Eu ensino dança: Ruth Rachou | I teach dance: Ruth Rachou

O idança inaugura com a entrevista abaixo a coluna ‘Eu ensino dança’. A ideia é colher depoimentos de figuras importantes no ensino da dança no Brasil  sobre a formação de bailarinos. Que técnicas utilizam? Qual é a importância da universidade? Estas são algumas das perguntas que serão feitas. Neste primeiro texto, Deborah Rocha conversa com Ruth Rachou.

::

Moderna Bailarina Brasileira

O comprometimento e o pioneirismo de Ruth Rachou com o ensino da dança no Brasil

Ruth Rachou representa um período de forte mobilização na história da dança brasileira. Bailarina, atriz, coreógrafa, diretora e professora, Ruth Rachou formou toda uma geração de dançarinos sem se ater aos modismos que o mercado ia inventando. Nascida em São Paulo em 1927, Ruth deu seus primeiros passos de balé clássico com Maria Olenewa, iniciou sua carreira profissional no Balé do IV Centenário e, no fim dos anos 60, entrou em contato com a técnica de Martha Graham no Estados Unidos. De volta a São Paulo, abriu sua primeira escola de dança em 1972, onde dedicou-se ao ensino da dança moderna. Por quase 15 anos ensinou a técnica de Martha Graham na Escola Municipal de Bailados e, mais recentemente, trouxe para a sua escola as técnicas de Merce Cunningham, José Limón e Dóris Humphrey. Para ela, a dança é um processo continuo de amadurecimento. Ruth Rachou sempre lutou por uma ampla formação do bailarino, dentro e fora da sala de aula. Nesse sentido, foi responsável também pela criação de um espaço de reflexão para a dança. “Plié, grand plié, petit plié não formam um artista da dança. A cabeça tem que funcionar. É preciso saber a origem das coisas para mergulhar nelas e ser um bom profissional da dança”, diz em entrevista concedida em 2008 ao idança, ano em que comemorou seus 80 anos com o espetáculo Vir a Ser. A seguir, Ruth Rachou conta sua experiência com o ensino da dança no Brasil e as modificações no mercado de dança hoje.

Deborah Rocha – Desde os anos 70 você ensina técnicas de dança moderna e contemporânea na sua escola. O que mudou de lá para cá?

Ruth Rachou – A técnica está se atualizando o tempo todo. Mesmo a clássica está bem mais desenvolvida, não é mais tão rígida. Ensino técnicas que aprendi nos Estados Unidos. A técnica moderna, criada nos anos 20, vem se modificando das mais variadas formas, mas a base que ela representa é a mesma. Já o termo ‘contemporâneo’ é uma maneira abrasileirada de denominar uma técnica mais livre, que possibilita que o artista crie movimentos em cima de propostas que o corpo pode fazer e não só o que o professor pede para fazer.

Os seus alunos de hoje são os mesmos de quando você começou a dar aula?

O professor dos anos 80 criou o professor de hoje. Cada um modificou no seu corpo as técnicas aprendidas. As coisas estão sempre em movimento porque cada um tem uma maneira de ensinar e de aprender.

De que forma as diferentes técnicas são incorporadas pelo bailarino?

As diferentes técnicas fortalecem e abrem horizontes para o bailarino criar coreografias próprias ou mesmo para tomar parte em alguma companhia, que muitas vezes exigem técnicas específicas. Nos últimos anos, percebi uma demanda maior por quedas e suspensões, então passei a dar a técnica de Dóris Humphrey, que ensina o bailarino a fazer esses movimentos sem machucar o corpo.

As técnicas de dança moderna tendem a ser substituídas?

Não, acredito que as técnicas modernas vão continuar. A dança em si vai existir sempre. O espetáculo vai continuar a existir.

Qual o papel das universidades no ensino da dança?

Aquele que faz uma faculdade de dança vai ampliar o conhecimento e o campo de trabalho, seja um dançarino ou um pesquisador. Ali não se pode começar a dançar. A faculdade serve mais para adultos do que para adolescentes. Você não vai ser uma bailarina profissional só de estudar na faculdade. Mas a teoria é muito importante para a formação do bailarino. Outra coisa importante para quem quer seguir o caminho da dança é aprender línguas, pois assim pode ler mais. Existe muita literatura sobre dança, apesar de não termos tanto acesso a ela no Brasil.

Ruth Rachou em 'Improvisação' / Foto divulgação

Ruth Rachou / Foto divulgação

O professor de hoje é também um empreendedor?

O professor de dança sempre foi um empreendedor. Nos anos 70, por exemplo, houve uma forte mobilização do meio em torno do Teatro Ruth Escobar, que foi adquirido pelos artistas da dança. Nesse ato já está o empreendedorismo. A luta constante continua até hoje. Como professora da Escola Municipal de Bailados fui também uma empreendedora. Não se pode largar mão das coisas para conseguir o que necessita. Pena que governo e prefeitura não tenham interesse pela dança.

O que acha do mercado de dança hoje?

