Mais de 50 anos de história | More than 50 years of history

Ela foi criada quando muito pouco (ou nada) se falava sobre formação acadêmica em dança no Brasil. Passou com muita resistência pela ditadura, lançou importantes experiências criativas em dança contemporânea e foi a primeira a ter um Programa de Pós-Graduação em Dança (PPGD) no país. Prestes a completar 55 anos, a Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) reafirma sua importância na história da dança brasileira ao criar, em 2006, o primeiro mestrado em dança do país, que mudou a geografia do ensino acadêmico na área. O idança conversou em Salvador com a diretora da instituição, Dulce Aquino, e resgata a história da Escola aqui.

Em 1946, em meio ao boom econômico pelo qual passava o estado da Bahia por conta da exploração do petróleo, o médico Edgar Santos criou a UFBA. O primeiro curso aberto foi o de Medicina (a primeira escola do país), em seguida vieram as escolas politécnicas de Direito e Belas Artes. Com a UFBA, ele retomou o papel do estado como importante centro artístico-cultural brasileiro. “Mesmo antes de a Escola de Dança ser aberta, ele desenvolveu importantes ações nas áreas humanística e de artes. Uma delas foi a realização dos seminários de dança e música”, conta Dulce Aquino, que foi uma das primeiras alunas do curso de dança.

Em meio à realização desses seminários, a então bailarina polonesa Yanka Rudzka desembarcou na Bahia levando na bagagem sua experiência com o expressionismo alemão. Ela se apaixonou por Salvador e acabou sendo peça fundamental na criação da Escola de Dança, em 1956. Junto com a Escola de Música (fundada em 1955) e com a de Belas Artes, estava formado o pilar acadêmico da área de artes na Bahia. “Não era um conservatório. As três tinham um espírito muito atual, totalmente vanguarda para a época”, lembra Dulce, que chegou à escola como aluna em 1957.

Yanka ficou à frente da Escola durante dois anos. Tempo suficiente para criar uma escola que explorasse a criatividade e sensibilidade dos alunos. As aulas tinham muito de improvisação, além de uma forte base teórica com aulas de Filosofia da Arte, Estética, e de outras linguagens artísticas, como a pintura. “Foi um início muito interessante pois vieram alunos de São Paulo atrás da Yanka. Fazíamos aula com música ao vivo, as aulas exploravam as articulações naturais do movimento, sem forçar nada. Também havia ligação muito forte com o candomblé. Ela mesclava a visão do expressionismo alemão com elementos essenciais do candomblé”, recorda Dulce. As duas primeiras montagens de Yanka na UFBA foram Candomblé e Águas de Oxalá, no Cine-teatro Guarani, na Praça Castro Alves.

Com o tempo, a Escola foi ganhando uma cara, uma linha de pensamento, mas até aquele momento não existia um conteúdo programático a ser seguido. Em 1960, chegou à escola Rolf Geleweski, que foi o grande estruturador dos conteúdos pedagógicos durante o período em que foi diretor, de 1960 a 1965.

A fachada da Escola de Dança, a mesma desde 1956

A atual fachada da Escola de Dança

Em 1965, nasce o Grupo de Dança Contemporânea (GDC), um marco na história da instituição e da dança brasileira como um todo. “Ele já apontava para cada um procurar sua dança. Neste período, fomos cobaias de vários métodos de ensino de conteúdos programáticos que Gedelewski instaurou (ele era o diretor artístico da empreitada). Ao lado da ‘técnica básica’, como ele chamou, havia aulas de movimentos anatômicos (para fortalecimento), aulas de espaço, forma, composição coreográfica e solística, psicologia da arte e pedagogia”, afirma Dulce.

Passaram pelo GDC nomes como Clyde Morgan, Roger George, Klauss Vianna, Lia Robatto, Carmen Paternostro, Márcio Meirelles e Teresinha Argolo, entre muitos outros, que faziam questão de coreografar para o grupo, fugindo do academicismo dominante naquela época.

Ditadura quase acabou com a produção

Todo a intensidade da produção desde a inauguração da Escola, porém, quase se perdeu no período da ditadura, que afetou diretamente a UFBA nos anos de chumbo. Numa tentativa de diminuir a produtividade, a Escola de Dança se tornou um departamento da Faculdade de Belas Artes. “Foi muito difícil, mas tentávamos preservar nossa identidade. Foram 20 anos de resistência, lutando contra notícias de que a escola fecharia a qualquer momento”, revela Dulce, que assumira a direção da Escola em 1965, logo após a saída de Gedelewski.

