Angel Vianna e Cemy Jambay em 'Marília de Dirceu' / Foto do Acervo Klauss Vianna

Eu ensino dança: Angel Vianna

No terceiro texto da coluna ‘Eu ensino dança’, conversamos com Angel Vianna, um dos principais nomes quando se pensa no desenvolvimento da dança contemporânea brasileira e da consciência corporal. Nesta conversa, ela vai até a Belo Horizonte dos anos 50 para falar de como começou a dar aulas – de balé clássico – para crianças, das escolas que se seguiram em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, sempre em parceria com Klauss, dentre outros temas. Aproveite para ler as colunas ‘Eu ensino dança’ com Ruth Rachou e Tatiana Leskova.

Para entender a importância  e a influência que o trabalho de consciência corporal desenvolvido por Klauss Vianna e Angel tiveram no teatro e na dança brasileiros, assista ao documentário Movimento expressivo, clicando aqui.

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“Sempre tive muita preocupação em formar a força individual de cada um, seja um bailarino, um professor, um coreógrafo ou alguém que simplesmente queira conhecer o próprio corpo”. Quando se fala em Angel Vianna, logo vem à cabeça uma forma diferente de se movimentar, mais que isso, uma forma nova de entender e de se relacionar com o próprio corpo. A sensibilidade e generosidade dela e de Klauss Vianna ajudaram a abrir um novo caminho na dança brasileira. E foi esse caminho que ela trilhou como professora, primeiro em Minas Gerais e depois no Rio de Janeiro, ensinando como aproveitar o que seu corpo é capaz de oferecer a milhares de alunos que passaram por suas mãos.  Saiba o que ela pensa sobre o ensino da dança hoje, os valores, o perfil do aluno e um pouco da história que ela escreveu e continua escrevendo…

Idança – Como foi o início da sua carreira como professora?

Angel Vianna – Comecei a dar aulas quando ainda era estudante em Belo Horizonte; estudava com o Carlos Leite. Foi para ter conhecimento mais claro do que estava aprendendo. Dava aula para crianças no Colégio Doze de Dezembro. Foi um grande aprendizado. Depois fui para o Colégio Santa Marcelina, no bairro da Pampulha. Dava aulas de balé clássico para adolescentes. Para as crianças, eu criava e fazia elas criarem. Em 1955, depois de me casa, abri a primeira escola junto com Klauss (em 1956). Dava aula o dia inteiro. Inicialmente eram só aulas, mas depois surgiu também um trabalho coreográfico. Comecei dando aulas de balé da minha maneira, com conhecimentos de anatomia e cinesiologia. Estudamos, eu e Klauss, numa escola de odontologia. Com o seguimento de aulas e conhecimento através do corpo do outro o aprendizado foi acontecendo de maneira lógica.

Como a senhora vê o ensino da dança hoje?

Eu sempre me preocupei muito em ajudar o aluno a entender o próprio corpo. Hoje em dia, as pessoas têm mais dificuldade de ajudar, mas não são todos. Tem gente que pensa como eu. Mas outros têm dificuldades de ajudar o aluno a crescer e acaba ensinando passos e não a percepção do movimento, da transferência de apoio, do próprio corpo… Se você não estiver atento, o aluno perde muito tempo na falta do seu conhecimento corporal e sem a ajuda do conhecimento do outro.

Como é sua relação com seus alunos?

Do mesmo modo como eu sinto que os professores têm dificuldade em ensinar claramente, o aluno tem dificuldade de aprender claramente o que o professor não soube colocar. Por isso eu coloco que o meu grande aprendizado foi com as crianças. Foi sentindo, observando, jogando… Foi trabalhando os sentidos que eu comecei a perceber que o corpo é de cada um. Não é uma globalização de todos os corpos sentindo igual, movendo igual, querendo igual… Cada um é de um jeito. Tem gente que aprende as coisas e recolhe para si. Eu preciso doar, preciso que outras pessoas percebam tudo o que eu achei fantástico da vida.

