as the editions gone by. Even though they had brought to Porto Alegre researchers such as Ciane Fernandes, Laura Falcoff, Nanako Kurihara, Isabelle Launay, Roberto Pereira, Fabiana Britto, Regina Miranda, among others. All of them together indicate the diversity of the research in dance. The CONDANÇA organization has been finding it difficult to elect a more precise objective and a more specific public for its goal.

Unfortunately, the absences are not the only problem. They may be indicating that the apparent innocence of a process of attempts, gains and losses can be giving place to naiveté with more serious implications. The public of the dance workshops is not the same as the one of the scientific programming on a whole. So, the search for the so mentioned “work in progress” and for the program of orientation to new creators, which was offered in the previous edition, does not reflect the production of dance from Porto Alegre and from Rio Grande do Sul. That is, the creators are not present in CONDANÇA in a significant way. This may indicate that the Congress must take its academic position in an exclusive way. As for the sense of the academic research, the way it was offered in this event can mean that it needs a creative and politically relevant revision. This revision can be over the need of inclusion and value of the knowledge that comes from dance, that comes from the choreographer, from the dancer and the dance teacher. Anyway, it’s important to have the Congress thought in relation to the reality that receives it.At last, it’s worth noticing that, in a city where you normally have three graduations -one of them technological – and a post-graduation in dance, and with relevant artistic production in dance, the weak presence of researchers and artists from Rio Grande do Sul does not help with the programming for the development of the dance environment in our city. In a congress that approaches the political body, especially from Michel Foulcault’s point of view, as is the case in CONDANÇA , the power underneath knowledge organization should not be read in between the lines. For contemporaneous dance to be done, you cannot be as irresponsible as to underestimate the sense of politics. If you do so, you run the risk of losing opportunities such as these given by CONDANÇA. You can change the shape, the names, the opportunities, but still be in the manner of King Louis ballets, inevitably political, but never politicized.

* Tatiana da Rosa is a dancer, choreographer, and professor at the graduation course in Pedagogy of Art FUNDARTE/UERGS – Montenegro and is now taking her master’s degree in the Post-Graduation program in Visual Arts of UFRGS.