FIDCU 2013 combina novas formas de produção com o encanto dos festivais “à moda antiga”

A segunda edição do FIDCU (Festival Internacional de Danza Contemporánea de Uruguay), que aconteceu em Montevideo dos dias 13 ao 19 de maio, apresentou algumas características dignas de destaque.

Concebido e dirigido pelos artistas-curadores Santiago Turenne e Paula Giuria, o festival promoveu a apresentação de quatorze trabalhos de artistas uruguaios e internacionais (raramente programados no Brasil), a realização de nove oficinas e de uma série de ações vinculadas aos projetos associados tais como o “Programa Artistas en Residencia (PAR)” – que teve como residente a brasileira Michelle Moura –, o “Circuito Cultural Cono Sur (CCCS)” e a “Clínica para la formación profesional en danza contemporánea”, entre outros.

Da programação cabe destacar o acerto dos curadores ao convidar artistas que organizam seu pensamento coreográfico de maneiras distintas, proporcionando um panorama diversificado das questões que estimulam a criação artística na atualidade.

Começando com o premiado espetáculo “Piranha” do brasileiro Wagner Schwartz e concluindo com “Nosotres” da chilena Javiera Peón-Veiga – obra que propõe uma celebração da potência do corpo questionando as categorias de gênero –, o festival contou ainda com a presença dos mexicanos Juan Francisco Maldonado e Esthel Vogrig, a suíça – residente em Berlim – Irina Muller, o português Dinis Machado e o argentino Juan Onofre que criou em “Todo Junto” um belíssimo diálogo entre o popular e o erudito onde relação entre dois performers exala sensibilidade e delicadeza.

No espaço reservado para os artistas locais o festival programou, em parceria com o curador Juliano Azevedo, as obras “Amorfo” de Florencia Martinelli, “Desde” de Vera Garat, Tamara Gomez e Lucía Valeta, “Discontinuanimalidad”de Lucía Naser, “Rebel” de Fabian Santarciel de la Quintana, “New” de Lupita Pulpo (dupla de criação formada pela uruguaia Ayara Hernandez e o alemão Felix Marchand) e a apresentação do trabalho em processo “Otro teatro” que aposta na instauração de ritual potentemente conduzido pela ação xamânica da uruguaia, residente em Nova Iorque, Luciana Achugar.

Digna de destaque é também a iniciativa atrelada ao “Projeto Pulpo”, do Colectivo AM, que funcionou como um dos disparadores do diálogo através distribuição de críticas sobre as obras, recém-saídas do forno, publicadas no fanzine intitulado “Amor em Uruguay” cujos exemplares eram oferecidos gratuitamente todos os dias??. Alguns dos participantes deste projeto lançaram também, durante o evento, o livro chamado “Interferencias” de um modo inusitado e criativo.

Outro acerto do festival foi espaço de troca a nível técnico, especialmente no que diz respeito à iluminação cênica que foi o assunto das oficinas ministradas por Florian Bach, responsável pela instigante atmosfera da obra “In a lightscape” e Benjamin Schallike, o criador das luzes de “New”. A proposta de aprofundar na questão trocando conhecimentos sobre a arte da iluminação foi da talentosíssima Leticia Skryky, diretora técnica do festival, que vem encarando seu oficio e a sua função com uma sensibilidade extrema.

Investindo em várias frentes de ação e envolvendo diversas propostas imbricadas, o festival – movido pela máxima “a arte é um estado de encontro” – conseguiu criar proveitosos espaços para a reflexão, a crítica, a formação e o debate sobre gestão e políticas culturais, tornando-se um modelo a ser levado em consideração.

Estas estratégias de associação e coprodução – que adotam formatos de gestão cada vez mais comuns nestes eventos – garantem a continuidade e a diversidade de propostas, no entanto, o maior encanto do FIDCU talvez resida na preservação de um contexto de troca “à moda antiga”, onde todos os envolvidos convivem diariamente durante todo o festival.

Hospedados em um antigo e charmoso hotel a poucos metros do “Teatro Solís” (sede de vários espetáculos) e a apenas algumas quadras do “Museu do Carnaval” e das demais instituições onde aconteciam as atividades, coreógrafos, bailarinos, críticos e gestores almoçavam, jantavam e andavam sempre juntos trocando suas impressões sobre os trabalhos.

Apostando nesta intensa convivência e nos vínculos sólidos que esta é capaz de gerar, o festival opera na contramão de outros eventos análogos onde, muitas vezes, por restrições orçamentárias, a estadia dos artistas se reduz aos dias de suas respectivas apresentações, impedindo-lhes a possibilidade de participar, de fato, de um projeto coletivo.

Para continuar as atividades ansiosamente aguardadas pela classe artística local que, devido à escassez de iniciativas na região, aproveitou intensamente todas as propostas, o festival precisa de investidores para a próxima edição visto que o financiamento obtido por meio do edital de “Apoio a redes, festivais e espaços cênicos para a programação de espetáculos” concedido por Iberescena não pode ser renovado por mais de dois anos consecutivos.

Apostando no dialogo contínuo, dando maior visibilidade ao trabalho de artistas latino-americanos e investindo nos desdobramentos possíveis desse “estado de encontro”, o FIDCU 2013 mal acabou e já está deixando saudades.

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 Lucía Yáñez (Uruguai/Brasil) é artista e pesquisadora em dança, mestre em artes cênicas pela UNIRIO e doutora em História Social da Cultura pela PUC-Rio.