Escola Municipal de Bailado de São Paulo: silêncio e movimento (1940-1992)

Formada em Pedagogia na FEUSP – Faculdade de Educação da USP e Doutora em História Social na FFLCH – USP (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas -USP) sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Guilherme Seroa da Mota. Atualmente, atua como consultora em Educação em diferentes ONGs. Consultora em Dança, membro do GT-Dança (Grupo de Trabalho de Dança) da ABRACE (Associação Brasileira de Pós-Graduandos em Artes Cênicas) e membro da Comissão de Dança na Fundação Vitae.

O Viaduto do Chá construído no coração da cidade de São Paulo, imponente e belo por seu desenho arquitetônico é lugar de passagem e de divisão de espaço. Entre festas e comemorações, durante o rápido crescimento desta cidade, foi também palco de manifestações estudantis e de outros setores da sociedade.

Uma das inesquecíveis cenas foi em 1977, no auge da repressão do governo militar autoritário. A polícia se utilizou da própria arquitetura estreita do viaduto, como estratégia para cercar e bloquear a passagem dos estudantes em passeata até o Teatro Municipal. Ali cercados, leram em voz alta o documento de reivindicações sentados no asfalto do viaduto. Como muitos outros naquela época, o “espetáculo” terminou com a cavalaria do Exército e o gás lacrimogêneo avançando sobre os jovens estudantes.

Hoje, felizmente a memória mais recente é da grande festa pelo aniversário da cidade de São Paulo, no último dia 25 de Janeiro que, como uma troca de presentes, os artistas cantavam no alto do Vale do Anhangabau e o público abaixo reverenciava a alegria…Mas, o que abriga o Viaduto do Chá sob seu arco, imagem de cartão postal e palco principal da festa de aniversário dos 450 anos de São Paulo?

Os sons do viaduto

Inaugurado em 1909 com chão de madeira e portões que fechavam à noite, passou a ter uma nova estrutura de concreto em 1943 por ocasião da sua reconstrução. Nela, foi instalada a Escola Experimental de Dança Clássica (mais tarde, Escola Municipal de Bailado) que funcionava desde 1940 numa sala do Teatro Municipal.

Curiosamente, há 61 anos, o Viaduto do Chá abriga sob ele, a suavidade dos Contos de Fadas, das leves willis, dos passos modernos sem sapatilhas, das lúdicas improvisações das crianças, enfim das aulas de dança da Escola Municipal de Bailado (EMB). Sobre ele, os ambulantes, os pedestres apressados, o trânsito e o centro antigo. Os sons dos movimentos da cidade grande se misturam aos sons repetitivos das sapatilhas de ponta e dos teclados de piano.

È a única escola de balé clássico gratuita na cidade, com aproximadamente 700 alunos de 8 a 18 anos que, anualmente recebe inscrições para os concorridos exames de seleção. Um som quase imperceptível para quem passa sobre o viaduto. Uma dicotomia entre o que produz e o que se divulga.

Sua história permaneceu por muito tempo distanciada da evolução da dança e da cidade. As próprias relações estabelecidas entre as políticas culturais da cidade e suas instituições artístico-culturais, muitas vezes colaboraram com este silêncio de significados e sons. Para tanto, duas rupturas ao longo da história da EMB, auxiliaram no processo de transformações importantes: a oficialização do Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo em 1968 (hoje Balé da Cidade de São Paulo) e as mudanças feitas durante a gestão do diretor Acácio Ribeiro Vallim Jr. (1989-1992).

Tradições e mudanças

Foi fundada pelo prefeito Prestes Maia (1938-1945) com o objetivo de formar bailarinos amadores como apoio às grandes montagens das temporadas líricas nacionais e internacionais. Aqui, nos revela o empenho político em agradar os interesses da burguesia local que valorizava a influência da cultura européia, considerada por eles, como a cultura “de bons costumes”. Nestes, se incluía o balé clássico, em especial dentro da tradição francesa e italiana, que era visto como apoio à preservação da organização familiar tradicional que promovesse respeito às jovens mulheres de gestos delicados e bons modos.

Até a década de 30, as aulas de balé clássico eram freqüentadas, na sua maioria, pelas filhas de famílias estrangeiras ou de famílias dos senhores do café. O significativo crescimento da produção cafeeira transformou a cidade de São Paulo a partir do final do século XIX, em um núcleo comercial importante de ligação entre as regiões produtoras de café, facilitada pela construção do sistema ferroviário The São Paulo Railway Company, em 1860. Aumentou sensivelmente a oferta de transporte em vários setores e a expansão da vinda a São Paulo de diversas companhias estrangeiras de óperas, operetas e teatro.

