Meu nome é corpo|My name is body

Mas afinal, o que e como pensar sobre a dinâmica contemporânea que reedita o corpo na sociedade contemporânea, sobretudo na dança? A voz que expressa essa dinâmica requer um corpo enunciador de vestígios emblemáticos: uma poética subjetiva ou uma estética sensível, marcadamente intercambiante à arte e à condição humana. Rarefeitos momentos de comunhão que (des)envolvem trocas de experiências.

Agora, legitimamos o corpo como estado crítico de ser e estar – como uma extensão sincrética do código híbrido que acelera a (re)inscrição verbo-visual-sonoro, para além de uma evidência extra-sensorial. O corpo perfaz seu próprio eixo. Explora caminhos. Então, acentua o registro incorporador de experiências sincréticas e cinéticas, capazes de acenar a malhas (inter/trans)textuais entre esse ‘quase’ ser e estar. É um pouco de cada.

Para provocar: assistir a um trabalho de dança na sala de espetáculo, bem como assistir a um filme na sala de cinema e/ou a uma performance na internet, são atividades tão corpóreas quanto a articulação criativa que expõe um grupo de dança no palco ou o sujeito no enfrentamento cotidiano do ônibus cheio, apertado de corpos que se encostam. O mesmo pode-se imaginar para o corpo do motorista sentado no carro aguardando o trânsito.

Partindo dessa premissa, investigo manifestações contemporâneas que ativam a lógica corporal. Especificamente, aqui, quero ponderar o trabalho ousado e criativo de Júnior O’Hara – coreógrafo de Brasília. Seu escopo cênico estimula uma vertigem enigmática – para não dizer emblemática/simbólica -, cuja escritura coreográfica visa expor a multiplicação de espaços entre chão, teto, parede, frente e fundo. Nota-se um desempenhar estreito à experimentação aberta de feitos coreográficos contemporâneos.

Ao seu lado, urge o corpo maduro e viscoso de Genivaldo Souza (mais conhecido como Gê Bezerra), que brinca com os artefatos da dança. A dupla – Ge e O’Hara – parece fazer estragos conceituais positivos na dança brasiliense, em diálogo com a potencialidade criativa do grupo BASIRAH. Propõem um olhar flexível e atual para ativar a possibilidade dançante. Inova-se com o território arreparador de subjetividades – respiros. Eis um destaque criativo para a proposta da dança brasileinse: rever/reler aquilo que é indicado como novo. Mas, então, o que recobre tal postura que ativa o, dito, novo na dança?

Neste bojo, elege-se o corpo como fator atrator da lógica formal para performatizar a aventura coreográfica de gestos precisos e equipados de uma intensão pulsional. Há muita vida no que eles fazem. Bailarinos/as respiram na sua condição física de pensar o limite cênico de seu próprio corpo.

O resultado é uma estrutura viva, orgânica, em que a pláteia consegue sentir a comunicação estabelecida pela vontade dançante e corporal. Corpos em cena são para ser espetacularizados na ordem das ações legítimas do sentir com força e afeto. Fica aí uma impressão mais autêntica!

Do espetáculo em processo

No prólogo, uma assinatura bem humorada ressalta a voz estrepitante de aninha – “Meu nome é Ana”. Nada mais equivalente a este gesto sorridente e simpático pautado pelo desfecho representacional do Grito Cia. de Dança. Eles acabam de estrear, neste mês de outubro de 2008, o espetáculo Meu nome é

Em um ciclo que se completa, o encerramento do espetáculo ocorre com a mesma cena do prólogo que efetiva a feliz expressão rica e criativa de dizer o nome.

Trata-se de um breve conjunto representativo da dança contemporânea do Distrito Federal. Para ser mais específico, é um grupo jovem de pesquisa experimental em dança originado da cidade satélite de Taguatinga.

A direção e a coreografia de Júnior O’Hara são traduzidas pelo elenco que desponta Gê Bezerra, bem como os nomes emergentes como Sérgio Gonçalves, Ana Cláudia Ronzani e Roberta Barbalho. É um misto de talentos emergentes que persistem com seus esforços para acreditar na dança brasileira contemporânea. Por que não?!

Ao todo, são seis nomes e corpos que apresentam 3 pares. Movimentos flexíveis entre duos expressam a passagem de uma dança contemporânea que dialoga com resquícios daquilo que já foi entendido, algum dia, como moderno. Agora, experimenta-se a dinâmica de uma performance, cada vez mais deslocada, flexível, provisória.

Gê e Sérgio, por exemplo, formam um duo coreográfico de sustentação e ritmo que relaciona e amplia o encontro corpóreo entre os bailarinos, que se tocam e estimulam uma subjetividade peculiar. Neste ato, um envolvimento dançante pulsa a redimensão da carne. Em certo momento, Gê lança – de uma só vez – o corpo de Sérgio para o alto, numa ponta acentuada pelas pernas e culmina no somatório de viesses masculinos. É algo impactante que intensifica de modo produtivo a qualidade da cena.

Tudo isso se torna acelerado pela música eletrônica incidental. Um desencontro sonoro (re)configura a extensão rítmica ao desassociar a impressão visual da esfera corporal. Propositalmente, a atmosfera plástica do espetáculo revela uma desconexão entre o movimento coreográfico e a música descompassada – um reencontro poético. Som e imagem caminham em descomunhão, sem querer afinar o compasso rítmico. Parece algo intencional!

Meu nome é… pode ser visto/lido como a incerteza daquilo que não é, mas também daquilo que possa ser e/ou estar. Vinculam-se a euforia plástica de corpos sobressaltados pelo engenho coreográfico e o rigor técnico e sensível do conjunto. Quem passar por Brasília, talvez, pode ter o privilégio de assistí-lo no teatro Villa-lobos ou aguardar sua temporada pelo eixo Rio – São Paulo – Minas, quem sabe?