Por volta de 1976 começou-se a se falar em abertura política. Naquele ano nasce a Fundação Nacional das Artes (Funarte), com o objetivo de funcionar como válvula de escape da produção das universidades. “Naquela época elas estavam um caldeirão, a ponto de explodir”, lembra a diretora.

No meio deste caldeirão, claro, estava a Escola de Dança, que em 1977 lança a Oficina Nacional de Dança Contemporânea, outro marco na história da dança no Brasil. Foi um projeto inovador que aconteceu anualmente, durante 20 anos, e que promoveu encontros memoráveis. Passaram por lá artistas de todo o Brasil, como Célia Gouveia, Graciela Figueroa e João Saldanha.

Alunos estudam em uma das salas da Escola

Alunos estudam em uma das salas

De acordo com um documento oficial datado de 1988 sobre a Oficina, ela “tem como objetivo principal aglutinar grupos de dança que estejam realizando a pesquisa de uma nova linguagem, onde a forma e o conteúdo sejam significativos para o homem de hoje. Este evento anual se distancia da filosofia dos principais festivais de arte do País: primeiro, por se tratar de uma amostragem do novo, logo pouco conhecido, através da participação de grupos que não pertencem ao círculo pequeno e elitista dos consagrados; segundo, por desenvolver uma série de cursos que visam a atualização dos profissionais, não só na área técnica, mas também no desenvolvimento do potencial criativo coreográfico; e, finalmente, por realizar seminários e debates onde a atuação crítico/teórica do profissional é estimulada.  Estes itens vêm ao encontro das necessidades de uma área pouco atendida pelos órgãos oficiais, detectada através da falta de apoio à produção de grupos emergentes (…)”

Anos 2000: novos passos em direção ao pensamento em dança

Passado o período de redemocratização, a Escola de Dança entra num limbo. Em 1987 é criado o curso de pós-graduação latu senso em Coreografia numa parceria com a Escola de Teatro, mas ele não é suficiente para os objetivos da Escola. No entanto, no ano seguinte há uma espécie de intervenção e uma diretora não eleita por voto é nomeada. “O objetivo era dar um salto de qualidade e chegar ao doutorado, mas a Escola sofreu muito com essa atitude, que envolveu questões políticas”, admite Dulce.

Ainda firme no intuito de formar pensadores e pesquisadores de alto nível em dança, em 2003, a Escola apresenta ao Programa de Qualificação Institucional (PQI) da Capes proposta de um doutorado e de um programa de pós-graduação. O Programa de Pós-Graduação em Dança (PPGD) surge em 2006, no ano do cinquentenário da Escola, causando uma revolução no meio acadêmico. “Muita gente começa a vir para a Bahia para estudar. Somos um centro de referência, pois temos muitos grupos de pesquisa distintos. É uma escola que está bem na arquitetura universitária. Temos importância, voz”, diz Dulce, que agora se vê às voltas com a reforma e ampliação do prédio da escola como novo presente. Diante de toda essa carga de história que guarda a Escola de Dança da UFBA, não é exagero dizer que no mapa da dança brasileira, muitos dos caminhos passam por Salvador.

Leia também: Inscrições abertas para mestrado na UFBA

It was created at a time when there was little (or no) talk of dance academic education in Brazil. It resisted throughout the dictatorship period, launched important creative experiences in contemporary dance and it was the first institution to have a Dance Post-Graduate Program (PPGD). The Dance School of the Federal University of Bahia (UFBA) is about to celebrate 55 years and reinforced its importance in the history of Brazilian dance by creating the country’s first masters program in dance, in 2006. This changed the geography of dance academic learning in Brazil. Idança talked to the institution’s director, Dulce Aquino, in Salvador, and visits the history of the School.

In 1946, amidst the economic boom in the state of Bahia due to oil exploration, physician Edgar Santos created UFBA. The first course was Medicine (the country’s first). Then came the Law and the Fine Arts schools. With UFBA, he reclaimed the state’s role as an important artistic and cultural center. “Even before the Dance School opened, he developed important actions in the humanities and arts areas. One of them was the production of dance and music seminars”, says Dulce Aquino, who was one of the first students of the dance course.

During the seminars, polish dancer Yanka Rudzka landed in Bahia bringing in her luggage her experience with German expressionism. She fell in love with Salvador and ended up being a key figure in the creation of the Dance School, which formed the academic pillar for the arts along with the Music and Fine Arts schools. “It wasn´t a conservatory. The three schools had a very up-to-date spirit, totally avant-guard for the time”, Dulce remembers.

