Um passeio entre livros e pessoas que pensam em livros

É muito comum nos queixarmos que não existem livros de dança, que a prateleira de dança das bibliotecas é infame e que as editoras não publicam ou o público não lê dança, apesar do interesse galopante de estudantes, artistas e profissionais. No entanto, quando chegamos mais perto da área de pesquisa acadêmica, ou mesmo se acompanharmos as iniciativas públicas ousadas, como foi a gestão cultural em Caxias do Sul guiada por Sigrid Nora, ou ainda conhecermos os festivais que também se atentam com o fato, percebemos que a ação de difusão, sobretudo na publicação de livros, é uma estratégia. Documentar, expor, apresentar, organizar ou mesmo criar uma reflexão aportada por instrumentos teóricos vem se tornando uma atitude político-cultural de extrema relevância, a partir da qual novos profissionais, novos contextos e novas possibilidades podem tornar possível um velho desejo de mais publicações em dança no Brasil.

Antes de começarmos nossa agenda de livros e publicações, vale dizer que a forma de referência bibliográfica aqui usada é padrão (SOBRENOME, nome. Data. “Título”. Cidade: editora) ou mesmo citada de forma textual também com as informações de autor, data e título. E ainda, uma vez que os títulos flagram bastante do que tratam os livros, nossa intenção aqui é de fato criar uma agenda, com foco político-social, que confirme a importância de publicar, ler e difundir o conhecimento produzido na área.

Se olharmos para as publicações dos anos 90, veremos 1. catálogos que expõem a dança no Brasil – a exemplo de PEREIRA, Roberto. (1998). “Luz na dança: contornos e movimentos”. Prefácio Helena Katz; pesquisa iconográfica Fabiana Dultra Britto; projeto gráfico Rachel Zuanon e Alexandre Geraldes; direção editorial Rosa Katz. Rio de Janeiro: Eletrobrás – 2. alguns livros resultados de pesquisas acadêmicas, assim como é o livro de MONTEIRO, Marianna. (1998). “Noverre: cartas sobre a dança”. São Paulo: Edusp: Fapesp – ou 3. livros gerais que são informativos ou mesmo apresentam movimentos históricos em um formato padrão que, inclusive, serviram para uma primeira geração de jovens pesquisadores que não tinham opção e citavam muitos destes nomes: Maribel Portinari, Kátia Canton e Antônio José Faro [1]. As teses de dança já ganhavam destaque no cenário intelectual, bem como práticas de estudo em conjunto com leituras de textos, mas, na sua grande maioria, em outros idiomas. Portanto, a dança já se fazia ser lida, mas ainda bastante tímida ou, para poucos, em inglês ou francês, com uma demanda emergente e com a necessidade latente de se expandir.

Diante de uma retrospectiva de publicações destes 6 últimos anos, sobretudo lançamentos recentes na bibliografia da dança, vê-se que continuam as publicações 1. do tipo catalágo, sobretudo de companhias oficiais – temos o livro “Raízes: dança e cultura”, 2003 de Sigrid Nora e “A história que se dança” ideliazado por Yara de Cunto e com textos de Susi Martinelli sobre uma parte da história da dança em Brasília (resenhado neste site recentemente); 2. temos publicações teóricas em formato de revistas (algumas com continuidade, outras, infelizmente, não) que procuram debater assuntos pertinentes – novamente outro organizado por Sigrid Nora, “Humús”, 2004 e o “Lições de Dança”, que já está na sua 5ª edição (o nº 1 foi em 1999) organizado por Roberto Pereira e Sílvia Soter; e, finalmente, 3. uma maior diversidade em abordar temas da dança por autores pesquisadores que aprofundam o debate teórico, na maior parte das vezes resultados de dissertações e teses, e que, assumidamente, estabelecem um posicionamento político em relação à produção de conhecimento em dança. São muitos:

1. Cássia Navas, recentemente a frente da gestão do Teatro da Dança em São Paulo, também publica, desde os anos 80, livros de referência para estudantes e leitores da dança. Destacam-se, todos em 2003, a organização do catálogo do “Balé da Cidade de São Paulo”, o livro publicado junto com Lenora Lobo, coreógrafa brasiliense a frente do cia. Alaya de dança, sobre seu método de criação chamado “Teatro do Movimento um Método para o Intérprete Criador” e o livro de entrevistas com bailarinos e coreógrafos renomados e artigos sobre projetos sociais, “Na Dança”, organizado junto com Flávia Fontes e Inês Bogéa.

