mov-s, uma porta aberta ao debate

A reportagem abaixo foi originalmente publicado na revista argentina Balletin Dance de julho de 2010. A versão original do texto, em espanhol, está disponível aqui, em formato PDF.

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O mov-s, um encontro voltado para o intercâmbio internacional de dança e das artes do movimento, é hoje uma das propostas mais interessantes das artes cênicas na Espanha.

Organizado pelo Mercat de les Flors de Barcelona, o encontro itinerante aconteceu de 10 a 13 de junho de 2010, no Museu Reina Sofia, em Madri. Anteriormente, já foi realizado em Barcelona (2007) e na Galícia (2008).

O mov-s em Madri foi organizado em conjunto com o Reina Sofia e reuniu mais de 500 profissionais de dança. O tema central desta edição foi o espectador. Foram analisados “os aspectos que tornam as pessoas espectadores ativos, capazes de reconhecer e valorizar a criação contemporânea”.

Para os organizadores, “o mov-s procura construir pontes entre artistas e organizações da dança e da arte do movimento, a fim de estabelecer formas naturais de encontro e colaboração.” Esta iniciativa do Mercat de Les Flors aposta, além disso, na investigação sobre formas de aumentar o público para a dança, e criar “uma relação diferente com o espectador também, baseada em outras formas de artes cênicas.”

A sessão de abertura foi presidida por Manuel Borja-Villel, diretor do Museu Reina Sofia; Bertram Müller Solano, presidente da Rede Europeia de Dança Casas e Casadesús Francesc, diretor do Mercat de Les Flors. Durante os dias de trabalho, o encontro abordou questões específicas, como o espectador como um sujeito ativo, práticas colaborativas, redes e comunidades, entre outros, apresentados em sessões plenárias e, em seguida, discutidos, mais de perto, nas oficinas que foram conduzidas simultaneamente. Os participantes puderam escolher livremente seu próprio caminho, de acordo com seus interesses temáticos.

Dentre tantas possibilidades, a Balletin Dance assistiu à apresentação do projeto de Redes Sociais, no qual o diretor Hans Tino explicou os objetivos do portal danza.es; Natacha Melo, do Uruguai, apresentou o movimiento.org e Dance Duacastilla Xavier e Jordi Cortés falaram sobre a Red Social de Danza Integrada.

Danza.es é um portal público criado para promover a dança. Pertence ao Instituto Nacional de Artes Cênicas e Música (INAEM), um organismo autônomo do Ministério da Cultura da Espanha que tem entre suas funções a promoção e divulgação de atividades musicais, letra, coreografia, teatro e circo. O site foi criado para ser uma ferramenta de divulgação para o trabalho de artistas espanhois e um ponto de encontro para profissionais e o público, onde eles podem se comunicar diretamente.
Já a rede movimiento.org reúne profissionais e organizações de dança latino-americanas. Foi criado pela Red Sudamericana de Danza, em parceria com o idanca.net e a Associação Cultural Panorama. Sua máxima é ‘fazer em conjunto’ e entre seus objetivos foram mencionados o fomento à auto-gestão, novos tipos de licenças na cultura digital, tecnologias de associação e o RSS, uma troca de conteúdo automática.

A Red Social de Danza Integrada é uma iniciativa recente. Representada pelo grupo Canduco, foi apresentada de forma animada e simpática por Duacastilla Xavier e Jordi Cortes, que contaram como organizaram a rede com esforços próprios, com o objetivo de preservar as possibilidades de pessoas com deficiência física, que “encontram na dança o instrumento necessário para desenvolver suas habilidades e expressão criativa, compartilhando-as com na mesma situação”.

Outra mesa que se destacou, principalmente por sua atualidade, foi a que discutiu as Redes Sociales Virtuales, apresentada pelo pesquisador e professor venezuelano radicado em Nova York, Marlon Barrios, que se dedica à produção experimental on-line. “Sua experiência mistura dança, ciências cognitivas e tecnologias interativas, e investiga a interseção da ação do movimento com as novas tecnologias da informação e a utilização de plataformas on-line para a colaboração criativa, a circulação de conhecimentos e a inovação social nas comunidades e os contextos translocais”.

Marlon Barrios é o criador do dance-tech.net, uma rede social online, que inclui um canal de vídeo colaborativo (dança TechTV) e uma série de entrevistas que exploram a inovação e a mistura de disciplinas no movimento. É uma plataforma e também uma comunidade. Seus projetos buscam formar plateias, aumentar a interação e a colaboração em rede correspondendo ao que Barrios denomina “processo viral informação”. Entre seus objetivos mais ambiciosos está a participação e a criação de festivais voltados para dança e performance on-line ao vivo.

