Laboratório de possibilidades do corpo e da dança

Três criadores reunidos em oficinas de formação, que reuniram 25 participantes exercitando linguagens e procedimentos possíveis para o corpo e a dança, participaram da primeira etapa do projeto Laboratório Corpo e Dança em Florianópolis. Organizado pela professora, coreógrafa e pesquisadora Jussara Xavier, o programa aposta na formação em dança contemporânea, com foco no desenvolvimento de investigações e estudos teórico-práticos. Com duração de seis meses, busca a promoção estímulo da criação no estado de Santa Catarina.

Além do fomento da pesquisa e criação, o projeto engloba ações complementares, como aulas, bolsas de estudo/criação e mostras. Na primeira parte, desenvolvida em fevereiro e março, foram oferecidas três oficinas gratuitas de 20 horas cada, com os artistas-professores convidados Alejandro Ahmed (SC), Micheline Torres (RJ) e Vanilto Lakka (MG). Para participar, os interessados foram selecionados por meio de currículo e carta de intenção. Além da participação nas oficinas, dois dos 25 inscritos foram selecionados para uma bolsa de pesquisa.

– Alguns dos que não foram selecionados, me disseram que irão dar continuidade à proposta de pesquisa, que a participação no Laboratório foi importante porque impulsionou seu desejo de pensar, experimentar e criar, o que para mim já é um ganho. Com a realização do Laboratório Corpo e Dança, confirmei o que já vivenciava: há uma carência enorme por informações especializadas e oportunidades de formação no campo da dança em Santa Catarina SC. Então, ainda que de modo tímido, o projeto colaborou para qualificação dos artistas locais – diz Jussara Xavier.

Ela acrescenta que o projeto aciona novas frentes de ação para a dança catarinense:

– O conhecimento compartilhado pelos professores convidados e a convivência entre os participantes gerou impulsos para aprofundar trabalhos criativos em desenvolvimento ou iniciar novos processos de investigação. Ou seja, foi um processo de troca enriquecedor e estimulante. Mesmo sem poder contemplar todas as propostas, considero que participar ativamente deste processo, pensar, criar, já é um ganho para a dança local.

Durante as oficinas, Alejandro Ahmed compartilhou a técnica Percepção Física que desenvolve junto ao Grupo Cena 11 Cia de Dança, as ferramentas de construção dos espetáculos Carta de amor ao inimigo (2012) e EPCDI – Estudo para certezas da Incompletude (2012), este último realizado em parceria com o coreógrafo Luis Garay.

Na oficina Corpo e Cidade, Vanilto Lakka desenvolveu um processo de ensino-aprendizagem caracterizado por aulas realizadas no que o mesmo chama de “espaço de risco” (cidade) e “espaço seguro” (sala de aula). Entre os recursos técnico-corporais, referências de movimentos em que há fricção entre corpo e cidade, como a dança de rua (b.boying) e Le Parkour.

Denominada Performance, a proposta de Micheline Torres trouxe experimentos de questões práticas acerca da performance, seus limites e expansões, exercitando maneiras individuais de, corporalmente e coletivamente, elaborar ações performativas baseadas no corpo, em objetos, formas e outros materiais.

– Foi interessante finalizar a etapa das oficinas com a Micheline Torres, pois foi um momento muito aberto à investigação, em que os participantes compartilharam seus interesses artísticos e criaram ações solo. Os três artistas-professores, bastante diversos, foram escolhidos em função de suas propostas pedagógicas, as quais desafiam padrões mentais e motores, além de propor relações inéditas e diretas entre o modo de aprender e o de fazer dança – descreve a coordenadora do Laboratório.

Passada a primeira etapa, dois bolsistas foram selecionados para desenvolver suas propostas de estudo e criação, com previsão de apresentação e debates de resultados ou processo de criação no fim do mês de maio.

Daniela Alvesmsegue na investigação que vem desenvolvendo: um dispositivo denominado “Direção Múltipla Virtual”, uma ferramenta que funciona a partir da postagem de vídeos num grupo por ela criado no Facebook, em que os participantes tornam-se colaboradores virtuais. Os participantes devem responder as perguntas: “o que você está vendo?” (descrição literal ou figurativa) e “para onde ir?” Os vídeos compostos são partituras corporais propositivas, que, como sugere o nome, têm o corpo como fundamento compositivo.

– A investigação de Daniela prioriza a construção de uma outra corporeidade a partir da eleição de princípios de movimentação, sua exploração e aprofundamento – observa Jussara.

Lincon Soares tem uma pesquisa que parte de um treinamento fixado na exaustão com objetivo de suscitar desequilíbrio na organização do corpo, gerando fissuras em sua estrutura homeostática para investigar diferentes estados psicofísicos.

– Seu interesse está nas modulações da aparência, criando uma metáfora sutil com o comportamento do camaleão e ressonâncias possíveis com aspectos humanos e sociais – descreve a coordenadora do projeto.

O projeto Laboratório Corpo e Dança é desenvolvido com subsídio do Programa Rumos Itaú Cultural Dança 2012-2014, carteira Dança para Formadores, com apoio do Centro de Artes (CEART), da Universidade do estado de Santa Catarina, UDESC.  Nas diferentes etapas e na dinamização de procedimentos, promove, provoca e qualifica a produção de conhecimento através da dança, num mecanismo aproxima a teoria e prática, por meio de processos particulares de estudo, composição e discussão, dentre outros tantos vetores significativos para o contexto catarinense.

– Uma das participantes, a artista Milene Lopes Duenha, mestranda em teatro pela universidade, escreveu: “Viver uma experiência como esta é um privilégio, um projeto que prevê o contato com diferentes abordagens do movimento e de relação com espaço, permite ampliar o olhar para o ambiente em que estamos, transformando-o em lugar potencialmente provocador. A minha imaginação foi bastante provocada” – conta Jussara Xavier.