2. A profª da Pós Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP e da graduação Artes do Corpo nesta mesma universidade, Christine Greiner, também publicou três importantes livros para a área, sendo os dois primeiros resultados de pesquisas acadêmicas e o terceiro foi resenha neste site, são eles: GREINER, Christine. (1998). “Butô: pensamento em evolução”, São Paulo: Escrituras e GREINER, Christine. (2000). “O teatro nô e o Ocidente”, São Paulo: Fapesp, Annablume e, recentemente, (2005) “Corpo: pistas para estudos indisciplinares” pela Annablume. Em 2003, em co-autoria com Cláudia Amorin, publica também pela Annablume, “Leituras do Corpo” com assuntos referentes ao corpo que também interferem no discurso da dança.

3. Da importante Escola de Dança da UFBA, a Profª Ciane Fernandes se destaca com títulos publicados como FERNANDES, Ciane. (2000). “Pina Bausch e o Wuppertal Dança – Teatro: Repetição e Transformação”. São Paulo, Ed. Hucitec e outro publicado este ano (falaremos mais abaixo). Também sobre Pina Bausch, vale lembrar o livro do jornalista Fabio Cypriano, “Pina Bausch” com fotos de Maarten Vanden Abeele, publicado pela Cosac & Naify.

4. Desde sua estréia com “Oito ou nove ensaios sobre o Grupo Corpo”, com artigos de diversos autores e fotografias de José Luiz Pederneiras, de 2001, Inês Bogéa, jornalista da Folha de São Paulo e pensadora na área, difunde a dança através de livros para o público em geral, como “O livro da dança” (2002).

5. Ivani Santana, mestrado e doutorado na PUC-SP e atualmente professora na Escola de Dança da UFBA, publicou: SANTANA, Ivani. “Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias”. São Paulo: Educ: Fapesp, 2002 e outros dois em 2006 (ver mais adiante).

6. O Prof. Roberto Pereira, a frente do curso de Dança e da Pós Graduação da UniverCidade e militante em projetos de curadoria e seminário sobre dança no Rio de Janeiro, publicou PEREIRA, Roberto. (2003). “A formação do balé brasileiro: nacionalismo e estilização”. Rio de Janeiro: Editora FGV e no mesmo ano “Giselle: o vôo traduzido (da lenda ao balé)”. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed.. Juntamente com Adriana Pavlova, publicou em 2001, na ocasião dos 10 anos do Panorama RioArte de Dança, hoje nomeado como Festival Panorama de Dança, o livro “Coreografia de uma década: o Panorama RioArte de Dança”. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: Canal Contemporâneo: Instituto Municipal de Arte e Cultura-RioArte.

7. Rosana Van Langendonck, mestra e doutora pela PUC-SP, publicou dois livros sobre sua pesquisa, são eles: LANGENDONCK, Rosana Van. (2004). “A sagraçao da primavera – dança & genese”. São Paulo: Editora RVL. 2a edição e LANGENDONCK, Rosana Van. (2004). “Merce cunningham – dança cosmica – Acaso – tempo – espaço”. São Paulo: Editora RVL. Mais adiante, ver livro em co-autoria com Lenira Rengel.

8. Também professores de geracões e faculdades distintas, portanto discursos bem diferentes, vem colaborando para difundir o conhecimento da dança em diversos aspectos: da sua dissertação de mestrado, Lenira Rengel publicou o “Dicionário Laban” pela Annablume, em 2003; de uma jornada longa e dedicada ao tema, Inaicyra Falção dos Santos, professora do curso de graduação em dança da UNICAMP, publicou em 2002, “Corpo e ancestralidade: uma proposta pluricultural de dança-arte-educação”, pela EDUFBA; da dissertação de mestrado, Soraia Maria Silva publicou, em 2001, pela EDUSP, “Profetas em movimento: dansintersemiotização ou metáfora cênica dos Profetas do Aleijadinho, utilizando o método Laban”; Maíra Spanghero, através do Instituto Cultural Itaú, publicou, em 2003, “A dança dos encéfalos acesos”; também ligada à dissertação de mestrado, Beatriz Cerbino publicou, em 2001, “Nina Verchinina – Um pensamento em movimento”, pela Funarte e Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