O aumento de escolas de dança clássica e moderna foi muito significativo para a evolução da dança paulistana, pois o interesse pelas aulas de dança caminhava para além da concepção burguesa de cursos para “moças de boas famílias”. A profissionalização da carreira de bailarino passava a ser também o anseio de jovens de outras classes sociais, o qual a EMB contribuiu muito pelo fato de ser gratuita.

Desde seu 1º diretor Vaslav Veltchek (1897-1967), o trabalho da escola já era elogiado pela qualidade dos bailarinos que formava, sendo comparáveis ao nível dos solistas de grandes companhias mas sem o reconhecimento profissional devido. Logo, a escola passou a produzir suas coreografias de forma independente, marcando as décadas de 50 e 60 e determinando dessa forma como principal demanda, a oficialização do chamado “Corpo de Baile extra oficial”.

Contudo, a esperada criação do Corpo de Baile do Teatro Municipal (CBTM) causou um esvaziamento de quase 90% no corpo discente da escola. Os melhores alunos selecionados tornaram-se profissionais da dança e assalariados da Secretaria Municipal de Cultura. Essa primeira ruptura deu início a uma estagnação na produção artística da escola mas que por outro lado, deu lugar a uma reorganização estrutural que a própria modernização das artes e o contexto político e social da cidade a desafiavam.

Em meio aos dribles dos coreógrafos na censura do governo militar instaurado desde 1964, a década de 70 foi de grande importância para a dança paulistana. Incluiu-se a dança moderna no repertório clássico do CBTM, a dança estreitava os laços com o teatro – destacando Klauss Vianna, Márika Gidali e Marilena Ansaldi – e surgiram companhias surpreendentes como Ballet Stagium (1972) e Cisne Negro Cia. de Dança (1975). Sobretudo para a EMB, a década seguinte foi determinante para as experiências de inovações didáticas a partir das gestões dos diretores Ady Addor (1980), Klauss Vianna (1980-1982) e Acácio R. Vallim Jr. (1989-1992).

Todos eles sofreram inúmeras resistências às mudanças, por parte dos próprios professores, pais de alunos e de políticos de oposição. Ficou explícito o que estava por trás da estagnação silenciosa de tanto tempo: a manutenção de uma metodologia rigorosa, o medo do novo, a censura da própria sociedade civil e os interesses políticos de cada prefeito eleito a cada 4 anos.

O que diferenciou o resultado das três gestões, foi a falta de clareza das políticas públicas que permitissem a continuidade dos projetos de Ady Addor e Klauss Vianna. Ao contrário de Acácio Vallim que teve apoio de uma política cultural definida pelo Partido dos Trabalhadores do qual a prefeita Luiza Erundina (1989-1992) fazia parte na época.

Ora, quando há resistência, ela é silenciosa, mas quando entra na relação com o outro, ela se transforma em palavras, em expressões inesperadas. E quando o poder público responsável analisa a situação e consulta os profissionais da área, o silêncio se rompe e caminha com as rupturas para um crescimento.

Perto de completar seus 65 anos de existência, sob a direção de Esmeralda Gazal, a EMB permanece nos Baixos do Viaduto do Chá num esforço para manter as mudanças e a qualidade do trabalho. Nos últimos anos, alguns de seus bailarinos foram aceitos em Cuba e na Alemanha e outros participaram de montagens como O Quebra-Nozes da Cisne Negro Cia. de Dança

(2003).
Em 1954, o aniversário dos 400 anos da cidade de São Paulo teve como principal apresentação artística, o Ballet IV Centenário cujos principais bailarinos eram oriundos da EMB: Lia Marques, Neide Rossi, Ady Addor, Ruth Rachou, Mozart Xavier, Gil Saboya e outros.

Este ano, para comemorar os 450 anos de São Paulo, foram apresentados na rua, bons grupos de dança dos diferentes povos que compõem a grandeza paulistana e três preciosas companhias no teatro do SESC Vila Mariana: Balé da Cidade de São Paulo, Ballet Stagium e Cisne Negro Cia. de Dança. Contudo, os jovens bailarinos do Viaduto do Chá não tiveram a oportunidade de presentear os convidados desta festa com o glamour que ainda “habita o cartão postal” dessa cidade.