Leituras férteis para artistas da dança

Mais uma feliz publicação – Húmus 2 produzido pelo Itaú Cultural e lançado na ocasião da mostra do Rumos Dança, em março deste ano. Ufa, será que daremos conta de acompanhar a produção de textos sobre dança no Brasil? É o que torcemos responder sim, para ler mais, saber mais, produzir mais e torcemos sim para crescer e proliferar este vírus do ‘fazer-pensar dança’ – metáfora esta que surge de inquietações comuns a muitos pesquisadores. A resenha do Húmus 2 é uma tarefa de muita responsabilidade, porque é uma iniciativa com textos de qualidade, com rigor teórico e, ao mesmo tempo, com o compromisso em discutir assuntos da realidade contemporânea da dança em uma linguagem palatável. Um livro que deve ser prestigiado no nível a que se propõe.

O Húmus 1 foi publicado em 2004 com a organização de Sigrid Nora e a realizado pela Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, atitude elogiada por profissionais que batalham por políticas públicas, sobretudo em dança, com qualidade e visão a longo prazo, como foi esta gestão na cidade de Caxias do Sul. Teve artigos de Helena Katz e Christine Greiner, Nirvana Marinho, Maíra Spanghero, Maria Ângela de Ambrosis, Marcos Bragato, Fabiana Dultra Britto, Suzana Mafra, Eloísa Domenici, Rosa Hércoles, Gilsamara Moura, Doralice Soares Leão, Eva Schul, Fernanda Carlos, Mirna Feitoza Pereira, Lela Queiroz e Sigrid Nora. Segundo informa Sigrid (por email), foi distribuída uma cota de 25 exemplares para cada autor como retribuição pela contribuição. A maior parte, 625 exemplares, foi encaminhada para as instituições ou entidades culturais nacionais, gratuitamente.

Depois de 2 anos, vem a chance do Rumos Dança Itaú Cultural de abrigar o Húmus 2, com artigos de pessoas diversas, do país todo, com assuntos variados: 1. questões teóricas sobre “corpo brasileiro”, mãos e comunicação, metáfora, mediações, performatividade; 2. assuntos caras à dança, como técnica, improvisação, linguagem coreográfica, tecnologia; 3. passando por reflexões críticas sobre livros de história da dança, cultura da dança, tradição e ruptura na dança e dinâmica cultural e 4. temas que relacionam dança com moda, cinema, iluminação, tecnologia.

As questões teóricas são tratadas em sua complexidade. No artigo de Christine, de Magda, de Lenira, de Adriana e Jussara, respectivamente citadas acima, o que é comum é a abordagem cognitiva-evolutiva, advinda do contexto teórico do Programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, assim como as reflexões de Cleide sobre improvisação, de Isabelle sobre linguagem coreográfica, de Ivani sobre tecnologia, de Paulo sobre tradição e ruptura e de Giancarlo sobre dinâmica cultural.

Os temas que cruzam com a dança – moda, cinema, iluminação e tecnologia falada por Diana – falam sobre a relação dança e outras linguagens seja de maneira história ou através de uma reflexão demonstrativa de como se dá a realidade destes acasalamentos.

Roberto Pereira, sobre livros de história da dança, nos mostra a importância de estudar e ler dança, como um hábil “contador de histórias” com h, ou seja, verídicas.

Amálio, professor do programa de pós graduação citado, conjetura a cultura àquele atento a compreender as nuanças politico-sociais dentro das quais o artista está imerso hoje.

Silvia reflete sobre o antigo problema do treinamento corporal e aponta uma relação entre interioridade e exterioridade para compreender técnica, habilidade e aprendizagem fora do contexto usual de posse que são muitas vezes definidas.

Teoricamente, é muito salutar reparar como teorias fortes dão conta de refletir velhas e novas questões, redimensionando e problematizando pontos que são fundamentais para o artista contemporâneo. Se você tem algum preconceito contra as ciências, vale a pena ler e reconsiderar sua utilidade para as artes.

Christine traz questões pertinentes para contrapor a idéia de um corpo brasileiro monolítico e geral, propondo anticorpos para tal este problema. O debate sobre tal afirmação de brasilidade é antigo: singular ou plural? local ou global? reativo ou ativo no contexto da dança contemporânea? antropomórfico ou antropofágico? Vale ler e continuar o debate.