Yanka was in charge of the school for two years. It was enough time to create a school that explored the creativity and sensitivity of the students. The classes had a lot of improvisation, besides having a very strong theoretical basis with classes about Philosophy of the Arts, Aesthetics and other artistic languages, such as painting. “It was a very interesting beginning, because some students came from São Paulo, looking for Yanka. We had classes with live music, the classes explored the natural articulations of movement, without forcing anything. There was also a strong connection with candomblé. She mixed the perspectives of German expressionism with essential elements of candomblé”, says Dulce. Yanka’s first two works at UFBA were Candomblé and Águas de Oxalá.

As time went by, the School acquired identity and a line of though, but until that moment there was no syllabus to be followed. In 1960, Rolf Geleweski arrived at the school and designed the pedagogical content during the period he directed the school, from 1960 to 1965.

In 1965, Grupo de Dança Contemporânea (GDC, the Portuguese acronym for Contemporary Dance Group) was created. It was a mark in the history of the institution and of Brazilian dance as a whole. “He already suggested that each one should pursue their own dance. In that period, we were guinea pigs of several teaching methods of the syllabus Gedelewski established (he was the artistic director of the Group). Along with the ‘basic technique’, as he called it, there were classes of anatomical movements (for strengthening), space, shape, choreographic composition, art psychology and pedagogy”, says Dulce.

People like Clyde Morgan, Roger George, Klauss Vianna, Lia Robatto, Carmen Paternostro, Márcio Meirelles and Teresinha Argolo were part of GDC, among many others who made a point of choreographing for the group, escaping from the academicism of the time.

The dictatorship almost ended production

However, the production intensity since the opening of the School was almost lost during the dictatorship period, which directly affected UFBA. In an attempt to diminish productivity, the Dance School became a department of the Fine Arts School. “It was very difficult, but we were trying to preserve our identity. We spent 20 years resisting, fighting against rumors that the school would close at any moment”, reveals Dulce, who would take over the direction of the school in 1965, after Gedelewski left.

Around 1976, there started to be some talk about political opening. In that year, Fundação Nacional das Artes (Funarte, the Portuguese acronym for National Arts Foundation) was created, with the goal of being a escape valve for the production of Universities. “At that time, they formed a cauldron, about to explode”, remembers the director.

The Dance School was obviously in the middle of that couldron. In 1977, the Oficina Nacional de Dança Contemporânea (“National Contemporary Dance Workshop”) was launched, another mark in the Brazilian dance history. It was an innovative project that took place every year, for 20 years, and it fostered memorable encounters. Artists from all over the country participated, such as Célia Gouveia, Graciela Figueroa and João Saldanha.

According to an official document from 1988 about the Worskshop, “its main goal is to gather dance groups that have been developing research with the new language, in which form and content are relevant to today’s men. This annual event distances itself from the country’s main art festivals: first, for being a sample of what is new and therefore little known, through the participation of groups that are not part of the small and elitist circuit of the acclaimed; second, for developing a series of courses aiming to update professionals, not only in the technical realm, but also in the development of the creative choreographic potential; and finally, for carrying out seminars and debates in which the professional’s critical/theoretical process is stimulated. These items meet the need of an area that is overlooked by the authorities, detected through the lack of support to the production of new-coming groups (…)”

The 2000’s: new steps towards dance thought

After the re-democratization period, the Dance School entered a limbo. In 1987, a post-graduate Choreography course was created in partnership with the Theater School, but it wasn´t enough to meet the School’s goals. However, in the next year there was a kind of intervention and the director wasn´t chosen by vote, she was nominated. “The goal was to have a leap in quality and achieve a doctor’s program, but the school suffered a lot with this attitude, which involved political issues”, Dulce admits.

Still with the firm intention of training high level dance thinkers and researchers, in 2003 the School sent a proposal to the Programa de Qualificação Institucional (PQI, the Portuguese acronym for Institutional Qualification Program) for the creation of a post-graduate program. The Dance Post-Graduate Program (PPGD, in Portuguese) was launched in 2006, the year the School celebrated 50 years. It brought a revolution to the academic community. “A lot of people started coming to Bahia to study. We are a point of reference, because we have many different research groups. It´s a school that is well-placed in the University’s structure. We have importance, a voice”, says Dulce, who is now involved with reforms and the extension of the School’s building. With such a rich history, it is not too much to say that in the map of Brazilian dance, many paths go through Salvador.