Outra proposta interessante da conferência foi o roteiro Itinerarios de la Colección: Teatralidad, lançado pelo Rainha Sofia para o mov-s e apresentado por José Antonio Sánchez Prieto e Zara Prieto. Esta proposta remete à coleção do museu para mostrar o diálogo que as artes visuais mantiveram com o teatro desde o início do século XX. Segundo os curadores do itinerário “o teatro e a dança aproximaram-se das artes visuais em busca de sua definição como arte autônoma, afirmando a sua independência em relação à literatura e à música. No entanto, na segunda metade do século, a relação se inverteu: o modelo de obra de arte total foi substituído pela idéia de obra aberta e as artes visuais praticaram a teatralidade entendida como o resgate do corpo, suas experiências e suas pegadas, tanto por parte dos artistas como dos espectadores.”

Grupo que participou do tour pelo Reina Sofia. Foto publicada na Balletin Dance / Mercedes Bartutis

O roteiro é uma ótima ideia que insere o Reina Sofía nas pesquisa sobre artes do espetáculo na Espanha. O museu de Madrid está envolvido também no Mestrado em Práticas de Estágio e Cultura Visual (www.arte a.org),  na Universidade de Alcalá, em colaboração com o Mercat de Les Flors, Madrid Matadouro, e La Casa Lit. Os alunos tiveram seu espaço nestes dias de mov-s, onde apresentaram alguns resultados das experiências do laboratório de criação.

Outro aspecto a salientar do encontro foi o testemunho dos artistas que vieram a Madrid para compartilhar suas experiências. Neste ponto, devemos salientar a presença de Lia Rodrigues do Brasil, considerada uma das criadoras mais inovadoras de seu país. Com grande compromisso político, ela desenvolveu um trabalho impressionante na Favela da Maré, no Rio de Janeiro. Embora, tenha passado uma temporada na Europa, a artista voltou ao Brasil, onde fundou sua companhia em 1990.

Atualmente, trabalha em várias pesquisas para explorar os limites do corpo, a luta entre o individual e o coletivo, e a complexidade das emoções humanas. O complemento do mov-s foi a mostra artística que acompanha, a cada dia, as sessões teóricas em um circuito de teatros, que incluiu o Círculo de Bellas Artes, Teatro Fernan Gomez, Matadouro Madrid, Teatro Circo Price, e algumas áreas de apresentação do próprio museu Reina Sofia, entre outros locais. Uma comissão artística selecionou um número importante de espetáculos de todo o território espanhol, e cujas propostas estavam ligadas ao conteúdo teórico e espírito do encontro.

Um dos destaques entre as apresentações foi El Llac de les Mosques (“O Lago das Moscas”), da Cia de Dansa Sol Picó, um espetáculo que ganhou o Prémio Max de Artes Cênicas 2010, na Espanha, como a melhor coreografia, melhor espetáculo e também como melhor bailarina. El Llac de les Mosques é um espetáculo intenso, cheio de energia e momentos de clímax enriquecidos pelos excelentes músicos que acompanham toda a peça de Sol Picó.

Mas o que todos queriam assistir era El Final de Este Estado de Cosas, um espetáculo impressionante de Israel Galván, programado para Theaters Canal, e que esta repórter já tinha visto uma semana antes no Théâtre de la Ville de Paris, cortesia da boa amiga Beate Perrey. Galván faz alusão à vida e à morte, em uma descomunal variação dos recursos tradicionais do flamenco tradicional, conservando suas raízes, e tendo bem claro de onde vem e o que ele quer realizar o seu projeto. A acompanhá-lo no palco, um grupo extraordinário de músicos virtuosos enriqueceu sua proposta.

Finalmente, o mov-s deixou um espírito de otimismo em todos que vieram para Madrid. No discurso de encerramento, Francesc Casadesús, sua maior inspiração, reconheceu a colaboração do Museo Reina Sofia e todas as instituições culturais envolvidos, e anunciou que a próxima edição acontecerá em Cadiz.

Este encontro, itinerante e dinâmico, é um exemplo do nível artístico e a participação social que a dança e as artes do movimento alcançaram em todo o mundo.

Mercedes Borges Bartutis é jornalista, pesquisadora e crítica de dança.

Leia também: Contemporâneo, dança-teatro, improvisação, performance: uma retrospectiva argentina (artigo publicado na Balletin Dance em janeiro de 2009)

Mov-s 2010 vai até domingo. Movimento.org estará lá