Magda mostra como é profícuo o exercício teórico, falando de conceitos evolutivos e cognitivos para compreender a função das mãos para o homem na sua faculdade de comunicação.

Lenira faz um cruzamento linguístico entre metáfora e corpo. A idéia de corporificar textos na dança que Lenira apresenta é de extrema colaboração para artistas e educadores.

Adriana apresenta o corpo como medi (ações) midi (ações) e meio de (ações) para nos ajudar a entender corpo, informação, o meio em que se insere e as imagens que produz. Como ela afirma, “corpo e imagem não se descolam”. Poder refletir sobre imagem na dança é uma chave para muitos artistas.

Jussara “trata de performatividade na dança contemporânea como uma ação política”, como afirma no resumo do artigo. A partir da premissa do fazer artístico é o dizer e que, portanto, a dança tem voz, é fundamental para quem procura repensar seu discurso hoje alinhado em preocupações políticas na dança.

Se você está comprometido com questões muito específicas da dança, comece com o artigo de Sílvia já comentado sobre treinamento corporal.

Confira o artigo de Cleide sobre improvisação, no qual ela nos ensina a pensar filosoficamente e cientificamente o campo da dança, especificamente a improvisação, tese de mestrado e doutorado da pesquisadora. Depois, Isabelle que procura apresentar a natureza da informação na linguagem coreográfica.

Aumentando o escopo do assunto em relação à dança, veja o debate sobre dança e tecnologia no qual Ivani reflete sobre “os meios bios e tecno mutuamente transformadores e transformados”, mesmo que você se identifique como um criador que não trabalhar próximo à tecnologia.

Considerando as relações político, estético e econômicos nos trabalhos coreográficos hoje, dentre as quais você certamente está inserido de algum modo, leia o artigo de Paulo sobre a tensão entre tradição e ruptura, que reflete sobre mercado em dança.

E, por fim, Giancarlo que conjetura sobre iniciativas artísticas que surgiram fora do eixo, modificando a dinâmica cultural. Como condição de sobrevivência, reflexões como estas são mais uma chance de conhecer e criar mais outras tantas estratégias artístico-culturais.

Como a dança não é só feita de seus assuntos privados, mas também de suas relações culturais no meio em que se encontra, ler o artigo do Amálio é obrigatório e depois conferir os artigos que cruzam dança com outra linguagem.

Com moda, Ana Mery fala do corpo e as estéticas que o definem ao longo do século XX, explicando sobre beleza, ritos de sedução, a utilidade da vestimenta, entre outros temas que representam a moda naquele século.

Carolina, cara contribuição na relação corpo, movimento e cinema, aborda o corpo no cinema contemporâneo.

Roberto apresenta os estudos de iluminação para recontextualizar os aspectos técnicos, os processos de composição da luz e suas relações com espaço, tempo e dramaturgia, como aponta o autor.

Diana disserta sobre as tecnologias de realidade virtual e sua capacidade de ação cênica por um corpo expandido.

Entre os autores, mestres e doutores, é salutar reparar o nível que atingimos no pensamento sobre dança, indicador da formação cada vez mais especializada. Dentre os polós de produção, destaca-se o da PUC – SP. Segundo Sigrid, a linha editorial visa mostrar o conhecimento gerado em todo país, sem preconceitos. Para isso, será mesmo necessário mais 8 volumes, como foi previsto o projeto original de uma coleção com 10 volumes, totalizando 150 textos.

Tanto volume 1 como o 2, a partir do segundo semestre, só poderá ser encontrado nas bibliotecas de artes cênicas ou de dança do país, além de alguns centros culturais que possuem biblioteca, como afirma Sônia Sobral. Além de felicitar a iniciativa do Itaú Cultural, torcemos que mais parceiros se alinhem com a iniciativa comum de disseminar conhecimento. Afinal de contas, como define Sigrid, “HUMUS é um fertilizante natural, e como tal, o nome escolhido significa literalmente o que a palavra significa: a fertilização e, neste caso, da produção do conhecimento”.