9. “Cartografia da dança: Criadores-intérpretes brasileiros”, organizado por Fabiana Britto (2001) é um livro de referência , provavelmente pela primeira vez com esta finalidade específica, sobre vários coreógrafos e artistas da dança contemporânea, recortados segundo apurada experiência de pesquisa e curadoria realizada no Rumos Dança 1 do Instituto Cultural Itaú, coordenado por Sônia Sobral. Este livro conta com textos dos pesquisadores e curadores assistentes que, através de treinamento, da experiência nas cidades e de uma editoria única, puderam se especializar e, com isso, refletir outros modos de escrita e descrição das danças.

10. Outro motivo de comemoração foi a publicação da 2ª edição tão esperada de “A dança” de Klauss Vianna, em 2005, pela Editora Summus. Um marco na história da dança e das artes, possibilita a uma nova geração o contato mais de perto com o conteúdo do livro e com a história viva deste pensador e professor do corpo.

11. No Norte-Nordeste, destacamos dois casos de livros de história da dança que são, de certa forma, pioneiros de uma iniciativa local que aponta para os elos da história de coreógrafos e dancarinos: Arnaldo Siqueira, coreógrafo, professor e pesquisador de Dança do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade Federal de Pernambuco, publicou em 2005 uma série de livros biográficos sobre três artistas significantes para a formação e desenvolvimento da dança no Recife. Com a colaboração do alagoano Antonio Lopes, falam de Tânia Trindade, Flávia Barros e de Ana Regina Moreira (para mais informações, consulte resenha neste site). Outro exemplo é a publicação de Giselle Moura, que conta do episódio de passagem da Pavlova no Brasil.

Antes de partir para 2006, atualmente, não é mais possível ignorar a ação de periódicos nos quais é possível encontrar artigos da área nos seus diferentes focos editoriais: a Revista Gesto do Centro Coreográfico do Rio de Janeiro tem artigos, traduções e seu direcionamento editorial para diversidade, sendo que sua primeira edição foi em 2000 e a última em 2003 (3 números no total); o Repertório Teatro & Dança, que em 2004 estava no seu ano 7, contribuiu com a publicação acadêmica de vários professores da escola de Dança da UFBA e, em 2003, a revista da Pós Graduação “Pensar a prática: revista da pós-graduação da Faculdade de Educação Física da UFG” que fala sobre dança e educação, outro tema pertinente e também em expansão que falaremos logo a seguir.

Do mesmo modo, sites de dança publicam artigos e notícias que vêm construindo um hábito positivo de “ler jornal de dança todos os dias”, fora dos grandes editorais nacionais e que justamente implica em uma política de expansão e autonomia da crítica em dança. São eles: este veículo – o idança.net (www.idanca.net) – desde 2003 idealizado por Nayse Lopez e coordenado juntamente com Sônia Sobral; e o Conexão Dança (www.conexaodanca.art.br), que funciona desde 2000, idealizado pelo bailarino e webdesigner Luis Cláudio Cunha de Souza. Em 2003 e 2004, o Conexão foi patrocinado pelo PROMIC – Programa Municipal de Incentivo a Cultura de Londrina. O Jornal Dança, Arte e Ação (www.dancecom.com.br/daa) conta com colaboradores de renome como Eliana Caminada, professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco, Leonel Brum, pesquisador de dança e curador dos eventos Dança Brasil e Dança em Foco, e Vera Aragão, bailarina, pedagoga, mestranda da UNIRIO, professora de ballet e prática de ensino do curso de licenciatura em dança da UniverCidade – RJ. Outros periódicos, eletrônicos ou não – assim como blogs – vêm sendo difundidos na área, esperando que outros, com todo tipo de editorial, inclusive emergentes de núcleos de ensino e pesquisa, possam surgir para corroborar com a independência e multiplicidade de escritas e leitores da dança.

