Mulheres de 54 a 75 anos dançam a feminilidade e a memória

Pedra de Guaratiba é um bairro com cara de município na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Com 10 mil habitantes e uma grande ligação com o mar e com a atividade pesqueira, Guaratiba concentra uma boa quantidade de restaurantes de frutos do mar que quem conhece diz que são os melhores da cidade.

A Arena Carioca Chacrinha é um espaço cultural importante para o bairro e foi ali que, a convite da direção do local, começaram a se reunir a partir de agosto do ano passado, todas as terças e quintas, as 14 mulheres com idades entre 54 e 75 anos, que apresentam a peça Fios de memória este mês. Sob a orientação da coreógrafa Jessica Tavares, o grupo inicialmente contava com a presença de três homens, que por motivos diferentes, não puderam continuar e participar da montagem.

A questão da feminilidade foi assim ficando gradativamente mais forte durante o processo de criação. “O que saltava aos olhos era a presença forte do feminino como algo ou libertador ou opressor. Chegavam para mim algumas falas referentes às trajetórias de vida, de corpos reprimidos por ser mulher, por ter nascido menina. Outras eram histórias que falavam da beleza da fertilidade”, conta a coreógrafa.

Poucas tinham experiência em dança e o processo, como qualquer criação artística, também trouxe suas dificuldades. “Havia dificuldade em subir no palco, andar descalça, fechar os olhos, deitar no chão, olhar nos olhos, tocar e confiar no seu corpo e no corpo do outro. No início, o novo pode assustar, mas hoje posso dizer que elas tiram de letra”, explica Jessica.  Para Maria do Carmo, 62, aposentada, a dificuldade é superável: “Dançar não é fácil, porque tem passos muitos difíceis, mas vou aprendendo um pouquinho a cada dia”. Vera Regina, 59, dona de casa, confirma: “O mais difícil é você se soltar inteiramente, mas, aos pouquinhos, a coisa vai fluindo e você se sente uma superstar”.

Para Livia Soares, 71, professora aposentada, a dança é uma experiência totalmente nova. “Não dancei na juventude. Era muito tímida e meu pai dizia que era pecado. Não vivenciei os ‘anos dourados’. Estou recuperando, me sentindo mais jovem, gostando mais de mim.” Ela conta que, com a experiência, descobriu a capacidade de se superar: “Criar coragem: [dizer] ‘eu quero, eu posso’, mesmo tendo ouvido sempre ‘você não tem ritmo'”.

No processo de criação, junto com as histórias de vida de cada uma, foram aparecendo alguns elementos simbólicos que ajudaram a compor a dramaturgia do espetáculo, como o novelo de lã e o espelho. Terezinha de Jesus, 60, pedagoga, conta: “A dança nos conduziu a uma viagem introspectiva, juntando fios de memória de cada pessoa do grupo, nossas lembranças, numa grande teia de emoções que afloraram no decorrer da atividade. Experiência difícil em alguns momentos, mas que se fez necessária para a construção do nosso trabalho. Foi uma prática enriquecedora”.

Todas manifestaram a vontade de continuar dançando futuramente. Vera diz: “Vou morrer dançando. Não uma dança específica, mas a minha dança. Aquela em que você mexe o corpo do seu jeito, sem certo ou errado. A dança que te faz feliz inteira. Saio todos os dias pra caminhar com o meu fone de ouvido e, quando a música é muito boa, não consigo me conter… e danço”.

Quem quiser assistir Fios de memória, talvez depois ficar para jantar em Pedra de Guaratiba, é no dia 20 de fevereiro, um sábado, às 19h, na Arena Carioca Chacrinha.

 

Fios de memória
Arena Carioca Chacrinha
Rua Soldado Elizeu Hipólito, 138 – Guaratiba, Rio de Janeiro
Tel.: 21 3404 2980
Dia 20 de fevereiro, 19h
Entrada gratuita