Mobilizar mais que a coluna | Mobilize more than the column

O texto que segue é um ponto de vista sobre a organização política da dança contemporânea paulistana. O que estou expondo não é o resultado de uma observação científica, apoiada em dados rigorosamente analisados. Trata-se de um relato pessoal de uma artista que trabalha em uma área difícil: por que não lida com a palavra, por que enfoca a pesquisa, e por que esta pesquisa se refere ao movimento, ao corpo, e este universo do corpo e do movimento requer tempo e paciência para ser abordado, além da disposição de se abrir para uma experiência diferente daquilo que somos diariamente levados a consumir. É no mínimo quixotesco dedicar-se a um trabalho com essas características num país como o Brasil, que investe muito pouco em pesquisa de qualquer natureza e que em 2003 destinou ao seu Ministério da Cultura 0,26% do orçamento do país. Mas está longe de ser uma ação solitária, não só por causa da quantidade de pessoas que se dedicam à dança contemporânea, como por causa dos diferentes tipos de associações que se formaram com propósitos diversos que vão desde estudar e discutir aspectos da produção artística até buscar soluções para o estágio de estagnação em que esta se encontra, não por falta de profissionais e propostas, mas por falta de políticas culturais específicas para o setor.

Faço parte da comissão executiva do Movimento Mobilização Dança que, desde outubro de 2002, tem trabalhado junto ao legislativo e executivo da cidade São Paulo, com o intuito discutir e propor políticas públicas para a dança contemporânea com enfoque na pesquisa da linguagem cênica e na investigação de parâmetros corporais próprios. Trata-se de um movimento civil, apartidário, sem constituição jurídica, nem caráter representativo de categoria profissional. Desde o início de 2003 nos reunimos mensalmente na Câmara dos Vereadores, onde organizamos discussões abertas com artistas, pesquisadores, críticos, produtores e interessados em geral. Essas reuniões, envolvendo diferentes núcleos de discussão, tem como meta um debate público sobre dança contemporânea que levante subsídios para propostas a serem encaminhadas aos setores que trabalham com cultura.

O primeiro resultado concreto desta atuação será visto a partir da segunda quinzena de fevereiro quando terá início uma circulação de trinta e cinco espetáculos de dança contemporânea promovida pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, através de nove teatros da Prefeitura, dentre os quais sete pertencentes aos CEUs (Centro de Educação Unificada). Essa mostra é absolutamente inédita sob vários pontos de vista: o número de grupos contemplados, o número de teatros que abrigarão os espetáculos, a pluralidade de tendências de dança contemporânea que será veiculada. O maior diferencial fica entretanto por conta da colaboração de um grupo organizado de artistas em momentos diferentes com o Legislativo e a Secretaria Municipal de Cultura. Não só apresentamos a dança contemporânea ao poder público municipal que aos poucos toma consciência de nossa existência e nossas necessidades, como também pudemos começar a entender como funcionam suas instituições. Trata-se de um processo pelo qual os vários segmentos da cultura tem que passar. A ausência de políticas culturais públicas durante tantos anos trouxe como conseqüência um desconhecimento profundo das necessidades de cada setor, e cabe a cada um a tarefa de se organizar e procurar reverter essa situação.

Numa esfera diferente o Fórum Nacional de Dança tem tido uma experiência semelhante à nossa, onde o envolvimento com órgãos públicos e com a legislação se transformou numa colaboração importante para a dança brasileira. Movimento nacional voltado para o todos segmentos de dança, o Fórum tem se dedicado a discutir a pertinência das leis vigentes onde são perceptíveis defasagens que permitem “invasões” de conselhos de outras profissões como a que tem que ocorrido ultimamente com os CONFEF e CREF no intuito de filiar profissionais de dança aos Conselhos Nacional e Regionais de Educação Física. Uma das principais metas dessas discussões é estudar um projeto de lei de artistas da dança adequada à situação atual. Uma das bases para esse estudo é a recente descrição do Artista da Dança no Catálogo Brasileiro de Ocupações 2000 do Ministério do Trabalho e Emprego, que já reflete uma perfil muito mais preciso e amplo do que a descrição da classificação anterior.

As ações do Movimento Mobilização Dança e do Fórum Nacional de Dança indicam um bom estágio de organização dos artistas da dança. Pelo menos por parte do Mobilização Dança, não posso falar pelo Fórum, isso é fruto de várias tentativas anteriores, que terminaram culminando no tipo de movimento que estamos construindo. Uma das nossas principais metas este ano é criar um projeto de lei municipal de fomento à dança contemporânea, e para isso, temos intenção de organizar um série de reuniões setoriais que aprofundem a discussão deste projeto com os artistas.

