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Inventário para os sobreviventes

Do que precisa um corpo para sobreviver?
Precisa lembrar de suas experiências?
Precisa adequar em uma cronologia o que lhe sucede?
Precisa criar sentidos para acontecimentos que talvez sequer os tenham?
Do que precisa um corpo para seguir vivendo?
Criar fábulas que deem conta de aquietar a sede por entendimento?
Alegorizar a própria precariedade?
Estender a outros organismos seus modos de existir?
Como sobrevive um corpo?
Aos poucos.
Fracionando.
Organizando os pedaços que se pode acessar da coisa inteira da qual sequer
se suspeita o nome.
Espetacularizando o fragmento.
Sobrevivência não tem fruição fácil e as relações não nos são dadas de
bandeja. Quem assiste sentado nas bordas do tablado se engaja junto de Alina
Ruiz Folini nas tentativas de instaurar mundos e em suas respectivas
implosões.
As paisagens que se desenham não têm figura e fundo claros, mas nos
convocam a entender o que no corpo da performer sucede em cada um dos
momentos.
Se o corpo dela intensifica as potencias operantes numa crise que abala
determinada estrutura como meu corpo estaria operando ao mirá-la?
O meu corpo, sentado e atento na dança?
Porque me perco e demoro até novamente me encontrar?
Porque tenho essa necessidade de mais tempo para fruir?
O que isso revela de mim?
O que a sobrevivência de um corpo revela dos e nos corpos outros que o
rodeiam?
Olhando o corpo que se dedica a tarefas das quais não entendo o sentido em
algum momento começo a inverter as perguntas. Não mais questiono “o que
leva ela a fazer isso tudo?” e passo a perguntar “porque me parece descabido
que isso assim ocorra?”.
Novo parâmetro, nova articulação.
Mais do que perguntar sobre – ou apenas sobre – a sobrevivência do corpo
que dança se poderia perguntar sobre a sobrevivência do corpo que frui esta
dança.
Se poderia perguntar sobre a sobrevivência da relação entre os corpos que
dançam em cena e os corpos que dançam fruindo o que sucede na cena.
Como ela se reinventa?
Como ela recria seus modos de estar viva?
Como precisamos recriá-la para dançar junto de Alina?

Teresina, junho de 2016