A educação também amadureceu em publicações de dança que apontam para modos e debates da relação ensino-aprendizado que se destacam nos últimos anos. Alguns são: da Profª Isabel Marques, (1999). “Ensino de dança hoje”. São Paulo: Cortez Editora e (2003). “Dançando na Escola”. São Paulo: Cortez Editora. Em 2003, M. Julieta Calazans, Jacuan Castilho e Simone Gomes publicaram uma coletânea de artigos sob título “Dança e Educação em Movimento”. E em 2005, Debora Barreto publica “Dança: Ensino, Sentidos e Possibilidades na Escola” e em 2006, Eliana Caminada e Vera Aragão falam sobre o modo de ensinar balé no livro “Manuais de Ensino: Dança” pela Editora da UniverCidade.

Finalmente, 2006 foi marcado por lacunas preenchidas em novas formas de expandir o ramo de publicações em dança no Brasil. Primeiro, a tese de doutorado (1994) de Helena Katz pelo projeto do Fórum Internacional de Dança – FID de Belo Horizonte, através de uma iniciativa da editora independente do FID publica “Um, dois, três – A dança é o pensamento do corpo”, prometendo publicar ainda as teses de Fabiana Dultra e Dulce Aquino. O festival de vídeodança Dança em Foco publica “Dança e Tecnologia – Dança em Foco vol. 1”, primeira publicação brasileira inteiramente voltada ao tema com edição trilíngüe (português, espanhol e inglês) e ensaios de Virginia Brooks, Armando Menicacci, Douglas Rosenberg e Ivani Santana. Ciane Fernandes publica a segunda edição do livro “O corpo em movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas” pela Annablume e Márcia Strazzacappa juntamente com Carla Morandi publica “Entre a arte e a docência” pela editora Papirus. Ivani Santana publica sua tese de doutorado “A dança na Cultura digital” na ocasião do II Unidança – encontro regional universitário que aconteceu no Instituto de Artes da UNESP e também lançou na oportunidade do V Ateliê de Coreógrafos em Salvador, em outubro, “Estados da Dança: entrevistas, relatos e ensaios de criadores contemporâneos”, com organização de Ivani Santana e entrevistas de teóricos e coreógrafos renomados, ligado ao Caderno do GIPE-CIT – Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporâneidade, Imaginário e Teatralidade da UFBA. E finalmente, no dia 24 de novembro, no Itaú Cultural, Rosana Van Langendonck e Lenira Rengel lançam o livro “Pequena viagem pelo mundo da dança” pela Editora Moderna.

Como é possível constatar, podemos não ocupar muito espaço nas livrarias, mas estamos galgando um lugar politicamente importante na publicação de livros de dança. Continuam os livros informativos, gerais, históricos, com ou sem referência teórica aprofundada, de referência, manuais ou entrevistas. e também aqueles com uma preocupação teórica. Todos eles povoam a necessidade e a diversidade possível de leitura, de público e demanda que a dança convida. O avanço intelectual, sobretudo dentro das universidades, vem trazer uma especialização do discurso que, por um lado, devemos cuidar para não ficar enclausurado somente para os dançarinos que se dispõem a esta profundidade e, por outro, não temer o aperfeiçoamento de um discurso teórico rigoroso que traga noções mais específicas, ou seja, que fuja dos estereótipos de beleza e utopia do corpo da dança. E isso está acontecendo.

Acompanhe, opine, adquira livros de dança. Publique, comente e participe de um movimento inevitável de produção de conhecimento que já vem acontecendo, dentro e fora do palco, e que, agora, ganha um status de importância sócio- cultural que pode trazer frutos para a imagem da dança, sua memória e seu exercício de forma contundente na sociedade. Editoras independentes, de universidades ou mesmo as editoras normais de mercado podem e estão expandindo sua noção do que a dança pode falar, podendo abrir espaços para novas publicações, que é o que esperamos para o ano de 2007.

Fontes:

http://www.conexaodanca.art.br/bibliografias.htm
www.luciavillar.com.br

Notas:

[1] PORTINARI, Maribel. “História da dança”. (1989). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
CANTON, Cátia. (1994). “E o príncipe dançou”. São Paulo: Ática.
FARO, Antonio José. (1986). “Pequena História da Dança”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.