Eu vivo de dança desde o IV Centenário. Não é fácil. É um outro tipo de batalha. Todas batalharam muito para viver só disso. Mas infelizmente percebo uma diminuição do número de escolas de dança em São Paulo. Sinto que muita gente desistiu.

O que diria para os profissionais que desejam ter um espaço próprio?

Primeiro deve-se começar dando aula em outras escolas, aprender a ensinar; segundo, tem que criar um nome para pensar em abrir uma escola. Daí em diante, há todo um investimento a fazer.

Alguma vez já pensou em desistir?

Não. A minha profissão é a minha vida então não vou parar.

As fotos foram retiradas do site do Espaço de Dança Ruth Rachou. Na primeira, ela aparece em Tratar com Murdock, de José Possi Neto. Na segunda, ela encena Improvisação.

Deborah Rocha é jornalista e dançarina de Dança Clássica Odissi.

Leia também: Eu ensino dança: Tatiana Leskova

Eu ensino dança: Angel Vianna

With this interview, idança debuts the column ‘I teach dance’. The idea is to gather testimonies from important people in Brazilian dance teaching about the training of dancers. What techniques do they use? What is the importance of the University? These are some of the questions that will be made. In this first text, Deborah Rocha talked to Ruth Rachou.

::

Modern Brazilian dancer

Ruth Rachou’s commitment and pioneer spirit in dance teaching in Brazil

Ruth Rachou represents a period of strong mobilization in Brazilian dance’s history. The dancer, actress, choreographer, director and teacher trained an entire generation of dancers without holding on to trends created by the market. Ruth was born in São Paulo, in 1927 and had her first ballet lessons with Maria Olenewa. She started her professional career at Balé do IV Centenário and had her first contact with the Martha Graham technique in the 60’s, in the United States. Back in São Paulo, she opened her first dance school in 1972, where she was committed to teaching modern dance. For almost 15 years, she taught Martha Graham’s technique at Escola Municipal de Bailados and, more recently, she brought the techniques of Merce Cinningham, José Limón and Dóris Humphrey to her school. Ruth Rachou always fought for a broad training for dancers, inside and outside the classroom. She was also responsible for the creation of a reflection space for dance. “Plié, grand plié, petit plié don´t form a dance artist. The head must also work. One must know the origin of things in order to dive into them and to be a good dance professional”, she said in an interview for idanca.net in 2008, the year she celebrated her 80th birthday with the show Vir a ser. Here, Ruth Rachou talks about her experience teaching dance in Brazil and the changes in the current dance market.

Deborah Rocha – Since the 70’s, you have been teaching modern and contemporary dance techniques in your school. What has changed since then?

The technique keeps renewing itself all the time. Even the classic technique is much more developed, it is not so rigid anymore. I teach the techniques I learned in the United States. The modern technique created in 20’s has been changing in many different ways, but the foundation it represents is still the same. The term “contemporary” is a very Brazilian way to name a freer technique that allows the artist to create movements from proposals the body can actually make and not just what the teacher asks.

Nowadays, are your students the same as when you started to teach?

The teacher of the 80’s trained the teacher of today. Each one changed the techniques they learned with their body. Things are always moving because each one has their own way of teaching and learning.

How are different techniques incorporated by the dancer?

The different techniques strengthen and open new horizons for the dancer to create his/her own choreographies and even to take part in some company, which often request specific techniques. In the last years, I realized there was greater demand for falls and suspensions, so I started to use Dóris Humphrey’s technique, which teaches dancers to make those movements without hurting their bodies.

Do modern dance techniques tend to be replaced?

No, I believe modern techniques will continue. Dance itself will always exist. The show will always exist.

What is the role of Universities in dance training?

Those who go to dance college broaden their knowledge and their work field, whether they are dancers or researchers. But one can´t start dancing there. The University is more for adults than teenagers. You won´t be professional dancer only by studying in the University. But theory is very important for the dancer’s training. Another important thing for those who wish to follow the path of dance is learning other languages so they can read more. There is much literature about dance, even though we don´t have much access to them in Brazil.

Is today’s dance teacher also an entrepreneur?

The dance teacher has always been an entrepreneur. In the 70’s, for instance, there was strong mobilization around Ruth Escobar Theatre, which was acquired by dance artists. This action already meant entrepreneurship. The constant struggle continues to this day. As a teacher at Escola Municipal de Bailados I was also an entrepreneur. You can´t give up on things to get what you need. It´s a pity the government has no interest in dance.

What do you think about the dance market today?

I have lived out dance since IV Centenário. It´s not easy. It´s another kind of battle. Everybody struggled to live only out of it. But unfortunately I see a decrease in the number of dance schools in São Paulo. I feel a lot of people gave up.

What would you say to professionals who wish to have their own space?

First, you must start by teaching in other schools to learn how to teach; second, you must create a name to think about opening a school. From then on, there´s whole lot of investment to do.

Have you ever thought about giving up?

No. My profession is my life so won´t stop.

Deborah Rocha is a journalist and classic Odissi dancer.