Wilton Garcia é artista visual, trabalha com fotografia e vídeo, pesquisando o corpo contemporâneo. Doutor em Comunicação e Estética do Audiovisual pela ECA/USP e Pós-Doutorado em Multimeios pelo IA/UNICAMP. Atualmente, é professor do Mestrado em Semiótica, Tecnologia da Informação e Educação da Universidade Braz Cubas – UBC. Autor de Corpo, mídia e representação: estudos contemporâneos (Thompson, 2005), entre outros.

But, after all, what and how to think about the contemporary dynamics that reedits the body in contemporary society, in dance, above all? The voice that expresses this dynamics requires a body that enunciates symbolic traces: subjective poetics or sensitive aesthetics, markedly interchangeable in art and human condition. Ethereal moments of communion that develop and involve the exchange of experiences.

Now, we legitimize the body as critical state of being – like a syncretic extension of the hybrid code that accelerates the verbal, visual and sound (re)inscription, beyond an extra-sensorial evidence. The body executes its own axis. It explores paths. Therefore, it accentuates the record that incorporates syncretic and kinetic experiences, able to allude to the (inter/trans) textual meshes between this “almost” being.

A provocation: watching a dance show in the theatre, as well as watching a film in a movie theatre and/or a performance on the internet, is as corporal an experience as a creative articulation that exposes a dance group on stage or a person in the daily confrontation in a crowded bus, filled with bodies pressing against each other. The same can be said about the body of the driver sitting in the car waiting for the traffic.

Given this premise, I investigate contemporary manifestations that activate the body logic. Specifically, in this case, I want to ponder the daring and creative work of Júnior O´Hara – a choreographer from Brasília. His scenic range stimulates an enigmatic vertigo – not to say emblematic/symbolic -, of which the choreographic writing aims to expose the multiplication of spaces between the ground, the ceiling, the front and the back. It is possible to se a performance close to open experimentation of contemporary choreographic feats.

By his side, the mature and viscous body of Genivaldo Souza (better known as Gê Bezerra) urges, he plays with the artifacts of dance. The duo – Gê and O´Hara – seem to make positive conceptual damages in the dance of Brasília, in a dialogue with the creative potentiality of group BASIRAH. They propose a flexible and up-to-date perspective to activate the possibilities of dance. It innovates in the territory repository of subjectivities – breathes. That is a creative highlight of dance in Brasília: revisiting/rereading that which is indicated as ‘new’. But, then, what covers such stand that activates the so-called ‘new’ in dance?

In this context, the body is elected as an attracting factor of the formal logic to turn into performance the choreographic adventure of precise gestures equipped with a pulsating intention. There is lot of life in what they do. Dancers breath their physical condition of thinking the scenic boundaries of their own body.

The result is a living, organic structure, in which the audience is able to feel the communication established by the dancing and corporal will. Bodies on stage are meant to be turned into a spectacle in the level of legitimate feeling actions with strength and affection. There you have a more authentic impression!

The show in process

In the prologue, a very humorous signature highlights the screeching voice of aninha – My name is Ana. Nothing could be more equivalent to this smiling and appealing gesture guided by the representative closure of Grito Cia de Dança. In October 2008 they just premiered the show called Meu nome é …

In a cicle that completes itself, the closing of the show happens with the same scene as the prologue, which puts into effect the happy rich and creative experience of stating the name. It is a brief representative set of the contemporary dance of Distrito Federal. To be more specific, it is a young group of experimental research in dance originated in the satellite city of Taguatinga.

The direction and choreography by Júnior O´Hara is translated by the cast that gives rise to Gê Bezerra, as well as other emerging names like Sérgio Gonçalves, Ana Cláudia Ronzani e Roberta Barbalho. It is a mixture of rising talents that insist with their efforts to believe in Brazilian contemporary dance. Why not?!

Altogether, there are six names and bodies that present 3 couples. Flexible duo movements express a cross-over of a contemporary dance that dialogues with traces of something that was once regarded as modern. Now, an ever more dislocated, flexible and temporary performance dynamic is experimented.

Ge and Sérgio, for example, form a choreographic duo of sustenance and rhythm that relates and broadens the meeting of bodies between the dancers, who touch and stimulate a peculiar subjectivity. In this act, a dancing involvement pulsates the re-dimension of the flesh. At a given moment, Gê casts – all at once – Sérgio’s body up in the air, in a point accentuated by the legs and culminating in the sum of masculine obliquities. It is something impactful that intensifies the quality of the scene in a productive way.

All this becomes accelerated by the incidental electronic music. A sound mismatch that (re)configures the rhythmic extension by dissociating the visual impression from the corporal sphere. On purpose, the plastic atmosphere of the show reveals a disconnection between the choreographic movement and the out of compass music – a poetic reunion. Sound and image walk out of communion, without trying to tune the rhythmic compass. It seems intentional!

Meu nome é… can be seen/read as the uncertainty of something that is not, but also something that could be. A plastic euphoria of bodies shaken up by the choreographic inventiveness and the technical and sensitive rigor of the ensemble. Those who are in Brasilia, maybe, will have the privilege of watching it in Villa-lobos theater or wait for the tour in the Rio – São Paulo – Minas Gerais circuit, who knows?

Wilton Garcia is a visual artist, wotking with photography and video, researching the contemporary body. PhD in Communication and Audiovisual Aesthetics from ECA/USP and Post-graduate in Multimedia from IA/UNICAMP. He is currently a professor at the Masters program in Semiotics, Information and Education Technology of the Braz Cubas University – UBC. Author of the book  Corpo, mídia e representação: estudos contemporâneos (Thompson, 2005), among others.