Fale um pouco da fundação da Escola Angel Vianna…

A primeira escola que abri foi em Minas Gerais, a Escola Klauss Vianna, em 1956. Lá dávamos aulas de balé sem sapatilhas, o que foi uma

Angel Vianna e Cemy Jambay em 'Marília de Dirceu' / Foto do Acervo Klauss Vianna

Angel Vianna e Cemy Jambay em 'Marília de Dirceu' / Foto do Acervo Klauss Vianna

inovação. Estudei, junto com Klauss anatomia, fisiologia e cinesiologia. Aplicávamos esse conhecimento nas aulas, para que o aluno pudesse fazer o balé sem tanta tensão. Foi aí que começamos a experimentar outras formas de dançar. Klauss estava muito interessado na criação de um balé brasileiro, com características brasileiras. Dançamos O Caso do Vestido, inspirado no poema de Carlos Drummond de Andrade; Marília de Dirceu (do poeta Tomás Antônio Gonzaga) e Arabela, a Donzela e o Mito. A segunda escola já foi no Rio de Janeiro, o Centro de Pesquisa Corporal Arte e Educação, em 1975. Ficou conhecido na época como Corredor Cultural. Foi a primeira escola dedicada ao ensino da Expressão Corporal. Lá, criamos o grupo Teatro do Movimento e fizemos a pesquisa “Significado e funções de uma linguagem gestual e sua correlação no campo da dança”. Essa escola era minha junto com Klauss e Teresa D’Aquino. Em 1983 abri o Espaço Novo – Centro de Estudos do Movimento e Artes, que hoje é conhecida como Escola Angel Vianna. Criei o curso técnico de bailarino, depois a Faculdade Angel Vianna e mais recentemente os cursos de Pós-graduação lato sensu.

E como a senhora vê a questão da formação universitária em dança?

Para mim a questão mais preocupante são os estágios supervisionados à distância. Fica muito difícil quando o aluno se distancia. O respeito pelo indivíduo, a capacidade de fortificá-lo como ser especial, despertar a sensibilidade corporal, a integração corpo-mente, desenvolver a imaginação e a criatividade, liberar os afetos, desenvolver o autocontrole a partir do conhecimento do corpo, despertar a concentração e a capacidade de comunicar-se cultivando o jogo e o humor, desenvolver a capacidade de ver, criticar, mostrar-se e ser criticado, transformar-se e ser transformado. Sempre tive muita preocupação em formar a força individual de cada um, seja um bailarino, um professor, um coreógrafo ou alguém que simplesmente queira conhecer o próprio corpo.

Quando percebeu que estava tomando um caminho diferente de tudo que já existia?

Desde a fundação da primeira escola, em Belo Horizonte. Tudo foi como um sonho. O curioso é que quando eu tinha uns oito anos de idade eu pensava comigo mesma: “Se Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil por que eu não posso descobrir alguma coisa?”

A senhora já disse que começou dando aulas de balé clássico para crianças. Com relação à formação básica do bailarino, a técnica clássica ainda tem muita relevância?

A técnica foi registrada no meu corpo para sempre. Mas sempre em transformação.

Como era a relação profissional com Klauss?

Sempre em parceria.

Qual é o perfil do aluno de dança hoje?

Angel Vianna

Durante uma de suas aulas / Foto divulgação

Minha geração era partidária e hoje são especiais. É só olhar a juventude hoje em dia para ver que são todos iguais. O corpo é igual, a roupa é igual, o pensamento é igual. E aí, onde fica a individualidade de cada um? A individualidade é a coisa mais importante da minha filosofia, que tento passar adiante na escola e faculdade que dirijo. Uniformizar um corpo pensante, um modo de vestir, de agir, é uma maneira de camuflar todo um conhecimento mais profundo de uma individualidade mais presente, mais forte. Sem contar que, no momento em que você escolhe um modelo que não é real para o seu corpo, isso é extremamente prejudicial, tanto fisicamente quanto mentalmente, emocionalmente…

A senhora pensa em parar?

Nunca: enquanto eu estiver de olhos abertos estarei presente.

Como vê a evolução da dança contemporânea?

A dança contemporânea nos dias de hoje me lembra uma comida mineira que ajuntava tudo e chama mexidinho.

E a evolução da consciência corporal?

Conhecer seu instrumento de vida, o corpo, é pesquisa profundamente a estrutura, o recheio, a pele… e dar vida.

Assista também: Uma celebração à história da dança carioca

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