(1) O Mobilização Dança surgiu a partir da iniciativa da dançarina e coreógrafa Célia Gouvêa, que em outubro de 2003 procurou o então vereador Vicente Cândido, hoje deputado estadual, solicitando apoio para a dança contemporânea. Através de uma emenda encaminhada pelos vereadores Vicente Cândido e Nabil Bonduki foi reservada a verba emergencial de R$1.000.000,00 para a dança contemporânea no ano de 2003. Esta verba foi destinada à Mostra de Dança Contemporânea de São Paulo, que acontece de fevereiro a abril de 2004.Translation by Sarah Hyde, Ccaps Translation and Localization.

The following text offers a point of view on the political organization of contemporary dance in São Paulo. What I am exposing is not the result of a scientific observation, supported in rigorously analyzed data. Rather, it is the personal account of an artist who works in a difficult area: because it does not deal with the word, because it focuses on research and because this research refers to movement, to the body and this universe of the body and movement requires time and patience to be properly understood. It also requires a willingness to be open to an experience that is different than that which we are daily lead to consume.

It is at least a little Quixotean to dedicate oneself to a job with these characteristics in a country like Brazil, which invests so little in research of any nature and which in 2003 destined .26% of the country’s budget to its Ministry of Culture. However, such figures are less daunting when one considers both the number of people who dedicate themselves to contemporary dance and also the different types of associations that are formed with different purposes, ranging from studying and discussing aspects of artistic production to seeking solutions to combat the current stage of stagnation that dance finds itself in, not because of a lack of professionals and proposals but because of a lack of specific cultural policies for the sector.

I am a member of the executive commission of the Dance Mobilization Movement, which, since October 2002, has worked together with the legislative and executive powers of the city of São Paulo to discuss and propose public policies for contemporary dance with a focus on scenic language research and the investigation of specific corporal parameters. It is a civil movement, non-partisan, without any legal constitution or representative character of the professional category. Since its foundation in 2003, we have met once a month in the Town Council, where we organize open discussions with artists, researchers, critics, producers and others who are interested. These meetings, involving different centers of discussion, aim to create a public debate about contemporary dance that can raise grants for proposals that will then be sent to the departments that work with culture.

The first concrete result of this effort will be seen a after the second half of February when a circulation of 35 contemporary dance performances will begin. The performances are promoted by the São Paulo Municipal Secretary of Culture and will occur at nine theatres belonging to the City Hall, of which seven belong to the Unified Education Centers (CEUs). This first project is completely unprecedented in various respects, including: the number of groups that will participate, the number of theatres that will host the performances and the plurality of contemporary dance trends that will be displayed. The greatest differential, however, will be from the collaboration of an organized group of artists with the Legislative powerand the Municipal Secretary of Culture. Not only do we present contemporary dance to the municipal public power, we also gradually begin to raise awareness about our own existence and needs and also how the pertinent institutions work. It is a process through which the different cultural area must pass. The absence of public cultural policies for so many years led to a profound ignorance of the needs of each sector and each one of us is now responsible for organizing and seeking to revert this situation.

In a different sphere, the National Dance Forum could have had an experience similar to ours, where the involvement of public institutions and the legislative power transformed into an important collaboration for Brazilian dance. A national movement directed at all areas of dance, the Forum has dedicated itself to discussing the pertinence of current laws, such as the different phases that have permitted “invasions” of advise from other professions, like what has recently occurred with the CONFEF and CREF and their intention to affiliate dance professionals with National and Regional Physical Education Councils. One of the principal goals of these discussions is to formulate a law for dance artists that is appropriate for the current situation. One of the foundations for this study is the recent description of the Dance Artists in the 2000 Brazilian Catalogue of Occupations published by the Ministry of Labor and Employment, which already reflects a much more precise and ample profile than the description from the previous classification.

The actions of the Dance Mobilization Movement and the National Dance Forum indicate that dance artists have entered a positive organizational stage. At least for Dance Mobilization (as I cannot speak for the Forum), this is the fruit of many previous attempts that ended by culminating in the type of movement that we are building. One of our main goals this year is to create a municipal incentive law for contemporary dance. In order to do this, we intend to organize a series of department meetings that will deepen the discussion of this project with the artists.

(1)
Dance Mobilization arose from the initiative of dancer and choreographer Célia Gouvêa who in October, 2003 sought out the then Councilman Vicente Cândido, today a state congressman, requesting support for contemporary dance. Through an amendment directed by the Councilmen Vicente Cândido and Nabil Bonduki, an emergency budget of R$1 million was liberated for contemporary dance in 2003. This budget made possible that Contemporary Dance Showcase that is happening in the City from February to April 2004.